Povo, ô povo, escute: falta pouco menos de três meses. A oportunidade ímpar vai estar em suas mãos; precisa dar-se conta de que a hora do recreio terminou. Faça-nos o favor, agora que as férias das crianças acabaram: acorde! As bem-vindas eleições majoritárias estão vindo aí. Prepare seus ouvidos, abra bem os seus olhos. Nada de ficar entediado e distraidinho na hora da propaganda eleitoral obrigatória – não desligue o rádio nem a tevê, pelo contrário, aumente o som, pare tudo que estiver fazendo; a hora é séria – embora, muitas vezes, a gente não se contenha frente ao grotesco que se apresenta. Preste bem atenção na cara dos candidatos, nos seus trejeitos, na roupa que estarão usando, e, mais do que nunca, no seu sorriso. Dizem os estudiosos da cultura que a gênese do sorriso está na demarcação de espaço. Quando um animal se deparara com outro, mostra-lhe os dentes, e, com isso, demarca sua fronteira. Então, povo, preste atenção nessa mídia primária que é o nosso corpo, a nossa cara, o nosso gestual. Essa é uma mídia que não mente; tudo se revela. Substanciado pelo gestual descompassado e alvíssimo sorriso marqueteado, por seu intermédio, você decodificará o subtexto na fala dos candidatos. Assim perceberá que não há verdade na mensagem lida sem a entonação devida (já que, na maioria das vezes, não foi pensada nem escrita por ele). Não caia nessa. Preste toda sua atenção na pessoa que está pedindo seu voto, isso já é uma ótima dica.
Procure lembrar, ô povo, em quem você depositou sua confiança nas últimas eleições. Veja se o seu candidato fez a metade do que prometeu; se fez, ótimo, fez valer o seu voto. Eles são meio assim como a gente quando faz promessa e paga só a metade; o santo aceita. Aproveite e procure lembrar se você cobrou alguma coisa dele, se se interessou em ter seu endereço eletrônico, saber quem do seu gabinete poderia lhe dar alguma informação sobre o mandato que você afiançou e ajudou a outorgar. E, sobretudo, preste atenção aos jornais, escritos e televisuais. Se puder, às revistas também. Essas mídias podem até aumentar os assuntos, torcer as verdades, mas não mentem, principalmente, porque os advogados estão afiados e competentes nas demandas processuais. Se tiver notícias de corrupção envolvendo o seu político, caia fora, por mais que ele jure por sua mãe mortinha ser inocente. De modo geral, um boato traz em seu bojo algum fundamento, um tantinho assim de comprometimento: onde há fumaça há fogo.
Ah, informe-se sobre os sinais de enriquecimento ilícito. Carros, casas, fazendas, promoção de festas familiares absurdamente ostentosas, mudança no layout visual (o dele e o da patroa) são ótimos vestígios – certos programas na tevê e alguns semanários de distribuição gratuita costumam explorar essas coisas. Procure, também, informar-se se o político que você elegeu mudou de partido, esse também é um dado assaz importante, nessa hora.
Não se esqueça daqueles oportunistas que, em datas comemorativas (Natal, Ano-Novo, Dia das Mães etc) expuseram-se nos outdoors. Esses não merecem uma nova chance, pois, a vaidade e a falta de simancol já são motivos suficientes para que não se reelejam.
Atenção aos financiadores de campanhas e aos cabos eleitorais, pois, os primeiros ocupam, ou influem, no primeiro escalão, enquanto os segundos costumam virar segundo escalão de governo. Às vezes, esses espécimes mudam muito seu padrão de vida em quatro anos (imagina em oito), alguns conseguem até subir da classe Z para classe A, sem escala.
Povo, ô povo, atente para a seriedade deste momento. Fala sério, com os índices epidêmicos de criminalidade, de violência, de baixo aproveitamento escolar, de doenças, não dá para a gente brincar. Não reeleja ninguém que tenha deixado dúvidas, marcas, desassossego. Afinal, você luta tanto com a vida e a sobrevivência; pagando todas as suas dívidas com juros e correção...
Se as campanhas estão tão caras - fala-se e se anuncia milhões pra cá, milhões pra lá - divida esses custos pelo tempo do mandato e você vai ver facilzinho que a conta não fecha, alguém vai estar comprando alguma coisa e outros devendo a alguém; são os tais comprometimentos de campanha. Embora, com a nova legislação, anuncie-se que este ano a coisa vai estar mais controlada, não se iluda, os marqueteiros estão a todo vapor na busca das brechas e nas brechas quem dança é você.
Não dê outro cheque em branco para o seu candidato político. Faça valer sua vontade; não tem cesta básica que valha essa sua delegação. Não há dinheiro que pague a sua opção livre e determinada de escolher o seu candidato a um mandato de quatro ou oito anos. É você escolhendo alguém para representá-lo. É você assinando a carteira (e a aposentadoria) de trabalho dele; o cheque dos móveis e imóveis que adquirirá, das viagens que toda a família e, às vezes, os amigos farão; e, empregando seus incontáveis assessores.
De certo que haverá (tomara) gente em que valha a pena votar; será como procurar agulha em palheiro. Mas, se você foi capaz de pagar várias ligações para decidir quem “mereceria” ganhar um milhão, na décima edição do Big-Brother-Brasil, e, por quase quatro meses, observou atentamente as futricas entre os concorrentes, eliminando-os semana a semana, você saberá fazer o mesmo nesse momento de grande-big-brother-nacional. Certamente, saberá identificar um candidato, que, dentre os demais, estará mais capacitado para gerenciar suas contas; administrar seu condomínio.
Povo, ô povo, sobretudo, não se prostitua. Não se venda. Acorde, observe e aja. Quem sabe, assim, possamos sonhar com um futuro mais digno e com quatro anos de uma vidinha melhor.
Maria Ângela Coelho Mirault, Doutora e mestre em comunicação - [email protected]