O ano marcado pela pandemia de Covid-19 também impactou na mesa dos campo-grandenses. O preço da cesta básica subiu 27,08% em 2020, segundo dados da última Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), realizada mensalmente.
Na casa de Mercedes Magalhães, de 27 anos, o aumento da cesta básica impactou diretamente na alimentação dela e dos cinco filhos. Desempregada, ela recebe uma pensão de R$ 700 e precisa cuidar das contas da casa e da alimentação da família.
“Compro mais produtos soltos, de pouco em pouco. Porque se for para comprar tudo de uma vez, o orçamento não dá, as coisas estão muito caras, muito caras”, enfatiza.
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Para Mercedes, o que mais subiu foi o preço do óleo e da proteína animal. Ao invés da carne vermelha, a dona de casa precisou encontrar outras alternativas, como frango, salsinha e ovos. Ela mostra em sua geladeira os produtos que tem para preparar o almoço do dia: poucas cebolas, salame e massa de pastel.
“R$ 700 não dá para fazer nada. Eu sou mãe, com esse dinheiro você faz uma compra, paga uma conta e já não tem mais, acabou o dinheiro”, afirma.
A composição da cesta básica é montada com a proposta de fornecer os nutrientes necessários para um trabalhador adulto. O nutricionista Anderson Holsbach explica que não existe uma única dieta considerada ideal para toda a população, elas variam de acordo com cada pessoa.
Mas, em geral, é recomendado que as pessoas deem prioridade para o consumo de produtos in natura, ou seja, que não passaram por processamento, como a adição de conservantes. Na lista dos ideais estão as verduras, ovos, carne, leite e frutas.
“O aumento do preço da carne é bastante preocupante porque as pessoas acabam substituindo a carne por fontes de proteína mais barata, como salsicha e salame, por exemplo. São alimentos ultraprocessados, os que você não identifica mais nenhuma forma natural. De proteína, a salsicha tem uma pequena quantidade, mas tem uma grande quantidade de sódio, gordura trans e saturada, sem contar com os componentes que não deveriam estar ali, como amido. Então a população deixa de comer carne, para consumir outras fontes de origem animal mais baratas e ultra processadas”, apontou o nutricionista.
Quando se compara o custo da cesta com o salário mínimo líquido, ou seja, após o desconto referente à Previdência Social, verifica-se que o trabalhador campo-grandense comprometeu, em novembro, em média 60,94% do salário mínimo líquido para comprar os alimentos básicos para uma pessoa adulta.
Desequilíbrio
A gari Elcides Pereira, 33 anos, sustenta os quatro filhos sozinha, apenas com um salário mínimo. “Crio meus filhos sozinha, eu e Deus”. Ela sentiu o preço das coisas subirem no mercado e contou que a situação financeira associada a problemas pessoais acarretaram problemas psicológicos, como a depressão.
A situação se agravou quando ela se separou e seu ex-marido levou alguns móveis da casa onde ela mora com os filhos na Comunidade Só por Deus , no Jardim Cangurú. Diante de tudo isso, a saída encontrada foi cortar certos alimentos das refeições. “Estou comprando bastante ovo, vai no almoço e na janta, é um dos mais baratos né, e olhe lá”, explica.
O desequilíbrio na qualidade da alimentação e a carência de nutrientes essenciais para o corpo humano acarreta dois principais problemas, a desnutrição ou a obesidade.
O excesso de peso pode ser interpretado erroneamente como fartura na mesa, mas o nutricionista explica que, neste contexto onde o preço da cesta básica compromete muito o salário mínimo, a doença é causada justamente pela substituição dos alimentos in natura pelos ultra apressados, e não por “comer demais”.
“Os ultra apressados são mais baratos e acessíveis, mas apenas alimentam e não nutrem. São carregados de gordura trans, açúcares, isso pode levar ao cenário de excesso de peso. E a gente percebe que esse tipo de alimento tem entrado cada vez mais na alimentação do brasileiro, independente da faixa de renda. Então quando estamos num momento de crise financeira no país, pode haver maior consumo, que contribui para o cenário de excesso de peso e obesidade. Lembrando que Campo Grande se configura entre uma das capitais mais obesas do país”.
Vulnerabilidade
A má alimentação pode ainda comprometer o sistema imunológico e causar maior vulnerabilidade e exposição ao vírus da Covid-19. É um ciclo vicioso, a pandemia impacta a economia e prejudica a alimentação do brasileiro com a alta na inflação, que por sua vez prejudica a saúde da população e contribui para a incidência do coronavírus.
Isso sem contar outros aspectos sociais, como a necessidade de complementação de renda e impossibilidade de cumprimento do isolamento social, ou ainda inevitabilidade do uso do transporte público para chegar ao local de trabalho.
Mercedes relatou que devido ao aumento, neste ano as celebrações não irão ocorrer. “Não tem condições, antes dava para comemorar, fazer ceia, essas coisas. Agora não, ainda mais com a pandemia, fica mais difícil a situação”, acredita.