Artigos e Opinião

Continue lendo...

Barbara Tuchman, em “A Marcha da Insensatez”, nos entrega um espelho: não um daqueles espelhos lisos, que embelezam, mas sim um polido com cinzel de historiadora, diante do qual os séculos refletem a teimosia dos poderosos em repetir os mesmos erros. Sua tese é simples e devastadora: os governos, em diversas eras, caminharam voluntariamente rumo ao abismo, mesmo tendo alternativas viáveis e conselhos sensatos ao alcance. O que ela chama de insensatez ecoa no Brasil contemporâneo com um timbre de familiaridade dolorosa – quase uma crônica nossa de cada dia.

A tragédia troiana do cavalo de madeira reencarna-se por aqui em pacotes de bondades eleitoreiras, renúncias fiscais insustentáveis e promessas de salvação messiânica embaladas em redes sociais. A cegueira de Troia diante do ardil grego não é diferente da nossa complacência diante de reformas desmontadas por vaidade ou interesses paroquiais. Quantos projetos estruturantes naufragaram porque contrariavam o humor de uma base parlamentar volátil e faminta?

Tuchman também aborda o surdo-mudo Vaticano pré-Reforma: uma estrutura tão convencida de sua infalibilidade que não soube escutar os ruídos de insatisfação do povo e do clero. No Brasil, Brasília ensurdeceu. O Congresso, ainda que barulhento, tornou-se uma máquina de autodefesa, concentrada em garantir seus próprios privilégios, blindagens e emendas secretas, alheio à angústia do cidadão comum diante do custo de vida, da insegurança e da precariedade dos serviços públicos.

Tal como a Inglaterra do século 18, que perdeu as colônias americanas por sua arrogância e recusa ao diálogo, o Brasil parece disposto a perder sua soberania democrática ao enfraquecer os pilares republicanos em nome de conveniências momentâneas. Vê-se isso no tensionamento entre os Poderes, no desmonte técnico de instituições que deveriam ser independentes e na retórica beligerante que transforma adversários políticos em inimigos a serem eliminados.

E, finalmente, o Vietnã dos EUA – uma guerra que persistiu não por necessidade estratégica, mas por orgulho, medo de parecer fraco e obsessão com a vitória a qualquer custo. Aqui, travamos nossas guerras internas: contra o meio ambiente, contra a ciência, contra os professores, contra o jornalismo livre. Guerras ideológicas travadas em nome de uma vitória simbólica, mesmo que o país sangrando em recessão, fome e desemprego esteja perdendo todas elas.

A pergunta que Tuchman nos impõe é: por que, mesmo sabendo que a decisão é errada, um governo insiste nela? E no Brasil, a resposta parece estar entranhada em nossa cultura política viciada na barganha, na polarização, na ausência de visão de Estado. Estamos diante de um colapso que não é falta de recursos ou inteligência, mas de caráter e coragem moral. Há alertas suficientes, dados abundantes, diagnósticos precisos. Falta vontade de ouvir – e sobretudo, de mudar.

Não há marcha mais cruel do que a da estupidez voluntária, sobretudo quando esta é ovacionada como estratégia. Talvez o mais trágico de tudo seja perceber que a história já nos contou esse enredo, mas insistimos em não lê-lo. Ou, pior ainda, lemos e zombamos dele, como se a dor do passado fosse apenas literatura, não lição.

Tuchman encerra sua obra lembrando que a ambição de poder é uma das mais persistentes formas de cegueira humana. No Brasil, esse poder se embriaga de curto prazo, alimenta-se de populismos de ocasião e conduz uma marcha em espiral descendente, travestida de progresso.

Se há algo a se aprender com “A Marcha da Insensatez”, é que a História, embora seja uma professora severa, cansa-se de ensinar. E quando o povo se recusa a aprender, ela não corrige – ela pune.

Assine o Correio do Estado

Editorial

O caminho seguro da diversificação

Mato Grosso do Sul, historicamente dependente de poucas commodities, começa a dar sinais de maturidade econômica ao explorar novos caminhos

24/05/2025 07h15

Arquivo

Continue Lendo...

Nesta edição, trazemos uma reportagem especial que aponta para uma importante virada no modelo de desenvolvimento do Estado: a diversificação da produção e a ocupação de novas fronteiras – não apenas agrícolas, mas também industriais. Em um cenário nacional e internacional instável, a capacidade de um estado de se adaptar, inovar e ampliar suas atividades produtivas é condição essencial para garantir crescimento sustentável. Mato Grosso do Sul, historicamente dependente de poucas commodities, começa a dar sinais de maturidade econômica ao explorar novos caminhos.

Um exemplo eloquente é o crescimento da cultura do eucalipto, que vem ganhando cada vez mais espaço entre produtores rurais sul-mato-grossenses. Conforme revelamos nesta edição, há quem diga que sua rentabilidade já rivaliza com a da soja, carro-chefe da produção agropecuária do Estado. Esse movimento é mais do que um bom sinal de negócio: é uma demonstração de que o campo também está atento às mudanças do mercado, disposto a inovar e a mitigar riscos.

Toda economia diversificada é, por definição, mais resiliente. Isso quer dizer que, diante de crises pontuais – sejam climáticas, geopolíticas ou de mercado – o impacto tende a ser menor e mais controlável. A diversificação reduz a dependência de ciclos específicos e confere ao Estado maior autonomia e segurança para planejar seu futuro. O eucalipto, por exemplo, abastece a indústria de papel e celulose, que pode alavancar cadeias produtivas inteiras com potencial de agregar valor e gerar empregos.

A boa notícia, portanto, extrapola os limites do agronegócio. Ela representa um ganho estratégico para MS como um todo. Um estado com bases produtivas mais amplas consegue sustentar boas perspectivas de crescimento no médio e longo prazo. Além disso, atrai investimentos, movimenta o mercado interno, fortalece os cofres públicos e, com isso, tem melhores condições de oferecer políticas públicas de qualidade.

No entanto, é preciso avançar também em outros setores. Esperamos que boas notícias como essa se repitam não apenas no campo, mas também nas áreas da indústria de transformação e dos serviços. MS precisa se industrializar mais, integrar melhor suas cadeias produtivas e investir em tecnologia, inovação e qualificação profissional. Há espaço, por exemplo, para crescer na área de produção de biocombustíveis, alimentos processados, vestuário e tecnologia da informação. O turismo, ainda tímido frente ao seu potencial, é outra fronteira promissora.

De nada adianta, contudo, crescimento econômico se ele não se traduzir em bem-estar. O que realmente importa é a população sul-mato-grossense encontrar meios de viver com dignidade: com acesso à educação de qualidade, a serviços públicos de saúde eficientes, à segurança, à cultura e a boas perspectivas de vida. A economia é, antes de tudo, um meio para se alcançar esse fim maior.

Nesse contexto, o papel do poder público é fundamental: garantir infraestrutura adequada, segurança jurídica, desburocratização e estímulos aos setores produtivos. Mas também cabe à sociedade, aos empresários e aos trabalhadores reconhecerem que o caminho da diversificação exige responsabilidade, visão de futuro e compromisso com o desenvolvimento coletivo. 

Assine o Correio do Estado

ARTIGOS

O que está por trás do aumento dos alimentos?

23/05/2025 07h45

Arquivo

Continue Lendo...

Em meio a debates acalorados sobre o aumento dos preços dos alimentos, é comum vermos dedos apontados para o agronegócio de forma acusadora. Mas será que essa narrativa reflete a realidade complexa do setor?
Primeiramente, é preciso entender: o agronegócio não é uma organização sem fins lucrativos. É um setor econômico vital, responsável não apenas por alimentar o Brasil, mas também por contribuir significativamente para a alimentação global. Quando falamos em “sustentar o mundo”, não estamos usando uma hipérbole, estamos descrevendo uma realidade econômica e social, mas o setor tem enfrentado alguns desafios nos últimos anos: as mudanças climáticas.

O fenômeno El Niño, que em 2024 causou secas no Norte e no Nordeste e excesso de chuvas no Sul, teve um impacto direto na produção de alimentos e, consequentemente, no aumento dos preços. De acordo com a consultoria LCA, 2,25 pontos porcentuais da inflação de 8,22% da alimentação em domicílio no Brasil em 2024 foram causados diretamente por esse fenômeno climático e a tendência é que esses efeitos persistam neste ano todo.

Temos também questões econômicas envolvidas. Com a valorização do dólar frente ao real, houve um aumento no custo de insumos importados essenciais para produções agrícolas e um aumento de demanda devido à queda do desemprego e ao crescimento do PIB. Esse cenário só evidencia ainda mais que as causas da inflação dos alimentos são variadas e não podem ser atribuídas exclusivamente ao agronegócio.

É crucial que as pessoas compreendam que por trás de cada alimento há uma cadeia de valor complexa, que envolve trabalho duro, investimento constante e gestão de riscos significativos. Para o consumidor urbano, o leite simplesmente “vem da vaca”. Mas a realidade é muito diferente. O mesmo se aplica ao algodão, outro produto frequentemente subestimado e que não é só um item de farmácia, é a base de uma indústria gigantesca que veste o mundo e produz inúmeros itens essenciais para nosso dia a dia.

O agronegócio não é o vilão da inflação, mas sim um setor que luta contra adversidades climáticas, flutuações econômicas e desafios logísticos para continuar produzindo alimentos para o Brasil e para o mundo. Como setor, precisamos ser mais eficazes em comunicar nossa realidade. É necessário que a sociedade urbana entenda os verdadeiros custos e riscos enfrentados pelos produtores. As oscilações climáticas, as pragas, as flutuações do mercado internacional – todos esses fatores impactam diretamente o produtor rural. O preço final de um produto agrícola reflete não apenas o custo de produção, mas também o risco assumido pelo produtor.

Ao mesmo tempo, reconhecemos a necessidade de continuar investindo em tecnologias sustentáveis e práticas que minimizem o impacto ambiental. O agronegócio brasileiro tem o potencial de liderar globalmente a produção sustentável. É hora de superarmos narrativas simplistas e reconhecermos o valor real deste setor. Como costumo dizer, “mais vale um pingo de caneta do que um quilo de memória”. Que este artigo sirva como esse pingo de caneta, registrando e valorizando a realidade complexa e essencial do agronegócio brasileiro.

Assine o Correio do Estado

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).