Os direitos de grupos vulneráveis são parte fundamental do desenvolvimento de qualquer sociedade. Transformações históricas dispõem de diversos exemplos de como determinados grupos são deixados à margem, com cidadania reduzida ou completamente negada, quando o poder se coloca como uma representação de um grupo unificado e majoritário. Mulheres, estrangeiros, negros e indígenas (entre outros) ainda hoje sofrem com resquícios de meios de estruturação social estabelecidos no passado.
O extenso rol de excluídos e vulneráveis conta ainda com idosos, deficientes, homossexuais e pessoas transgêneras. E, nesse cenário, o Direito assume grande relevância, pois se torna ferramenta fundamental para sua proteção.
A marginalização de alguns grupos sociais ocorre de diversas formas e sempre reflete negativamente na vida de seus membros, seja com a estigmatização do deficiente, com a subestimação das capacidades do idoso, com o incentivo ao ódio contra homossexuais e pessoas transgêneras ou com a ridicularização por motivos de crença religiosa.
Visando afastar essas práticas, surge o Projeto de Lei número 122, que busca equiparar crimes motivados puramente pelo ódio ao crime de racismo. Desde sua proposição, esse projeto é, todavia, polemizado e atacado, com argumentos simplistas e falaciosos, pelo conservadorismo de nossos legisladores. Entre eles, ressalte-se a possibilidade de “ineficácia” da lei, tese inócua quando contraposta às outras tantas normas que habitam apenas os textos legais sem tocar a realidade. Alegar ainda que já existem normas que poderiam proteger esses grupos é negar a positividade do nosso Judiciário, isto é, a não aplicação do que não está explicitado o mais detalhadamente possível, quanto mais na área criminal. E isso sempre deixa brechas ao preconceito.
Acrescente-se que a possibilidade penal apresentada pelo projeto não deveria preocupar, haja vista que o bem que se busca preservar é a vida. A crítica é, pois, ilógica, levando em consideração a banalização do direito penal para tratar de temas de menor relevância. Sem mencionar a crença numa aplicação excessiva que fira liberdades do possível agressor, (des)informação que suprime o fato de que nenhum direito é absoluto.
Ademais, a suposta “restrição da liberdade de expressão” deve ser contraposta à máxima do senso comum de que “o meu direito acaba quando começa o do outro”. Assertiva esta já reconhecida e aplicada pela nossa corte constitucional, inclusive, quanto ao entendimento de que o discurso de ódio não é abarcado pelo direito de livre manifestação do pensamento. Isto sem mencionar que o referido projeto prevê ainda uma ressalva que garante “o respeito devido aos espaços religiosos”, o que invalida boa parte das teorias conservadoras.
Além disso, é importante lembrar que os impedimentos a progressos comoesse já estiveram presentes em nossa história. A Lei Maria da Penha e a consideração do racismo como crime hediondo enfrentaram resistência de setores reacionários antes de serem aprovadas. Hoje, com certo distanciamento histórico, pode-se notar como essas duas medidas representaram um avanço no nosso ordenamento jurídico, pois, apesar de não terem acabado por completo com a violência contra mulher ou com o racismo, fortalecem a aplicação de direitos humanos e contribuem para uma conscientização social em larga escala.
Por outro lado, deve-se considerar a não efetividade da punição restritiva de liberdade (nos moldes em que a temos). Ponto, de fato, crucial para toda a estrutura estatal, mas que não pode servir para fundamentar a inércia do poder público, pois o não posicionamento em face de um problema tão amplo e complexo legitima as violações constantes sofridas pelos grupos marginalizados.
Logo, faz-se mister uma superação dessa ilusão retrógrada de que o Estado serve apenas à maioria, pois cabe a ele proporcionar garantias fundamentais a cada indivíduo, sem privilégios a grupos majoritários. Também é urgente uma atuação estatal que busque sobrepor os direitos individuais aos preconceitos dos legisladores e garantir (ou ao menos tentar) a proteção e o mínimo de cidadania a todos os entes sociais.