O aumento nos preços dos materiais de construção civil também pode emperrar a execução de obras públicas. O Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), calculado e divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), registrou alta de 1,89% em fevereiro deste ano, a maior observada desde junho de 2016 (1,93%).
Como na prática os custos estão extrapolando os orçamentos previstos nos editais de licitação, há o risco das empresas começarem a pedir revisões dos valores ou até mesmo desistirem dos contratos.
Outro problema com as obras públicas, conforme publicado nesta terça-feira no jornal Correio do Estado, é em relação à falta de materiais para algumas construções públicas na cidade, o que pode afetar o andamento.
Segundo o Sindicato Intermunicipal da Indústria da Construção do Estado de Mato Grosso do Sul (Sinduscon-MS), o desabastecimento de materiais de construção pode atrasar o andamento de, pelo menos, 80% dos empreendimentos do Estado, tanto públicos como privados.
Sobre o preço dos materiais, Rudi Fiorese, titular da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos (Sisep), revelou ao Correio do Estado que o órgão já recebeu contatos informais de empreiteiras reclamando da situação, mas, por enquanto, nenhum pedido oficial foi protocolado.
“Isso pode acarretar na inconclusão das obras, porque a prefeitura não tem como atender ao aumento das verbas destinadas à execução dos empreendimentos. Atualmente nós temos cerca de 30 obras em andamento, e logicamente que nem todas seriam impactadas, pois algumas já estão em fase final, mas pode acontecer e em grandes obras”, afirmou.
Fiorese acrescenta que isso faria com que os canteiros fossem paralisados até a questão ser resolvida, seja por negociação com as construtoras, seja por relicitação. Em todos os casos, o poder público e a população saem perdendo.
Embora o titular da Sisep não tenha adiantado quais as obras que correm o risco de sofrer com a alta dos preços dos materiais, é possível ter uma ideia observando o tempo que elas estão sendo executadas e os valores, já que quanto mais antigas, mais defasadas ficam. Uma delas é a revitalização da Avenida Ernesto Geisel, que se arrasta há vários anos na cidade. Em janeiro, segundo a própria secretaria, apenas 60% do empreendimento havia sido concluído. No dia 6 de janeiro deste ano, o município recebeu repasse de R$ 1.931.454,49 da União para dar continuidade à obra, que até o momento está orçada em R$ 52 milhões.
Outro projeto que pode sofrer é o Centro de Belas Artes. Embora sequer tenha começado, a Justiça paralisou o início dos trabalhos da Vale Engenharia e Construções até analisar o pedido de uma antiga empreiteira, que abandonou o projeto e abriu processo dizendo que não recebeu tudo o que tinha direito.
O problema é que, antes das altas nos insumos, a reforma foi orçada em R$ 3.175.125,66. Resta saber se a empresa vai conseguir tocá-la com este montante ou se vai ser preciso pedir uma adequação.
Amarildo Melo, presidente do Sinduscon-MS, disse ao Correio do Estado que o setor está tentando uma saída para reduzir o preço dos materiais de construção desde outubro do ano passado junto ao governo federal.
Várias soluções foram sugeridas, como reduzir os impostos para importação de insumos, o que não deixaria escolha ao mercado nacional senão baratear seus produtos para fazer frente a concorrência.
Por enquanto, a questão segue apenas como tema de conversas e de reuniões, nenhuma decisão prática foi tomada.
“Nós já alertamos, via Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), até mesmo o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para que averígue a formação de cartel no setor. O governo tem que ver isso, tem que tomar alguma medida urgente”, disse Melo.
Segundo ele, poucas indústrias detém o monopólio do mercado de alguns itens, como cimento, aço e PVC.
Em Mato Grosso do Sul e vários estados, a pandemia afetou pouco a construção civil, porque os canteiros ficaram pouco tempo sob a mira das medidas restritivas, o que não justificou, de acordo com o presidente do Sinduscon, a redução drástica nas linhas de produção das fábricas, que teria levado ao aumento nos preços.
“É preciso investigar. Caso realmente esteja havendo cartel, é preciso freá-lo, baixar o preço para trazer material de fora e poder equilibrar o mercado. Aço mesmo só tem três fabricantes, cimento três e PVC só um. Eles fazem o que querem. Se não abrir mercado externo, vão continuar fazendo”, reclama Melo.
O índice da FGV revela que no segundo mês de 2020 a mão de obra ficou praticamente estável e variou apenas 0,12%, mas o custo com os materiais subiu 4,38%. Com isso, no acumulado dos últimos 12 meses, o setor teve acréscimo de 11,07%.
As maiores influências positivas no aumento dos custos com materiais e equipamentos foram vergalhões e arames de aço ao carbono (+21,34%), tubos e conexões de ferro e aço (+11,56%), tubos e conexões de PVC (+7,39%), tijolo/telha cerâmica (+2,57%) e condutores elétricos (+3,78%).
Conforme análise da CBIC, nenhuma estatística projetava um incremento de preços tão expressivo, o que compromete o orçamento das obras.
Em um momento no qual o Brasil busca alternativas para sair da forte crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus, atividades como a construção civil ganham ainda mais relevância, pois exercem um papel estratégico na geração de renda e de emprego.
As projeções de crescimento previstas em 4% podem ser revistas caso nenhuma medida contenha as altas sucessivas nos preços dos materiais.
“Há o risco de termos um cemitério de obras paradas”, conclui o presidente do Sinduscon-MS.