Artigos e Opinião

EDITORIAL

Crime promete lucro, mas entrega ruína

Vale a pena ser "mula"? A resposta está nas celas superlotadas, nas famílias desfeitas e nas carreiras destruídas. O tráfico oferece o brilho do dinheiro fácil, mas entrega a ruína

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O tráfico de drogas, em Mato Grosso do Sul, é um negócio que nunca dorme. E não há exagero algum nessa afirmação. As quadrilhas que atuam na fronteira com o Paraguai e a Bolívia estão sempre um passo à frente, reinventando métodos, rotas e estratégias para fazer a droga cruzar o Estado e chegar aos grandes centros consumidores do Brasil. Se a repressão aperta nas estradas, os criminosos buscam novas brechas. Se um meio de transporte se torna mais visado pela polícia, logo surge outro. É um ciclo de inovação criminosa, tão eficiente quanto perverso.

Nesta edição, mostramos uma dessas faces do tráfico que persiste e se fortalece: o aliciamento de trabalhadores comuns – especialmente caminhoneiros – para atuarem como “mulas” do crime. O esquema é conhecido e repetido. Os traficantes se aproximam de motoristas que fazem longas viagens e oferecem uma tentação difícil de resistir: um pagamento rápido, em dinheiro, que pode chegar a R$ 10 mil por uma única viagem com cocaína escondida entre os produtos transportados.

Mas há uma pergunta que precisa ser feita – e respondida com frieza: vale a pena?

A promessa de lucro fácil se desmancha no primeiro bloqueio policial. As forças de segurança de Mato Grosso do Sul, acostumadas ao vai e vem das drogas nas estradas federais e estaduais, intensificaram o uso de tecnologia, scanners e cães farejadores. A cada semana, há apreensões de toneladas de cocaína e maconha, e quase sempre, ao lado da carga, um trabalhador comum, assustado e algemado, que se diz “enganado” ou “desesperado”.

Esses motoristas, uma vez presos, dificilmente escapam da condenação. O transporte de droga é crime grave, com pena de até 15 anos de prisão. Mesmo que consigam um bom advogado, o custo da defesa e o estigma da prisão pesam para o resto da vida. E não há defesa que apague o registro criminal: o réu primário, depois da condenação, não é mais primário.

Vale lembrar que, na prática, isso significa o fim de muitas possibilidades. Um caminhoneiro condenado por tráfico dificilmente volta a ser contratado por uma transportadora séria. A desconfiança o acompanha como uma sombra. E, se tentar mudar de área, enfrentará o mesmo obstáculo: o passado que não se apaga.

O tráfico sabe disso – e é exatamente por isso que o ciclo se perpetua. A cada “mula” presa, há outra pronta para assumir o risco. O crime se alimenta do desespero econômico, da necessidade de sustentar uma família, da ilusão de que “uma vez só” não fará diferença. Mas faz. E custa caro.

Mato Grosso do Sul, pela sua posição geográfica e pelas extensas fronteiras, sempre estará no radar dos traficantes. Isso não vai mudar. O que pode – e precisa – mudar é a consciência de quem vive e trabalha aqui. O Estado não pode ser apenas uma rota do crime; ele precisa ser visto como um território de oportunidades legítimas.

Mas nada disso substituirá a decisão individual – o “não” que cada trabalhador pode e deve dar à tentação do dinheiro rápido.

No fim das contas, a pergunta continua ecoando: vale a pena? A resposta está nas celas superlotadas, nas famílias desfeitas e nas carreiras destruídas. O tráfico oferece o brilho do dinheiro fácil, mas entrega, invariavelmente, o peso da ruína.

EDITORIAL

O peso do gás na economia de MS

O gás natural já não é um coadjuvante: tornou-se peça estruturante da economia sul-mato-grossense e qualquer mudança no seu preço tem efeitos profundos e duradouros

10/11/2025 07h15

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Nesta edição, mostramos que a distribuidora estadual de gás natural anunciou um novo reajuste nas tarifas do produto em Mato Grosso do Sul e em outros estados.

O aumento ocorre justamente quando o mercado internacional entra na fase de elevação sazonal de preços, impulsionada pela chegada do inverno no Hemisfério Norte, período em que a demanda global por gás natural cresce de forma acelerada.

Esse contexto externo ajuda a explicar parte do movimento, mas não esgota o debate, especialmente porque o comportamento dos combustíveis no Brasil segue trajetória diferente.

Nos últimos meses, após a Petrobras promover ajustes que alinharam o valor do gás ao mercado internacional, os preços internos haviam se estabilizado.

Agora, o novo aumento surge em um momento no qual o petróleo e seus derivados vêm registrando queda, o que reforça a contradição percebida pelo consumidor e exige uma análise mais cuidadosa sobre os fundamentos dessa decisão.

O gás natural, diferentemente de outros combustíveis, ainda depende fortemente da estrutura centralizada de produção e importação da Petrobras. Isso faz com que oscilações cambiais e pressões contratuais impactem o mercado interno de forma direta, mesmo quando o cenário doméstico não justificaria um repasse tão imediato.

Em Mato Grosso do Sul, onde a distribuidora é estatal, essa dinâmica se torna ainda mais sensível, pois qualquer mudança se reflete diretamente nas tarifas pagas por residências, comércios, motoristas e indústrias.

O impacto tende a ser maior porque o gás natural conquistou espaço significativo no Estado. Seu uso residencial cresce à medida que novas redes de distribuição avançam pelos bairros, o gás natural veicular volta a atrair motoristas em busca de economia e o setor industrial utiliza o insumo como alternativa mais limpa e eficiente.

Quando o preço sobe, a inflação se espalha, afetando desde o custo logístico até a competitividade de setores inteiros.

É importante lembrar que o gás natural foi um dos pilares do desenvolvimento de Mato Grosso do Sul nos últimos 20 anos. A chegada do gasoduto Bolívia-Brasil ampliou a oferta energética, atraiu indústrias e garantiu uma fonte relevante de arrecadação, por meio do ICMS.

Hoje essa receita é menor, o que torna o Estado ainda mais sensível às oscilações do setor.

Por isso, mais do que avaliar apenas o reajuste, é essencial discutir o papel estratégico do gás na economia local. O Estado precisa observar de perto os movimentos do mercado e definir políticas que protejam o consumidor sem comprometer a sustentabilidade do setor.

Afinal, o gás natural já não é um coadjuvante: tornou-se peça estruturante da economia sul-mato-grossense e qualquer mudança no seu preço tem efeitos profundos e duradouros.

ARTIGOS

Licença-paternidade: um passo importanteE ainda insuficiente

Por décadas, a licença foi tratada quase como uma formalidade, que pouco reconhece a importância da presença ativa do pai no início da vida do bebê

08/11/2025 07h45

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No dia 4, a Câmara dos Deputados aprovou a ampliação da licença-paternidade no Brasil (que agora segue para sanção presidencial). A mudança prevê uma implementação gradual para reduzir o impacto econômico da medida: a licença passará para 10 dias em 2027, 15 dias em 2028 e 20 dias a partir de 2029.

Além disso, empresas que aderem ao programa Empresa Cidadã deverão oferecer mais 15 dias aos seus funcionários, elevando o total para até 35 dias.

É uma conquista? Sim. É suficiente? Ainda não.

Por décadas, a licença-paternidade foi tratada quase como uma formalidade, um intervalo simbólico, que pouco reconhece a importância da presença ativa do pai no início da vida do bebê.

A ampliação representa um avanço histórico, mas ainda muito pequeno diante do tamanho do desafio de equilibrar responsabilidades familiares e oportunidades profissionais entre homens e mulheres.

Hoje, enquanto o pai poderá se ausentar por até 20 dias (ou 35, em casos específicos), a mulher pode ficar fora do trabalho por até cerca de sete meses, quando a empresa opta pela licença-maternidade estendida.

A mensagem implícita permanece a mesma: cuidado infantil segue como missão prioritária da mãe. E isso impacta diretamente a trajetória profissional feminina.

Quanto mais tempo longe do trabalho, maior o risco de perder espaço, desacelerar na carreira e enfrentar julgamento social e corporativo no retorno.

Ao mesmo tempo, quando o pai não tem tempo suficiente para criar vínculo e assumir responsabilidades reais desde o início, reforçamos o ciclo da sobrecarga feminina e perpetuamos a ideia de que ela é a “cuidadora natural”.

Equidade não nasce de intenções, mas de políticas públicas (e privadas) estruturadas. Ampliar a licença-paternidade é um avanço.

Mas o verdadeiro equilíbrio só virá quando entendermos que criar um filho é um projeto compartilhado e quando oferecermos condições para que ambos os pais, independentemente do gênero, possam participar plenamente desde o primeiro dia de vida.

E aqui entra também a responsabilidade das empresas: não basta cumprir a lei. A equidade exige que políticas de recursos humanos sejam revistas para diminuir o gap, apoiar o retorno da mãe ao trabalho e acelerar sua trajetória após a licença.

Cuidar de quem cuida é mais do que benefício: é estratégia de futuro, produtividade e justiça.

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