As declarações prestadas pelo eminente desembargador Thompson Flores, presidente do Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região, com sede na cidade de Porto Alegre, sustentando ser tecnicamente “irrepreensível” a sentença prolatada pelo juiz Sérgio Moro, que condenou o ex-presidente Lula à pena de nove anos e seis meses de reclusão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, não se coadunam com a sua nobre função de julgar.
A palavra “irrepreensível”, colocada pelo ínclito desembargador, indica, em qualquer dicionário da língua portuguesa, algo perfeito. Essa interpretação resulta equivocada. Ela não guarda nenhuma consonância com a nossa realidade na área jurídica. Juiz não é Deus. Ele é um ser humano como qualquer outro. As suas decisões podem ser passíveis de reforma. A hermenêutica jurídica dá o respaldo necessário para outros julgadores prolatarem outras decisões sobre o mesmo caso. Daí a cautela nas declarações.
O ofício de magistrado resulta inconfundível. Ele é o retrato fiel do sacerdócio. A sua decisão vai ter reflexos profundos na vida do cidadão. Por isso, as suas ações precisam ser discretas no ato sublime de julgar. Quando as suas ações marcham em direção oposta, resultam surpreendentes e provocativas. As ações discretas de qualquer pessoa costumam ganhar a preferência da nossa população.
No campo da Justiça, ela sobressai. Ela evita os transtornos que podem provocar desconfiança, comprometendo a força da própria autoridade judicante. O desembargador pode ter os motivos fundados para exarar a sua opinião. A opinião é dele. É o seu direito de exteriorizar o seu pensamento e este precisa ser respeitado. Mas não é essa a interpretação do povo nas ruas. Ela aponta para a indignação. Qualquer enquete de opinião pública séria respaldará esse entendimento.
As palavras marcam as pessoas. As opiniões e os elogios, aliados às outras tantas considerações sobre o processo e as partes litigantes, precisam ser exteriorizados nos autos do processo. É assim que determina a nossa legislação processual. É dentro do processo que precisam surgir os despachos e as decisões judiciais. Tudo precisa ser fundamentado. Os dispositivos legais regularmente apontados. Fora desse contexto, qualquer tipo de comportamento desqualifica a Justiça. A sua rápida, séria e honesta distribuição foi o compromisso que o Estado assumiu com o seu cidadão.
Os juízes são os seus instrumentos qualificados na aplicação da lei. A sua preparação técnica, aliada à conduta moral ilibada, aponta para essa direção. As outras instituições que os auxiliam na salutar distribuição da Justiça formatam o quadro consagrado pelo Estado Democrático de Direito. Aqui repousa o seu alicerce inexpugnável. As conversas sem nenhum sentido prático só concorrem para aumentar a desesperança na Justiça. Tem sentido esse espírito de revolta. Os noticiários transmitem todos os dias essa incerteza e insegurança quanto às divergências das decisões judiciais.
O caso do médico que molestou algumas centenas de mulheres em seu consultório é a prova mais inequívoca dessas interpretações. Decisões judiciais conflitantes não são bem recebidas pelo cidadão. Outras decisões em que os juízes desafiam entre si a força da sua autoridade só provocam mal-estar na sociedade. É uma realidade muito triste de se constatar. O bom senso indica isso. A insegurança jurídica é o pior de todos os caos.
Quando, então, os juízes emitem suas opiniões a respeito de processos em que podem atuar, o tormento é ainda mais grave. Juiz falante produz decisões temerárias. O sabichão é a fotografia explícita da arrogância e da soberbia. A regra vale para todos os operadores do Direito. Todos são soldados da Justiça. O juiz precisa julgar os processos segundo os ditames da sua consciência. Nada mais. Essa conduta depende de cada um. O bom senso é o grande aliado a esposar esse entendimento. A Justiça, boa e eficaz, precisa muito disso. O jurisdicionado, sobretudo.