Dia 21 de junho, Dr. Wilson Barbosa Martins, nosso eterno Governador, completa 100 anos. Homem bom, homem justo, homem ético. De quando em vez tenho notícias dele pela sua filha, minha amiga Thaís.
Gostaria muito de ir visitá-lo, mas optei por guardar sua imagem caminhando com seu porte altivo, pleno de saúde, sorriso largo, passando pelo corredor da Governadoria, cumprimentando, gentil, a cada um dos funcionários. Sobre ele, poderia escrever muitas coisas.
Porém decidi revelar um fato porque que dele nunca ninguém tomou conhecimento já que o mantive em segredo por constrangimento. Era um dia muito chuvoso e às 9 h eu tinha que estar no seu Gabinete para assinatura de convênios. Costumo ser muito pontual em meus compromissos e ainda mais nos oficiais.
No entanto, naquela manhã de águas de março fechando o verão algo aconteceu com meu carro e acabei tendo que pegar um táxi, o que já demorou um tanto. Comecei a ficar preocupada. Quem trabalhou no governo do Dr. Wilson sabe da sua costumeira pontualidade, uma característica que revela muito sobre o compromisso, o respeito e a responsabilidade em administrar aquilo que se tem de mais precioso na vida das pessoas: o Tempo.
Evidentemente que muitas vezes ocorrem situações que escapam ao nosso controle. Pois foi bem isso que aconteceu comigo e acabei chegando com atraso.
Esbaforida e me equilibrando nuns saltos altos, carregando uma imensa bolsa grande e uma sombrinha florida, tentava achar o dinheiro para pagar o taxi, o que aconteceu depois de alguns minutos que me pareceram séculos.
Quando finalmente pisei dentro do prédio da Governadoria, no andar de baixo, todos já tinham subido para o Gabinete.
Quem me conhece sabe que nunca fui uma mulher de gestos comedidos. Sou larga, espaçosa, ancha, espontânea, informal. Mas aquela ocasião pedia formalidade, claro. Afinal, era uma reunião com a mais alta autoridade do nosso Poder Executivo, além de estarem presentes outras do Poder Judiciário e Legislativo.
Era preciso subir as escadas com sobriedade, elegância e sem pressa. E foi aí que “meu barco se perdeu”, como canta Jorge Aragão. Sobre o belo piso vitrificado da entrada do prédio, o vento tinha soprado todas as águas possíveis vindas lá de fora. E eu me esborrachei com tudo, voando bolsa para um lado, sombrinha para outro.
O guarda, única testemunha, entre surpreso, espantado, preocupado, não sabia se ria ou se me ajudava. Depois de alguns minutos impávido, optou pela segunda alternativa. E nesse imbróglio de tentar me ajudar, quase foi também ao chão e ficamos os dois tentando nos equilibrar num balé esquisito e sem graça.
Cabisbaixa e muda, cheguei finalmente à sala onde a solenidade já havia começado, tentando não chamar a atenção. Dr. Wilson, a uns metros de mim, deu-me uma olhada serena e paternal, quase adivinhando que deveria ter acontecido algum problema, talvez pelo fato de perceber meu rosto lívido e meu sorriso murcho.
Fiquei lá no meu canto, tentando esconder as costas da minha roupa totalmente molhada. Mal ouvi os discursos, rezando para tudo acabar logo. Quando pressenti o término da cerimônia, fui saindo de mansinho, meio de lado, e sequer cumprimentei nosso Governador.
Faço-o hoje, vinte anos depois: “Bom Dia, Dr. Wilson. Desculpe o atraso. Mas é que eu caí de madura”. Pinhé a lhe bicar os cantos do lombo.
*professora, escritora. E-mail: sylviacesco@hotmail.