Os serviços notariais e de registro são públicos e, por delegação do poder público, prestados por particulares, sendo os emolumentos devidos estabelecidos de acordo com normas gerais fixadas em lei ordinária, conforme dispõe o art. 236 e seus §§ da Constituição Federal.
Assim sendo, os serviços serão prestados por um particular selecionado mediante concurso público, assim como seus prepostos, que ficam sujeitos à fiscalização do Poder Judiciário (§ 3º do art. 236, da Constituição Federal).
A remuneração devida aos delegatários pela prestação dos serviços aos usuários é feita por meio de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro e que são disciplinados por lei ordinária que, ademais, estabelece normas gerais para a sua fixação (Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, regulamentou o art. 236, da Constituição Federal, enquanto a Lei nº 10.169, de 29 de dezembro de 2000, que disciplinou, especificamente, o § 2º do art. 236, da Constituição Federal, estabeleceu, em seu art. 2º, que, para a fixação do valor dos emolumentos, a lei dos estados e do Distrito Federal levará em conta a natureza pública e o caráter social dos serviços notariais e do registro, obedecidas diversas regras).
O Estado de Mato Grosso do Sul, no exercício de sua competência legislativa, editou a Lei Estadual nº 3.003, de 7 de junho de 2.005, dispondo sobre a fixação de emolumentos devidos pelos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, alterando a Lei nº 2.020, de 11 de novembro de 1.999, dispondo, no § único do art. 1º, que se consideram emolumentos os valores devidos a título de remuneração pela prestação de serviços públicos notariais e de registro e contribuintes as pessoas físicas ou jurídicas que utilizam os serviços públicos prestados por notários e registradores (art. 2º).
No julgamento da ADIN nº 1.145-6 – Paraíba, relator o Ministro CARLOS VELLOSO, em v. acórdão unânime, de 03-10-2002, o Pretório Excelso proclamou que “As custas, a taxa judiciária e os emolumentos constituem espécie tributária, são taxas, segundo a jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal. Precedentes do STF.”
Todavia, fixada essa premissa, importante para o deslinde das demais questões que estão sendo levantadas, o exame da Lei Complementar Estadual nº 179, de 17 de dezembro de 2013, e a Lei nº 4.633, de 24 de dezembro de 2014, do Estado de Mato Grosso do Sul, conduz à importante indagação que é a da fixação como receita do Fundo Especial para o Aperfeiçoamento e o Desenvolvimento das Atividades da Defensoria Pública (FUNADEP) e para o Fundo Especial da Procuradoria-Geral do Estado (FUNDEPGE).
Entretanto, essa questão é manifestamente inconstitucional, posto que não se enquadra na prestação de qualquer serviço notarial e tampouco representa o exercício efetivo do poder de polícia, sendo incompatíveis com a natureza tributária dos emolumentos e das custas notariais. Então, não se sabe a que título esses valores são entregues às referidas entidades, ou seja, são simplesmente receitas sem que haja a contraprestação efetiva e própria de um serviço.
Merece ser trazido à colação o voto de Ministro MARCO AURÉLIO DE MELLO, proferido no julgamento da ADIN 3.028 / RN que, ao repelir essa participação, diz que “... cobra-se por um serviço que nada tem a ver com esse serviços.”
A realidade que salta aos olhos é que essas entidades, como disse o mesmo Ministro MARCO AURÉLIO DE MELLO, pegaram “carona” na arrecadação dos emolumentos e das taxas notariais destinada à prestação de um serviço público e ao poder de polícia do Poder Judiciário, impondo um ônus que sufoca o contribuinte que é obrigado a pagar “por um serviço que nada tem a ver com esses serviços.”, pois além de não prestar qualquer serviço não exerce o poder de polícia.
Observa LARISSA LUIZARI em estudo inédito publicado concluindo que “A lei Federal 10.169/2000 regula o art. 236 da Constituição Federal, e estabelece normas gerais para a fixação de emolumentos relativos a atos praticados pelos serviços notariais e de registro. O art. 1º diz que os Estados e o Distrito Federal são responsáveis por fixar o valor dos emolumentos relativos aos atos de registro aos atos praticados pelos respectivos serviços notariais e de registro e que o valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados.” (grifamos) (in “Repasses e Despesas: para onde vai o dinheiro pago aos cartórios brasileiros?, Cartórios com Você, Edição 8, Ano 2, maio a julho de 2017, da SINOREG e ANOREG-SP).
Finalmente, a manobra legislativa é muito pouco sutil, pois, na realidade, criou-se, com tais disposições legais, um verdadeiro e indissimulável tributo incidindo sobre os emolumentos e as custas notariais que são arrecadados pela prestação desse serviço público e com outra destinação que, em última análise, se reflete sobre os cidadãos que deles se utilizam.