O Brasil abriga um dos maiores e mais complexos sistemas jurídicos do mundo, com mais de 1,3 milhão de advogados em atividade e cerca de 100 milhões de processos em tramitação. Essa dimensão movimenta aproximadamente R$ 140 bilhões por ano, considerando escritórios de advocacia e departamentos jurídicos corporativos. Ainda assim, o investimento em tecnologia jurídica são modestos, girando em torno de R$ 800 milhões anuais, menos de 1% do total movimentado pelo setor.
Essa disparidade entre escala e investimento tecnológico evidencia uma oportunidade latente. Trata-se de um mercado robusto, mas que opera com níveis de eficiência abaixo do ideal e que ainda explora pouco o potencial transformador e disruptivo de iniciativas tecnológicas e da inovação.
Enquanto isso, o setor global de legaltech avança consideravelmente. Consultorias internacionais estimam que o mercado mundial já movimenta mais de US$ 30 bilhões por ano, com expectativa de duplicação até 2032. No Brasil, embora a adoção tecnológica ainda enfrente barreiras culturais e institucionais, observa-se um movimento crescente de transformação.
Atualmente, mais de 400 startups jurídicas – denominadas lawtechs e legaltechs – estão em operação no País, atuando em áreas como automação de documentos, jurimetria, gestão contratual com base em inteligência artificial, resolução on-line de conflitos, entre outras frentes que reimaginam e reconfiguram a prática jurídica.
Segundo pesquisa da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), cerca de 72% dos advogados brasileiros ainda não utilizam essas ferramentas com regularidade, embora haja indiscutível tendência de crescimento.
Mais relevante do que o número de empresas é o fortalecimento e a consolidação de um ecossistema de inovação jurídica, que, em função das proporções do mercado brasileiro, consubstancia-se em uma forte vocação de protagonismo diante do cenário internacional.
Missões técnicas promovidas pela AB2L e seus associados têm aproximado empreendedores brasileiros de polos globais como Londres, Lisboa, Nova York e Singapura, promovendo conexões estratégicas entre profissionais do Direito, fundos de investimento, escritórios globais e startups estrangeiras.
Na edição mais recente da Legal Week, realizada em Nova York – a maior conferência mundial do setor –, o Brasil foi apontado como um mercado emergente com alto potencial de inovação jurídica, com um volume crescente de investimento. Entre os fatores destacados estão o dinamismo do mercado e de seus empreendedores e o acesso estruturado a bases públicas de dados judiciais.
A complexidade do ambiente jurídico brasileiro funciona como um verdadeiro “laboratório” de inovação, um campo de testes para o desenvolvimento e a validação de soluções tecnológicas com potencial de aplicação e expansão global, o que tem despertado o interesse de instituições internacionais.
Essa visibilidade também se reflete em eventos acadêmicos e institucionais, como os promovidos pelo MIT, nos quais startups brasileiras – como a Turivius – têm sido convidadas a compartilhar suas experiências sobre como o uso da inteligência artificial pode promover e ampliar o acesso à Justiça em contextos marcados por desigualdade e litigiosidade.
Esses sinais indicam que o Brasil não precisa se limitar a mero consumidor de tecnologia importada. Do contrário, está apto a ocupar posição de destaque e liderança no desenvolvimento de soluções jurídicas inovadoras, voltadas especialmente a mercados com características semelhantes.
Para isso, será necessário superar os desafios estruturais do setor, abraçando a transformação com visão de longo prazo e ampliando os investimentos em inovação, que devem ser realizados de maneira coordenada e colaborativa entre os atores.
O avanço da tecnologia no Direito é inexorável. Nesse cenário, o Brasil reúne condições concretas para atuar como protagonista, sobretudo diante dos desafios e das especificidades dos mercados emergentes. Mas agarrar essa oportunidade exige timing, compromisso, investimento e articulação.


