Artigos e Opinião

Artigo

Daniel Medeiros:
Os livros de História e seus leitores

Daniel Medeiros é Professor, doutor em Educação Histórica

Redação

25/07/2017 - 01h00
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Certa vez, fui visitar o túmulo do rei D. Pedro I, no mosteiro de Alcobaça, próximo a Lisboa. Atrás de mim, um casal de brasileiros trocava entre si as seguintes impressões sobre o personagem histórico: “É o nosso D. Pedro?” “Sim – disse o outro – o do Descobrimento”. É fato que me diverti com esse diálogo e o contei para professores amigos meus. “Imagina, olha o nível dos caras”, devo ter dito uma ou duas vezes.

Que bobo esse tipo de comentário. O meu. Afinal, que importância isso tem? Por que é necessário conhecer esse tipo de passado? Creio que se há alguma importância em conhecer o passado é para que esse conhecimento nos ajude a superar algo que está aqui, no presente. Por isso, saber detalhes e nomes, lugares e batalhas pode ser tão inútil quanto repetir de memória a escalação da seleção brasileira de 1954. 

A História que merece ser conhecida é justamente aquela que é despertada pelas perguntas que fazemos no presente. O passado deve ser sempre acessado para ajudar a entender o que nos incomoda, o que não compreendemos a respeito do que nos cerca. Por exemplo: por que temos uma educação com qualidade tão ruim? Por que nossa saúde pública é tão precária? Por que não exploramos mais as ferrovias e hidrovias? Por que somos uma Federação tão pouco federativa? Por que matamos tanto no trânsito? Por que somos um país mestiço tão preconceituoso? Por que mantemos o nome de ditadores nas praças e ruas? Por que acreditamos que um monarca que manteve a escravidão durante 48 de seus 49 anos de reinado foi tão bom? Perguntas, perguntas. Esse é o passe-livre para o passado. E isso determina a sua importância.

Logo, se há algo que é preciso ensinar nas aulas de História, para as crianças e para os jovens, é sobre fazer perguntas. A passividade que muitos expressam diante da realidade que nos cerca, como se tudo o que ocorre fosse um dado, algo natural - como diria o poeta -, “eis o cadáver”. É aí, no despertar para o caráter contingente do nosso presente e sua possibilidade de ser diferente, é que está o jogo para ser jogado. E urgentemente. Se não há questionamento, a História não passa de anedota, curiosidade, conversa de salão.

Divertida e fútil. Ou pior, panfletária e unidirecional. E, nesses casos, não adianta  o professor afirmar que são os “jovens que não se importam com mais nada”. Primeiro, porque não é verdade. Os jovens, via de regra, não sabem é como expressar suas decepções diante das coisas, ou o fazem usando os recursos que dispõem (o que facilita a muitos professores querer aparelha-los, doutriná-los). Cabe aos mais velhos, isso sim,  oferecer repertórios para viabilizar a construção de novos diálogos e discursos. E o ponto de partida para isso é, sem dúvida, contextualizar os fatos, desnaturalizá-los, historicizá-los, devolver a eles a “cauda longa” que a falta de interesse e o espírito de detetive impede, muitas vezes, que vejamos e compreendamos.

Os livros de História não deveriam fazer muitas afirmações. Deveriam fazer muitas perguntas. E oferecer muitas pistas. Múltiplas, diversas perspectivas sobre os fatos, indícios sobre esses acontecimentos que não podemos mais reviver, mas que podem nos ajudar a compreender melhor o momento no qual vivemos e como podemos enfrentá-lo, modificando-o, preservando-o. Inês é morta (pobre D. Pedro!), mas há tempo para que a História sirva o presente como companheira na jornada por um país e uma sociedade melhores. Não adianta bons livros sem bons leitores. E bons leitores surgem com bons livros. Temos, portanto, imensa responsabilidade. E muito trabalho pela frente.

ARTIGOS

O poder e as narrativas

04/01/2025 07h45

Arquivo

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Anos atrás escrevi um pequeno livro intitulado “Uma Breve Teoria do Poder”. Hoje está na quarta edição, veiculado pela Editora Resistência Cultural, que se notabilizou pela primorosa apresentação gráfica de suas edições. As edições anteriores foram prefaciadas por dois saudosos amigos: Ney Prado, confrade e ex-presidente da Academia Internacional de Direito e Economia, e Antonio Paim, confrade da Academia Brasileira de Filosofia. A atual tem como prefaciador o ex-presidente da República e confrade da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Michel Temer.

Chamo-a de “Breve Teoria” por dedicar-me mais à figura do detentor do poder, muito embora mencione as diversas correntes filosóficas que analisaram a ânsia de governar, através da história.

Chamar um estudo de breve é comum. Já é mais complicado chamar uma teoria de breve. As teorias ou são teorias ou não são. Nenhuma teoria é breve ou longa, mas apenas teoria. Ocorre que, como me dediquei fundamentalmente à figura do detentor do poder, e não a todos os aspectos do poder, decidi, contra a lógica, chamá-la de “Breve Teoria”.

Desenvolvi no opúsculo a “Teoria da Sobrevivência”. Quem almeja o poder, luta, por todos os meios, para consegui-lo e, como a história demonstra, quase sempre sem ética e sem escrúpulos. Não sem razão, Lord Acton dizia, no século 19, que “o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”.

Ocorre que, no momento que o poder é alcançado, quem o detém luta para mantê-lo por meio da construção de narrativas, cada vez tornando-se menos ético e mais engenhoso, até ser afastado. As narrativas são sempre de mais fácil construção nas ditaduras, mas são comuns nas democracias e tendem a crescer quando elas começam a morrer.

A característica maior da narrativa é transformar uma mentira em uma verdade e torná-la para o povo um fato inconteste, ora valorizando fatos irrelevantes, ora, com criatividade, forjando fatos como, aliás, Hitler conseguiu com a juventude alemã com a célebre frase: “O amanhã pertence a nós”.

Nas democracias, a luta pelo poder é mais controlada, pois as oposições desfazem narrativas e os Poderes Judiciários neutros permitem que correções de rumo ocorram. Mesmo assim, as campanhas para conquistar o poder são destinadas não a debater ideias, mas literalmente destruir os adversários. Quando Levitsky e Ziblatti escreveram “Como as Democracias Morrem”, embora com um viés nitidamente a favor do partido democrata, desventraram que as mais estáveis democracias do mundo também correm risco.

O certo é que, através da história, os que lutam pelo poder e os que querem mantê-lo, à luz da teoria da sobrevivência, necessitam de narrativas, e não da verdade dos fatos, manipulando-as à sua maneira e semelhança, com interpretações “pro domo sua” das leis, reescrevendo-as e impondo-as, quanto mais força tem sobre os órgãos públicos, mesmo nas democracias, e reduzindo a única arma válida em uma democracia, que é a palavra, a sua expressão menor, quando não a suprimindo.

É que, infelizmente, há uma escassez monumental de estadistas no mundo e um espantoso excesso de políticos cujo único objetivo é ter o poder e, quando atingem seu objetivo, terminam servindo-se mais do que servindo ao povo, pois servir ao povo é apenas um efeito colateral, e não obrigatoriamente necessário.

Os ciclos históricos demonstram, todavia, que, quando, pela teoria da sobrevivência, os limites do razoável são superados, as reações fazem-se notar, não havendo “sobrevivência permanente no poder”. As verdades, no tempo, aparecem, e, perante a história, as narrativas desaparecem e surge “a realidade nua dos fatos”.

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ARTIGOS

Caminhos da vida

04/01/2025 07h15

Arquivo

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Novo ano. Novos caminhos. Novos sonhos. Novas esperanças. Com certeza serão muitas as pessoas olhando pela porta desse novo ano com uma maneira nova de olhar. Estarão mais cautelosas ao planejar e ao decidir em seus negócios e em seus projetos.

Esperemos que as lições do ano que findou sirvam de ponto de referência para os novos projetos, até mesmo para os caminhos dos sentimentos do coração e das forças da fé. Pois tudo o que acontecer será para o crescimento dos relacionamentos e das partilhas dos bens e da comunhão de vidas.

Esses sentimentos e essas atitudes serão sempre motivos no crescimento pessoal e comunitário das obras e das opções pela vida e pela fé. A palavra deus será a luz para quem se encontra na busca e será alimento seguro para quem se puser a caminho da felicidade. Mostra que, enquanto houver sonhos, haverá esperança. 

Assim acontecerá ao chegar até nós a palavra do escritor sagrado. Assim será a maneira de Deus se revelar ao mundo. Os seres humanos têm sua maneira. Deus também tem seus momentos e suas maneiras. Não haverá comparação. Haverá isso sempre, maneiras próprias e muito pessoais quando fala aos seres humanos.

Assim ele se revela em uma de suas cartas (Ef. 4, 30-45): “Não entristeçam o Espírito Santo de Deus. Toda a amargura, toda a irritação sejam desterradas do meio de vocês. Afeiçoem-se do bem e do amor. Sempre que houver razões de queixa de uns pelos outros, perdoem-se, assim como Deus sempre perdoa. Vivam na concórdia e na harmonia”.

E o autor sagrado continua dizendo: “Evitem o mal. Amem o bem. Principalmente eliminem entre vocês toda a discórdia e todas as ofensas. Edifiquem a misericórdia e o perdão. Progridam na caridade a exemplo de Jesus Cristo que em tudo nos amou e sempre se entregou como oferta sagrada e perfeita”.

O exemplo permanece e permanecerá sempre vivo e edificante. Nada guardou para si. Tudo sacrificou por amor e pelo resgate de tantos prisioneiros da maldade desse mundo. Em tudo deixou sua marca de doador do bem e da graça. E tudo na gratuidade.

As portas do novo ano estão se abrindo em nossa frente. A esperança de dias melhores, não apenas diferentes, deverá alimentar a esperança, o bem, marcar o pensar e o agir de cada ser humano. E que em tudo possa se orgulhar de ter o rumo correto em seu viver e em seu agir iluminado pela fé em Deus.

Entramos no caminho do otimismo. Nele, não haverá espaço para os pessimistas. Não haverá também para os medrosos, os inseguros e para os descrentes. Não haverá lugar ainda aos vingativos e para quem guarda mágoas ou invejas. Para esses, permanecerá um vazio do tamanho de sua fragilidade em acreditar.

É preciso acreditar no Deus misericórdia, no Deus bondade e no Deus generosidade. É preciso acreditar no Deus que acredita em todos. Mesmo os que não creem nele. Ele os ama e neles confia pelo simples motivo de ter um coração bom e uma alma generosa.

Ano novo. Alma renovada. Espírito novo. Sentimentos renovados. Em tudo manter a pureza no ser, o correto no agir. E Deus nos abençoe.

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