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DEMOCRACIA

Bolsonaro foi 'réu confesso', diz Alexandre de Moraes em seu voto

Moraes e Dino votaram pela condenação de Bolsonaro e os outros sete réus. Agora, falta somente um voto

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Os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), deram nesta terça-feira os primeiro votos para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os outros sete réus do "núcleo crucial" da trama golpista. Com os dois primeiros posicionamentos na Primeira Turma do STF, falta um voto para formar maioria pela condenação de Bolsonaro e dos outros acusados - entre eles militares de alta patente.

A Primeira Turma é composta por cinco ministros e a votação será retomada nesta quarta-feira com o voto de Luiz Fux. Como relator, Moraes abriu a votação, prevista para terminar na sexta-feira. As penas serão definidas ao final, se houver maioria a favor da condenação - elas poderão chegar a até 43 anos de prisão em regime fechado.

Em um voto extenso, com centenas de páginas, Moraes seguiu a mesma lógica da denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, para defender a condenação dos réus. O ministro fez uma linha do tempo para mostrar que as provas compõem um contexto de planejamento de um golpe de Estado. Ele abriu a lista de atos preparatórios para o golpe com a tentativa de minar a credibilidade do sistema eleitoral brasileiro, que teria sido iniciada em junho de 2021. Como na acusação formal, o ex-presidente foi descrito como o líder da articulação golpista

Foram citadas diversas declarações de Bolsonaro com ataques ao Judiciário e questionamentos à Justiça Eleitoral, o que, no entendimento de Moraes, levam o ex-presidente à condição de "réu confesso".

Além do ex-presidente, respondem ao processo Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e Casa Civil), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Alexandre Ramagem (deputado e ex-diretor da Abin), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha) e Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro).

DOSIMETRIA E ‘TIRANIA’

 Dino deu o segundo voto para condenar o ex-presidente e os outros réus por todos os cinco crimes imputados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) - à exceção de Ramagem, todos respondem por organização criminosa, tentativa de abolição violenta do estado de direito, golpe de Estado, dano qualificado com uso de violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.

Dino antecipou que vai sugerir dosimetrias mais duras para Bolsonaro e Braga Netto, que, na avaliação dele, exerceram "papel dominante" no plano. Para ele, embora todos os réus tenham participado da conspiração golpista, os níveis de envolvimento e culpa são diferentes. Segundo o ministro, Paulo Sérgio, Heleno e Ramagem tiveram "participação de menor importância".

"Nós estamos aqui fazendo o que nos cabe, cumprindo o nosso dever, isso não é ativismo judicial, isso não é tirania, não é ditadura. Pelo contrário: é a afirmação da democracia que o Brasil construiu", disse Dino ao concluir o voto em uma resposta indireta ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que, em ato bolsonarista no 7 de Setembro, acusou Moraes de "tirania" e a Corte de exercer uma ditadura no País.

O julgamento é considerado histórico. É a primeira vez que um ex-presidente e oficiais do alto escalão das Forças Armadas respondem na Justiça por atentar contra a democracia no Brasil.

ANISTIA

 Apesar das pressões do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que impôs sanções financeiras e diplomáticas a Moraes em retaliação ao julgamento, e de aliados do ex-presidente, que tentam emplacar um projeto para anistiar os implicados pelo 8 de Janeiro, Moraes foi contundente ao defender as condenações. O voto foi carregado de críticas aos réus, comparados a "terroristas" e "delinquentes do PCC".

Dino, por sua vez, afastou a possibilidade de uma anistia para Bolsonaro. O ministro resgatou jurisprudência da Corte e citou votos de colegas em julgamentos que trataram de perdão a crimes contra o estado de direito, a exemplo do indulto concedido por Bolsonaro ao ex-deputado Daniel Silveira. Todos foram contra anistiar investidas contra a ordem democrática.

Dino leu o voto de Fux: "Crime contra o estado de democrático de direito é um crime político e impassível de anistia, porquanto o estado democrático de direito é uma cláusula pétrea, que nem mesmo o Congresso pode suprimir".

‘PROJETO AUTORITÁRIO’

 Como relator do caso, Moraes ganhou protagonismo no processo, assim como em outras investigações que pressionam Bolsonaro. Ele supervisionou o inquérito, autorizou diligências e conduziu interrogatórios de testemunhas e réus. Na terça-feira, foi o primeiro a votar.

"O Brasil quase voltou a uma ditadura que durou 20 anos porque uma organização criminosa constituída por um grupo político liderado por Jair Bolsonaro não sabe perder eleições", afirmou Moraes, concluindo que o ex-presidente tinha um "projeto autoritário" de poder. "Não é possível banalizar o retorno a esses momentos obscuros da história."

Pelo raciocínio do ministro, o convencimento do STF sobre o plano de golpe começou a ser formado ainda na fase das condenações de réus do 8 de Janeiro, quando radicais invadiram e vandalizaram os prédios dos Poderes em Brasília.

Para Moraes, o ex-presidente é a peça central em uma trama que já foi reconhecida pelo Supremo, e seu julgamento é apenas o ato final da Corte. Segundo a linha de argumentação apresentada no voto, absolver Bolsonaro seria negar tudo o que o STF julgou sobre os atos golpistas na capital federal.

A reunião do ex-presidente com embaixadores estrangeiros, em julho de 2022, que levou a Justiça Eleitoral a decretar a inelegibilidade de Bolsonaro, foi rememorada em uma referência velada a Trump. Moraes classificou o encontro como um momento de "entreguismo nacional" e, sem mencionar diretamente as interferências do governo americano no julgamento, disse que "os últimos acontecimentos" demonstraram que a reunião foi um esforço para fazer o Brasil retroceder ao colonialismo, em uma "tentativa de retorno à posição de colônia brasileira, só que não mais de Portugal".

Reações do governo passado e de seus aliados, articuladas publicamente, foram destacadas, como a nota do Ministério da Defesa que colocou em dúvida a lisura das eleições e a representação do PL, partido de Bolsonaro, para anular parte dos votos do segundo turno de 2022.

Ao conectar os diferentes episódios como atos executórios do plano de golpe, assim como fez a PGR, o ministro procurou neutralizar um dos principais argumentos da defesa de Bolsonaro: o de que o ex-presidente não colocou em prática nenhuma medida de exceção e que houve mera cogitação de alternativas previstas na Constituição.

"Não confundamos consumação do golpe com consumação do crime de golpe de Estado. São coisas diversas. A mera tentativa consuma o crime", disse o ministro. "Se houver a consumação, quem vai exercer o poder de maneira ditatorial e tirânica não vai permitir que se responsabilize." Em interrogatório, o ex-presidente admitiu ter considerado decretar estado de defesa ou de sítio, mas alegou que desistiu da ideia após concluir que as medidas não teriam viabilidade.

Moraes deu destaque a documentos que corroboram a acusação, a exemplo das diferentes versões da minuta de decreto para anular o resultado das eleições de 2022, prender autoridades, intervir no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e baixar medidas de exceção As "minutas do golpe", como ficaram conhecidas na investigação, foram encontradas com Torres e Cid.

O voto também cita o discurso que, segundo a PGR, seria lido por Bolsonaro em pronunciamento em rede nacional após assinar um decreto golpista. O documento apócrifo foi apreendido pela Polícia Federal na sala do ex-presidente na sede do PL, em Brasília.

‘BARQUINHO DE PAPEL’

 Também cita o Punhal Verde e Amarelo, plano, segundo a acusação, para assassinar Moraes e o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. O arquivo foi impresso no Palácio do Planalto. A autoria é atribuída ao general Mário Fernandes, réu no núcleo operacional do golpe. Depois de imprimir o documento, o general foi ao Palácio do Alvorada, residência do presidente, onde ficou cerca de uma hora com Bolsonaro. Para Moraes, a dinâmica comprova que o então presidente sabia do plano.

"Não é crível acreditar que Mário Fernandes fez barquinho de papel com a impressão do Punhal Verde e Amarelo. Isso é ridicularizar a inteligência do tribunal", afirmou o ministro. "Com armamento pesado de Forças Especiais do Exército se pretendia matar o presidente do Tribunal Superior Eleitoral e com envenenamento ou remédio para induzir a colapso orgânico se pretendia matar o presidente eleito. Não é possível normalizar "

Outros planos, como Operação Luneta, Operação Copa 2022 e Operação 142, foram mencionados. Depoimentos dos ex-comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos Baptista Jr., que confirmaram ter sido abordados por Bolsonaro com a proposta de golpe, também foram citados por Moraes.

Os próximos ministros a se manifestarem são Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, que, como presidente da Primeira Turma, vota por último. Fux sinalizou que vai divergir de Moraes em aspectos preliminares do processo.


 

drama

Cidade devastada por tornado tem 2 mil sem luz e 32 seguem internados

Quase 2 mil casas e estabelecimentos estão sem energia. Mais de 200 eletricistas, técnicos e projetistas atuam no esforço de emergência.

10/11/2025 07h31

Por conta do tornado, A Secretaria de Saúde atualizou para 835 o número de atendimentos médicos, feitos em Laranjeiras do Sul

Por conta do tornado, A Secretaria de Saúde atualizou para 835 o número de atendimentos médicos, feitos em Laranjeiras do Sul

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Trinta e duas pessoas seguiam internadas em hospitais do Paraná até este domingo, vítimas da passagem de um tornado pelo estado, na última sexta-feira (7). De acordo com boletim da Secretaria estadual de Saúde, divulgado no domingo (9), quatro pacientes estão em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), “mas nenhum caso grave”.

Ventos de mais de 250 quilômetros por hora atingiram a cidade de 14 mil habitantes, que fica no Centro-Sul paranaense, 400 km ao leste da capital, Curitiba. De acordo com a Defesa Civil, 90% da área urbana de Rio Bonito do Iguaçu sofreram algum estrago na infraestrutura. O fenômeno climático deixou seis mortes, cinco em Rio Bonito do Iguaçu e uma em Guarapuava, também no Centro-Sul do estado.  

A Secretaria de Saúde atualizou para 835 o número de atendimentos médicos. O socorro aos feridos ficou concentrado na cidade vizinha de Laranjeiras do Sul.

O governo estadual encaminhou para a região um lote de insumos hospitalares, como frascos de soro, ataduras, seringas, agulhas e compressas. O material segue de avião até o aeroporto de Guarapuava, de onde foi transportado em quatro helicópteros até Laranjeiras do Sul.

O Corpo de Bombeiros informou que não há registro de desaparecidos, e as buscas foram encerradas. O trabalho das equipes agora é direcionado à reorganização de serviços essenciais, como abastecimento de água e luz, além de distribuição de alimentos e água potável.

Metade sem luz

A Copel, empresa responsável pela distribuição de energia no Paraná, informou que restabeleceu 49% da rede elétrica de distribuição de energia de Rio Bonito do Iguaçu. No sábado (8), a companhia tinha informado que 3.790 endereços estavam sem luz em Rio Bonito do Iguaçu, o que representava cerca de 75% do total de clientes na cidade.

Quase 2 mil casas e estabelecimentos estão sem energia. A Copel detalhou que já foram religadas estruturas prioritárias de urgência, como o Centro de Comando da Defesa Civil, o posto de saúde e o Centro do Idoso.

O número de postes destruídos passa de 300. “As redes elétricas vão ter que ser construídas do zero em boa parte da cidade”, afirma comunicado da empresa. Mais de 200 eletricistas, técnicos e projetistas atuam no esforço de emergência.

Em todo o estado, a Copel informa que restabeleceu a rede elétrica em 90% dos endereços que tiveram interrupção. Cerca de 14,9 mil clientes ainda precisam de reparos, sendo a grande maioria no norte paranaense (12,7 mil).

A Copel informou que monitora permanentemente cada um dos endereços de aplicação de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para a garantia do fornecimento de energia. Especificamente em Rio Bonito do Iguaçu, a realização do exame foi suspensa. 

Municípios atingidos

De acordo com a última atualização da Defesa Civil do Paraná, no começo da manhã deste domingo, 12 municípios foram atingidos pela passagem do tornado: Candói, Cantagalo, Cruzeiro do Iguaçu, Foz do Iguaçu, Guaraniaçu, Guarapuava, Londrina, Matinhos, Porto Barreiro, Rio Bonito do Iguaçu, Turvo e Umuarama.

Foram afetadas 14.751 pessoas - por exemplo, ficaram sem energia elétrica, água ou comunicações, sendo 11.785 em Rio Bonito do Iguaçu.

O número de desalojados (foram para casa de parentes ou amigos) chega a 1.060, e 28 estão desabrigadas (pessoas em abrigos públicos).

O boletim aponta que 704 casas foram danificadas, sendo 620 em Porto Barreiro. Quinze domicílios foram destruídos, todos em Guarapuava.

Autoridades

O governador do Paraná, Ratinho Junior, decretou estado de calamidade em Rio Bonito do Iguaçu.  O estado de calamidade pública permite ao governo local executar gastos emergenciais sem as restrições normais do orçamento, além de facilitar acesso a verbas federais.

O Ministério da Saúde enviou no sábado uma equipe da Força Nacional do SUS para Rio Bonito do Iguaçu. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva utilizou as redes sociais para prestar solidariedade aos atingidos. 

crise climática

COP30: financiamento, transição e adaptação são centro das negociações

Delegações de 194 países mais a União Europeia (UE) se inscreveram para participar, segundo informações da presidência da COP30

10/11/2025 07h16

Estimativa é de que 50 mil pessoas, entre negociadores, cientistas, governantes e outros passem por Belém ao longo desta semana

Estimativa é de que 50 mil pessoas, entre negociadores, cientistas, governantes e outros passem por Belém ao longo desta semana

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A partir desta segunda-feira (10), Belém passa a ser a capital temporária do Brasil, mas será principalmente o centro mundial das negociações sobre mitigação e adaptação frente às mudanças climáticas, e os investimentos necessários para atingir esses objetivos.

A 30ª Conferência das Partes (COP30) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) prossegue até o próximo dia 21 de novembro. Realizada pela primeira vez na Amazônia - bioma com a maior biodiversidade do planeta e um regulador do clima global -, a COP30 tem o enorme desafio de recolocar o tema das mudanças climáticas no centro das prioridades internacionais.

Delegações de 194 países mais a União Europeia (UE) se inscreveram para participar, segundo informações da presidência da COP30. A capital paraense estima receber mais de 50 mil visitantes, entre negociadores diplomáticos, observadores, cientistas, representações de governos, organizações da sociedade civil e movimentos sociais.

O evento ganhou impulso, nos últimos dias, com a realização, também em Belém, da Cúpula do Clima, com a presença de chefes de Estado, de governo e representantes de alto nível de cerca de 70 países. Anfitrião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva buscou engajar as nações em torno do consenso para ações práticas que possam frear o risco iminente de o planeta passar a conviver de forma permanente com temperaturas 1,5ºC.

 "A COP30 é a COP da verdade", destacou o líder brasileiro, que reafirmou, em diferentes momentos, a urgência da necessidade de financiamento para adaptação e transição energética, de se afastar de forma planejada e acelerada da dependência dos combustíveis fósseis.

"A cúpula de líderes foi bastante positiva porque tocou num ponto que é fundamental, quando a gente discute clima, que é o fim do uso de combustíveis fósseis. O presidente Lula disse que quer ver, no fim da conferência, os países acordando um mapa do caminho, uma espécie de roteiro de como a gente vai fazer a transição, porque ela não vai acontecer da noite para o dia. Como essa transição vai acontecer? Quais países começam primeiro? Qual é a linha de tempo disso, o tamanho do esforço, quanto de financiamento? Esse recado foi fundamental", afirma à Agência Brasil o secretário executivo da Observatório do Clima, Márcio Astrini.

O Observatório do Clima é uma rede da sociedade civil brasileira, com mais de 130 integrantes, entre organizações ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais para debater e pressionar por ações de mitigação e adaptação à crise climática.

O uso de combustíveis fósseis, como petróleo e carvão, representa 75% das emissões de gases que causam o efeito estufa e aumentam a temperatura do planeta, segundo dados da plataforma Climate Watch. Em seguida, aparecem agricultura (11,7%), resíduos (3,4%), processos industriais (4%), desmatamento e mudanças de uso da terra e das florestas (2,7%).

Conjuntura desafiadora

Apesar desse quadro, a urgência da agenda climática nunca esteve tão em xeque, em meio a conflitos armados persistentes, a saída dos Estados Unidos (EUA) do Acordo de Paris - com retorno da postura negacionista sobre o tema -, e até um repique no aumento das emissões de gases de efeito estufa ocorrido ano passado, especialmente por causa das emissões de CO2, o principal poluidor da atmosfera.

Até o momento, menos de 80 países atualizaram suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês). As NDCs são metas de mitigação, ou seja, compromissos adotados pelos países para redução de emissões de gases de efeito estufa, e foram implementadas desde o Acordo de Paris, há exatos 10 anos. Juntas, as NDCs publicadas respondem por 64% das emissões globais.

Entre os países que mais emitem esses gases, EUA (antes da posse de Donald Tump), China e União Europeia apresentaram suas metas, mas a Índia, terceira maior emissora, ainda não entregou. Países que representam mais de um terço das emissões globais seguem sem atualizar seus compromissos.

"A gente não sabe o que os países prometeram fazer, porque eles não entregaram essas promessas. Então, você esperava que eles apresentassem ali durante a cúpula, pelo menos alguns deles, mas as promessas não vieram e isso daí foi um lado muito ruim", critica Márcio Astrini.

Em sua décima e última carta à comunidade internacional, divulgada no sábado (9), o presidente-designado da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, fez um chamado aos países para que Belém se torne "um ciclo de ação" no enfrentamento da crise climática. Para o embaixador, este é o momento de implementar uma agenda de mudanças focada na união e na cooperação.

Ao longo do último ano de preparação, uma série de discussões prévias buscou alinhar a convergência entre os países, como a Conferência de Bonn, em junho, na Alemanha, e a Pré-COP, em Brasília, realizada no mês passado. Vale lembrar que os pactos nas COP por consenso, entre as 198 partes da Convenção do Clima e do Acordo de Paris, tornam o processo negociador extremamente completo.

Adaptação e transição

Na avaliação de negociadores, três temas deverão guiar as negociações da conferência: adaptação climática, transição justa e a implementação do Balanço Global do Acordo de Paris (GST, na sigla em inglês).

A adaptação se refere à forma como cidades e territórios devem se preparar para lidar com eventos climáticos extremos, como o tornado que destruiu Rio Novo do Iguaçu, no interior do Paraná. Nesse caso, a COP30 deve definir indicadores para o Objetivo Geral de Adaptação Climática, uma forma de medir o progresso dos países.

O tema da transição justa deve ganhar um programa de trabalho oficial na estrutura da COP, com diretrizes para a implementação de políticas que atendam às pessoas impactadas pela transição rumo a economias de baixo carbono. Nesse caso, somado ao tema da transição energética, a meta é criar condições para que trabalhadores impactados pelas transformações em setores poluidores, por exemplo, tenham condições de atuar em novas áreas da economia.

A outra prioridade é a implementação do Balanço Global do Acordo de Paris. O primeiro foi há dois anos, na COP28, em Dubai, e apresentou uma série de recomendações para orientar os países na superação dos desafios da mudança do clima e no combate ao aquecimento global.

Financiamento

Além de todas as questões práticas está o gargalo do financiamento, sem o qual a guinada necessária para que o planeta possa consolidar uma economia de baixo carbono será inatingível. Essa é a principal armadilha nas negociações da COP30, avalia Márcio Astrini, do Observatório do Clima.

"Os países ricos, há muito tempo, prometeram que iriam colocar dinheiro em cima da mesa. Eles são os que mais devem dentro dessa conta do clima e prometeram financiar uma saída para que os países pudessem ali se desenvolver, sem perder sua economia, sem gerar pobreza, implementando novas tecnologias. Só que o dinheiro prometido para fazer essa transição nunca apareceu, na verdade. E isso gerou uma crise de confiança, que piorou na última conferência do clima [a COP29, em Baku, no Azerbaijão]".

Para tentar impulsionar a resolução desse problema, foi apresentado um plano estratégico com o objetivo de viabilizar US$ 1,3 trilhão por ano de financiamento climático. Elaborado pelas presidências da COP29 e COP30, o documento batizado de "Mapa do Caminho de Baku a Belém" foi apresentado na última semana para tentar dar contornos mais concretos sobre como materializar esses recursos 

Na agenda de ação brasileira, um dos instrumentos financeiros prioritários é o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês). Lançado na última quinta-feira (6) durante a Cúpula do Clima, o projeto conta com aportes prometidos de mais de US$ 5,5 bilhões para financiar a manutenção e proteção das florestas tropicais presentes em cerca de 70 países. Ao menos 20% desses recursos deverão ser destinados a comunidades tradicionais e povos indígenas.  

Sociedade civil

Se o resultado das negociações da COP30 ainda são incertos, a conferência certamente será marcada por uma exuberante participação da sociedade civil brasileira e internacional. Muito além da Zona Azul (Blue Zone), onde ocorrerão os eventos oficiais e o acesso é restrito a negociadores e pessoal credenciado, uma série de atividades espalhadas por toda a cidade pretende mobilizar a atenção em torno de diversas facetas da questão climática.

O epicentro será a Zona Verde (Green Zone), a área pública da COP30, de entrada gratuita, que também fica no Parque da Cidade, em Belém.

O espaço é administrado pelo governo federal, mas sociedade civil, instituições públicas e privadas, comunidades tradicionais, juventude e demais atores não governamentais poderão se conectar, dialogar e apresentar projetos de tecnologia e inovação em soluções para a crise climática. É também um espaço de convivência e lazer gratuito par a população.

No Pavilhão do Círculo dos Povos, por exemplo, povos indígenas, comunidades tradicionais, pequenos agricultores e outras populações consideradas essenciais na proteção dos biomas, terão uma extensa agenda. A COP30 deverá receber a maior mobilização indígena da história de todas as outras edições, com mais de 3 mil pessoas.

"Clima não é conversa de ambientalista ou de diplomata. Clima tem a ver com o nosso dia a dia - quando sobe o preço do café, por exemplo, é porque a safra, o plantio, teve prejuízo no Brasil, na Indonésia, no Vietnã, por questões climáticas. Quando a gente tem a tarifa vermelha [na conta de luz], é porque não choveu direito no local certo, as hidrelétricas não foram abastecidas, a energia ficou mais cara. Clima é uma coisa que tem a ver com o nosso prato de comida, com o nosso dia a dia", diz Márcio Astrini, ao celebrar a ampla participação social prevista nesta COP.

"Essa já é a COP vitoriosa, porque o fato de ser realizada no Brasil movimentou diversos setores, muitos deles que nunca tinham conversado, se aproximado da agenda de clima, pessoal da religiosidade, do movimento negro, nós tivemos juízes, a área da saúde, da educação, são muitos movimentos que foram ficando mais próximos, mais íntimos do problema, se apropriando mais da agenda do clima".

Outro grande destaque em Belém será a Cúpula dos Povos, de organização autônoma dos movimentos sociais, que começa na quarta-feira (12) na Universidade Federal do Pará (UFPA). Uma barqueata no Rio Guamá, que banha a capital paranese, deve dar início à mobilização.

O evento vai reunir movimentos sociais, indígenas, quilombolas e ribeirinhos de mais de 62 países para discutir uma transição justa do clima. No sábado (15), uma grande marcha dos povos pelas ruas de Belém também está prevista.

"Em todas as COPs, saíram acordos que não foram cumpridos na sua totalidade. O que precisamos é que esses acordos firmados, de fato, sejam efetivados e cumpridos. E chamar quem de fato lida com a proteção territorial, a preservação e a conservação para a mesa de negociação. De igual para igual", afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

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