Projeto que institui programa chamado “Mães Crecheiras” em Campo Grande foi um dos últimos textos aprovados pelos vereadores da Capital em 2020, mas quais as implicações do programa na visão de especialistas em educação?
A lei se baseou no déficit de vagas em Centros de Educação Infantil (Ceinfs) e o fato de muitos pais e mães não poderem trabalhar por não ter onde deixarem seus filhos. A ideia é que pessoas recebam recursos e sejam capacitadas para cuidarem dessas crianças em suas próprias casas.
Conforme o texto do projeto, que aguarda sanção do prefeito Marcos Trad (PSD), só poderiam ser atendidas crianças até quatro anos filhas de trabalhadores que recebam até um salário mínimo.
As interessadas em se habilitarem como mães crecheiras deverão ter pelo menos o ensino fundamental e devem passar por um curso de capacitação oferecido gratuitamente pelo sistema de ensino local com carga horária não inferior a 20 horas. Nessa formação devem ser abordados, entre outros temas, conhecimentos relativos a higiene, primeiros socorros, nutrição, recreação e acolhimento.
Sobre o espaço físico, é preciso que a residência comporte no mínimo quatro crianças e, no máximo, seis. Além disso, é obrigatório comprovar experiência nos cuidados com crianças na faixa etária a ser atendida pelo programa.
O serviço de alimentação escolar e de saúde do Município de Campo Grande devem atender também as creches domiciliares.
POLÊMICA
Sequer passou pelo crivo do prefeito e o tema já é alvo de críticas. A Defensoria Pública Estadual emitiu uma nota e a encaminhou ao Executivo e Legislativo se posicionando contra o projeto.
Para a coordenadora do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul (Nudeca), defensora pública Débora Maria de Souza Paulino, o projeto de lei é “inconcebível”, visto que a Constituição assegura o atendimento em creche e pré-escola para crianças de zero a seis anos de idade.
O tipo de capacitação que essas pessoas interessadas receberão jamais equivalerá a uma formação sólida profissionalizante que proporcione o atendimento necessário às demandas relativas ao desenvolvimento motor, psíquico e intelectual das crianças, afirma o órgão.
Além disso, na visão da Defensoria, o ambiente escolar não deve ser equiparado a espaços institucionais domésticos, já que a estrutura física das creches e escolas é devidamente e cuidadosamente planejada e o corpo docente legalmente habilitado para atender as necessidades de desenvolvimento infantil.
Vale lembrar que, devido à falta de vagas em Ceinfs, não são raras as situações que as mães e pais não têm escolha em deixar os filhos com parentes ou até mesmo vizinhos, que também não têm experiência ou capacitação alguma.
A doutora em educação Ângela Maria Costa compartilha da opinião da Defensoria. Para ela, a educação pública carece de investimentos. Seria melhor que a verba a ser destinada para o programa fosse usada para melhorar ou até mesmo construir novos Ceinfs, para garantir um atendimento educacional público digno para essas crianças.
“É um absurdo isso que estão querendo fazer”, disse em entrevista ao Correio do Estado. Ela espera que o prefeito vete a medida.