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Caetano canta música evangélica e o erro estratégico de setores progressistas

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A cena é recorrente nos shows de Caetano Veloso: após sucessos consagrados de seu repertório, o artista entoa a canção “Deus Cuida de Mim”, do pastor Kleber Lucas. A resposta do público, composto em larga medida por admiradores laicos, progressistas e críticos do fundamentalismo religioso, é fria, por vezes, entremeada por vaias.

Muitos entendem essa escolha uma provocação deslocada, uma suposta concessão ao bolsonarismo, dado o histórico apoio evangélico à extrema direita. No entanto, essa leitura é, para dizer o mínimo, apressada e míope. Caetano não cede ao senso comum, mas propõe, pela via da música, uma reflexão profunda sobre escuta, alteridade e a complexidade da experiência religiosa no Brasil.

Reduzir os evangélicos à caricatura do reacionário militante é ignorar a pluralidade real e histórica desse campo e, no atual estado de coisas, incentivar a radicalização de muitos grupos.

Kleber Lucas, pastor batista, negro, progressista e oriundo de comunidade periférica no Rio de Janeiro (RJ), é um exemplo eloquente da riqueza que existe dentro do universo evangélico. Sua trajetória, marcada por pontes entre tradições religiosas, pelo respeito às culturas de matriz africana e pelo compromisso com a justiça social, destoa da retórica de ódio que contaminou setores das igrejas.

Quando Caetano escolhe cantar Kleber, ele o faz com plena consciência: não por ignorância sobre a força do bolsonarismo entre evangélicos, mas justamente para resgatar, em meio ao ruído, vozes que dissonam e que são invisibilizadas. Há, portanto, um erro estratégico e moral no impulso de vaiar Caetano. Rejeitar a canção e a sua proposta é rejeitar o convite a enxergar o outro em sua inteireza, com suas contradições e insurgências internas.

Ao zombar da religiosidade popular, sobretudo quando encarnada em sujeitos negros, pobres e periféricos, setores do campo progressista acabam por reproduzir o elitismo que denunciam e contribuem, inadvertidamente, para o isolamento de milhões de brasileiros.

O abandono simbólico das massas evangélicas, tratadas como um bloco homogêneo e retrógrado, é uma das razões pelas quais a extrema direita tem conseguido monopolizar esse campo. A política, afinal, não se faz só com razão: exige também empatia, imaginação e capacidade de escuta.

Cantar Kleber Lucas em um palco para o público majoritariamente progressista é, da parte de Caetano Veloso, um gesto político potente e perigosamente mal compreendido. Se a esquerda deseja cativar um público maior, precisa deixar de lado o conforto da superioridade moral e compreender, com generosidade e estratégia, a religiosidade do povo.

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editorial

Violência contra a mulher e ações efetivas

Setores nostálgicos da sociedade ainda pregam o retorno a um modelo em que a mulher era silenciada, confinada ao lar e privada de voz pública

13/06/2025 07h00

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O mais recente Mapa da Segurança Pública, divulgado nesta semana pelo Ministério da Justiça, trouxe novamente um dado alarmante: o Estado de Mato Grosso do Sul continua figurando entre os líderes do ranking nacional quando o tema é violência contra a mulher. Trata-se de uma repetição trágica que vem se confirmando ano após ano, sem que haja sinais de uma reversão estrutural. Os números são um reflexo doloroso de uma realidade que exige, com urgência, uma abordagem séria, objetiva e comprometida por parte das autoridades.

O enfrentamento da violência contra a mulher exige mais do que discursos bem-intencionados. Ele exige dados, precisão nas políticas públicas e, sobretudo, vontade política. A primeira e mais óbvia necessidade é garantir que os agressores sejam punidos com rigor. Não por desejo de vingança, mas por um princípio essencial do Direito Penal: a punição eficaz tem função pedagógica e dissuasória. Onde há impunidade, há incentivo ao crime. Onde há resposta firme do Estado, há limites sendo reafirmados.

Mas a efetividade da lei não se mede apenas pela quantidade de anos previstos em uma pena. A lei só é respeitada quando é aplicada de forma real, rápida e visível. Isso requer mais do que papel e tinta — requer fiscalização, presença ostensiva, estrutura e recursos humanos preparados. Tudo isso custa dinheiro. E mais que isso: custa tempo, comprometimento e esforço coordenado entre o Executivo, o Judiciário, os órgãos de segurança e os sistemas de proteção social.

A verdade incômoda é que, sem vontade política clara e corajosa para enfrentar os agressores de mulheres, os números continuarão altos. Não se pode permitir que casos de violência sejam tratados com negligência ou relativismo, como se fossem apenas conflitos domésticos ou “questões privadas”. A omissão do poder público e da sociedade civil, em qualquer nível, é cúmplice da perpetuação da violência.

Além da resposta penal, há um desafio ainda maior: o da transformação cultural. É preciso romper com a cultura da subjugação das mulheres, que ainda encontra espaço em muitos setores da sociedade. Não adianta o Estado fazer campanhas sobre respeito e igualdade se, ao mesmo tempo, líderes religiosos ou comunitários reforçam discursos que colocam a mulher em posição de inferioridade. A sociedade precisa decidir, coletivamente, qual papel deseja dar às mulheres — e essa decisão deve ser baseada em igualdade, dignidade e liberdade.

É verdade que os tempos mudaram, e que hoje há mais autonomia feminina do que em décadas passadas. No entanto, setores nostálgicos da sociedade ainda pregam o retorno a um modelo em que a mulher era silenciada, confinada ao lar e privada de voz pública. Essa nostalgia que não respeita a autonomia da mulher — muitas vezes romantizada como “valores da família” — precisa ser encarada como parte do problema, e não como solução.

Reduzir a violência contra a mulher no Mato Grosso do Sul e no Brasil é possível. Mas isso exigirá ação efetiva, punição exemplar aos agressores, investimento público contínuo e coragem para enfrentar costumes nocivos à diginidade das mulheres ainda presente nas instituições e no cotidiano. Não há caminho mais curto — nem mais necessário.

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Às portas do Judiciário: os abusos das concessionárias e das permissionárias de serviços

10/06/2025 07h30

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Cada vez mais, avolumam-se os problemas em relação à má prestação de serviços, inclusive os que são delegados do poder público a particulares (concessionárias e permissionárias), o que acaba subtraindo do usuário da administração o direito que deveria ter com o usufruto do serviço.

O mais preocupante é que, embora tenham sido criadas entidades (autarquias) para a fiscalização dessas empresas, elas não se prestam para tal finalidade, sendo até de se perguntar por que ainda não foram extintas, uma vez que são fundações criadas por lei, podendo, porquanto, por lei serem destituídas.

Quem paga a conta pelas “dores de cabeça” causadas por problemas com os serviços, literalmente, é o já tão desafortunado cidadão, como se já não bastasse pagar preços tão caros por serviços que não funcionam como deveriam.

Falseando a realidade, a forma como é feita a publicidade dos serviços, chacoalha a mente de qualquer um, porém, o que no fim das contas é entregue deixa a desejar e, portanto, vira alvo de reclamações, somando-se a outras milhões e milhões que se amontoam sem solução.

E assim, enquanto se espera pela solução desses problemas, o máximo que as referidas autarquias (criadas para fiscalizarem essas pessoas jurídicas a quem se delegam os serviços) fazem é criar outros encargos ao contribuinte.

Essas empresas, entretanto, além de seguirem com a má prestação dos serviços, sempre encontram o peçonhento “jeitinho brasileiro”, a fim de driblar suas “crises”, pois quando entram em situação de comprometimento de seu patrimônio, lançam mão da salvaguarda legal, em que verdadeiramente se transformou o instituto da recuperação judicial.

E assim, como são donas do próprio nariz e contando com o aparato de que são dotadas, escapam da falência, sobrando-lhes ainda (de bônus) a possibilidade de seguirem caminhando no mercado (livres, leves e soltas), levando vantagens indevidas em cima do hipossuficiente econômico.

Quem nunca experimentou tais abusos nesse nosso país, ainda que seja só em relação a uma cobrançazinha indevida ou até mesmo a uma suspensão de fornecimento, por alguma prestação de serviço, hein?

Um exemplo dos tantos infortúnios que sofremos nas mãos dessas empresas é verificável quando serviços são cobrados sem contratação, pois são cobranças divergentes, sempre a maior.

E quando se chega àquele ponto em que não se aguenta mais tantos abusos na prestação dos serviços, tentando-se cancelar algum administrativamente, vê-se que ainda será preciso percorrer outra via-crúcis para se conseguir, uma vez que as empresas se valem de toda sorte de estratégias para que a situação não seja resolvida administrativamente.

São exemplos disso as dificuldades para a concretização de portabilidade, quando requerida, as alterações unilateralmente promovidas em contratos, as cobranças por serviços que nem sequer foram solicitados, etc.

Enquanto não houver, portanto, uma regulamentação que verdadeiramente coíba o abuso cometido na prestação dos serviços, resta ao lesado em seus direitos bater às portas do Judiciário, em busca do devido reparo. Para tanto, existem canais que promovem a reparação dos direitos violados, a exemplo da Defensoria Pública, a qual tem se mostrado sempre presente nesse pedregoso caminhar.

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