Nas últimas décadas, o Brasil rural passou por uma revolução silenciosa, mas de impacto gigantesco: a produtividade no campo atingiu patamares históricos. Tecnologias de ponta, mecanização intensiva, biotecnologia e novas cadeias de produção tornaram obsoletos alguns dos argumentos mais repetidos por movimentos sociais, como o dos sem-terra, na década de 1990. Naquela época, a improdutividade era o principal combustível para as ocupações de fazendas. Propriedades que estavam “paradas” eram alvos legítimos – pelo menos no discurso – para fazer pressão por reforma agrária.
Hoje, o cenário é outro. As propriedades que não produzem são exceções. Com a valorização das commodities agrícolas e o crescimento da demanda mundial por alimentos, praticamente qualquer hectare de terra fértil se tornou economicamente viável. Não só para plantar soja ou criar gado, como no passado. Há uma nova geografia agrícola que inclui culturas como trigo, sorgo, eucalipto e mandioca e atividades como a suinocultura e a avicultura industrial. O campo virou negócio – e um bom negócio.
Essa transformação reduziu drasticamente a margem para que movimentos sociais reivindiquem terras sob o argumento de que estão ociosas ou improdutivas. Mesmo a retenção de grandes áreas para especulação imobiliária, que já foi um problema relevante, praticamente desapareceu. Quem tem terra, explora. E quem explora, gera emprego, paga impostos e movimenta a economia, além de, em muitos casos, estabelecer parcerias com a comunidade local e contribuir com infraestrutura e serviços.
Reportagem desta edição mostra um exemplo claro dessa nova realidade: uma fazenda extremamente produtiva, com papel fundamental na recuperação judicial de uma grande empresa, que, ainda assim, entrou na mira do movimento dos sem-terra. Trata-se de uma propriedade que cumpre sua função social com excelência, mas que, paradoxalmente, está sendo tratada como se fosse uma terra abandonada ou sem utilidade social. Isso revela um descompasso entre a retórica de alguns movimentos e a realidade do campo brasileiro.
Não se trata aqui de negar a importância histórica da reforma agrária ou o direito de grupos sociais de reivindicar melhores condições de vida. Mas é preciso reconhecer que o País mudou e que a política de acesso à terra precisa acompanhar essa mudança. Se o governo federal ainda pretende investir em reforma agrária, esse projeto precisa ser repensado, ganhar nova roupagem. É hora de se falar em uma “reforma agrária 2.0”.
Esse novo modelo não pode se basear apenas na distribuição de terras, mas deve envolver acesso a crédito, assistência técnica, logística, mercado e, acima de tudo, integração com a economia moderna do agronegócio. Não faz sentido redistribuir terras se os beneficiários não tiverem condições reais de transformá-las em unidades produtivas e sustentáveis. O fracasso de muitos assentamentos passados prova isso.
Por fim, é preciso retomar o verdadeiro significado do termo “função social”. Produzir alimentos, empregar pessoas, cuidar do meio ambiente e investir na comunidade também são atos sociais. A palavra “social” não pode ser sequestrada por discursos ideológicos. O campo brasileiro não é mais o mesmo, e os discursos sobre ele também precisam evoluir.