A demora em apresentar resultados ou dar mais clareza às ações corrobora para aumentar as suspeitas de cumplicidade.
No mínimo, seria estranho constatar que o “réu” confessa o crime, mostra as irregularidades que cometeu e, mesmo assim, aqueles que deveriampuni-lo parecem se esforçar para provar sua inocência. Situação que se assemelha à postura do governo de Reinaldo Azambuja em relação aos termos de acordo para concessão de incentivos fiscais, denominados Tare, da JBS.
O procurador da empresa, Valdir Aparecido Boni, confirmou durante delação à Procuradoria-Geral da República que o grupo teria descumprido ao menos dois dos termos firmados. A atitude mais coerente seria suspender e até mesmo pedir o ressarcimento dos impostos correspondentes, que deixaram de ser pagos sem o devido cumprimento dos investimentos prometidos. Obviamente, há necessidade de apuração. Trabalho que, inclusive, já deveria estar sendo feito.
O secretário estadual de Fazenda, Márcio Monteiro, justifica que a empresa entregou documentos comprovando as obrigações. Portanto, ele aponta duas hipóteses: desconhecimento de quem falou ou fraude da empresa nos relatórios apresentados. Essa incerteza confirma a fragilidade da fiscalização, a qual, em tese, deveria ser feita constantemente pela gestão estadual. Infere-se que havia quase confiança irrestrita nos dados apresentados pela empresa beneficiada, deficiência que pode se repetir em relação ao monitoramento dos acordos firmados com outras empresas.
Há muito tempo, o Correio do Estado fala desse desleixo, comodismo ou até mesmo cumplicidade nos casos que envolvem benesses significativas sob a justificativa de atrair empresas ou garantir vagas de trabalho. Há, sim, necessidade de o poder público contar com políticas tributárias que garantam mais competitividade ao Estado. Porém, estabelecendo limites para que a renúncia fiscal exagerada não comprometa as finanças públicas, não crie disparidades que provoquem concorrência desleal e não sirva de estímulos ao surgimento de monopólios, a exemplo do que ocorreu com a JBS em Mato Grosso do Sul.
O secretário afirma que o trabalho é complexo, mas não detalha se havia monitoramento para verificar se a ampliação e a modernização de oito unidades frigoríficas estavam sendo executadas. Não explica quantas vagas prometidas foram, de fato, geradas. Segue a mesma linha das declarações de Azambuja, que justifica cautela das investigações e alega não poder acreditar em fala da imprensa (?), a qual se baseia na delação documentada e nos áudios liberados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Fala em ressarcimento, mas sem cogitar prazos. Esse termo, que prevê renúncia fiscal de R$ 1 bilhão em 12 anos, foi formalizado na gestão de Azambuja. Sabe-se que hoje a realidade da empresa está complicada, com fechamento da unidade de Coxim, férias coletivas em Ponta Porã e redução considerável no número de abates. Não há como alegar desconhecimento. Surpreende, porém, que o outro termo parcialmente descumprido havia sido formalizado ainda em 2013, na gestão de André Puccinelli, e hoje se mostra necessária a complexa análise para saber se os investimentos foram cumpridos.
A demora em apresentar resultados ou dar mais clareza às ações corrobora para aumentar as suspeitas de cumplicidade. Afinal, a eventual suspensão tardia e pedido de ressarcimento também servirão como demonstração de “falhas” na fiscalização. Algo comprometedor para Azambuja, citado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, que envolveram seu nome e o dos ex-governadores André Puccinelli e Zeca do PT em esquema de propina em troca de incentivos fiscais.