Estado trocou 34 coronéis da cúpula da PM em fevereiro deste ano e rebaixou de cargo os oficiais favoráveis às câmeras corporais e à política de redução da letalidade
As mortes a tiros de um estudante de medicina em São Paulo e, há alguns dias, a de Ryan, 4, em Santos, ambas envolvendo PMs, reacenderam o debate sobre a violência policial.
Em meio a uma alta de letalidade que se manteve no acumulado de janeiro a setembro deste ano, ante o mesmo período anterior, a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) caminha, segundo especialistas, para mais um ano marcado pela violência policial.
O uso excessivo de força seria uma escolha política do governador e do chefe da SSP (Secretaria da Segurança Pública) de SP, Guilherme Derrite, e caracteriza uma mudança de rumo do estado na área, segundo Francine Ribeiro, especialista em segurança pública da Rede de Observatórios de Segurança.
"Tem relação direta com um ajuste de paradigma realizado pelo governo do estado, tornando a pauta de segurança pública ainda mais militarizada." Um exemplo, para ela, é a mudança feita por Derrite nas forças de segurança. Como mostrou a Folha de S.Paulo, o secretário trocou 34 coronéis da cúpula da PM em fevereiro deste ano e rebaixou de cargo os oficiais favoráveis às câmeras corporais e à política de redução da letalidade.
O governo disse, por meio da SSP, que as forças de segurança são instituições legalistas que não toleram desvios de seus agentes e que contam com protocolos rígidos de conduta. Afirma, ainda, que as promoções seguem critérios técnicos.
Sobre as câmeras, afirmou que ampliou o número de equipamentos em 18,5%, com 12 mil novos dispositivos e funcionalidades de reconhecimento facial e leitura de placas, com acionamento obrigatório e penalidades previstas para o descumprimento do uso.
Para David Marques, coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os novos rumos na política de segurança foram responsáveis por reverter uma tendência de queda na letalidade policial verificada no governo João Doria (na época no PSDB).
"Não foi assim que Doria se elegeu, mas foi uma mudança de discurso ao longo do mandato, muito também em função de uma disputa com o [então] presidente Bolsonaro e na esteira da execução de George Floyd nos Estados Unidos." Ele também cita o aprofundamento do trabalho das comissões de mitigação de risco que, junto com as câmeras, ajudaram a reduzir a violência e a aumentar a proteção dos próprios policiais.
A nomeação de Derrite, ex-integrante da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), tropa conhecida por ser letal, e com atuação parlamentar favorável ao uso da força, mostrou a opção pela linha-dura, segundo Marques.
É o que também diz Gabriel Sampaio, diretor de incidência e litigância da Conectas Direitos Humanos, que aponta uma violência sem resultados. "Nós reproduzimos uma ideia de política de segurança com condutas que não seguem os critérios mínimos das políticas públicas. A Operação Escudo é reflexo disso", diz o pesquisador, em referência à ação deixou 28 mortos e foi superada pela Operação Verão, que terminou em março com o dobro de civis mortos.
O ouvidor das polícias de SP, Cláudio Aparecido da Silva, apontou, em nota, retrocesso em um processo de profissionalização das polícias. "O que já era assustador para os pobres e periféricos agora se apresenta também como ameaça à vida dos que pertencem às camadas mais abastadas da nossa sociedade. A ideologia de vingança, truculência e morte atinge a todos, sem distinção de classe ou raça."
Segundo Marques, do Fórum, esse tipo de atuação da PM, embora gere capital político, não tem capacidade para desarticular facções como o PCC (Primeiro Comando da Capital), cujos integrantes são apontados por autoridades como assassinos do empresário Antônio Vinícius Gritzbach no aeroporto de Guarulhos. "O enfrentamento ao crime organizado no mundo contemporâneo é mais um trabalho de investigação, com menos visibilidade."
A SSP disse ainda que já investiu mais de R$ 400 milhões e tem ampliado o uso de inteligência, tecnologia e cooperação entre as forças de segurança do estado com o Ministério Público e a Polícia Federal. "Como resultado desses esforços, em 21 meses foram apreendidas 415,6 toneladas de drogas em todo o estado, estimando-se um prejuízo de mais de R$ 1,8 bilhão ao crime organizado. Além disso, importantes indicadores estão em queda, como os homicídios e roubos em geral, que apresentaram as menores quantidades em 24 anos."
Para Marques, o controle externo da atividade policial e do uso da força são insuficientes. "Acho que o Ministério Público também tem que ser cobrado por esse estado de coisas que a gente tem visto em SP."
O órgão rebateu as críticas e disse que monitora sistematicamente o fenômeno da letalidade. "No âmbito da Operação Escudo, por exemplo, oito policiais militares foram denunciados pela força-tarefa instituída pelo MPSP para investigar as mortes."
Do outro lado da letalidade está a piora da saúde mental de policiais, diz Francine. "Com essa orientação de guerra, acabam por agir com mais violência. Na outra ponta, vai revelar aumento de suicídios de policiais por questões relacionadas à profissão." Ela afirma que foram cortados R$ 5 milhões em 2023 do orçamento de SP destinado ao atendimento de saúde mental dos agentes.
A secretaria da gestão Tarcísio disse que a PM tem ampliado o apoio psicológico a agentes da ativa com atendimento em um Centro de Atenção Psicológica e Social e 41 núcleos de atenção espalhados pelo estado. Afirmou também que oferece telepsicologia e diz que investiu R$ 55 milhões em saúde mental e, neste ano, R$ 58 milhões.
(Informações da Folhapress)