Nova medida do governo permite compensação de dívidas tributárias com prestação de serviços médicos especializados, harmonizando arrecadação estatal e tutela da saúde pública.
A Medida Provisória nº 1.301, de 30 de maio de 2025, instituiu o programa Agora Tem Especialistas, iniciativa que busca ampliar o acesso a consultas e procedimentos de média e alta complexidade no Sistema Único de Saúde (SUS).
O programa nasce como resposta à crescente demanda reprimida em áreas especializadas e abre espaço para que o setor privado participe mais ativamente do esforço de reduzir filas e ampliar a cobertura assistencial.
O Executivo federal, por meio da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 11/2025 e da Portaria GM/MS nº 7.307/2025, instituiu mecanismo pelo qual débitos relativos a créditos tributários e valores de ressarcimento ao SUS poderão ser extintos – total ou parcialmente – mediante a prestação de serviços especializados por unidades privadas e por operadoras de planos de saúde, criando, da ideia original, o Programa Agora Tem Especialistas – Fazenda.
A inovação normativa converte obrigação pecuniária em contrapartida material de saúde, inserindo-se na moderna tendência de flexibilização dos instrumentos de cobrança e de gestão do crédito público.
A configuração operativa distingue-se em dois componentes: (1) o crédito financeiro, no qual estabelecimentos de saúde privados (com ou sem finalidade lucrativa) podem compensar débitos com a União mediante oferta de atendimentos ao SUS; e (2) o ressarcimento ao SUS, em que operadoras de planos de saúde convertem valores que deveriam ser restituídos ao sistema em prestações de serviços especializados aos usuários.
A solução pretende transformar passivos litigiosos ou de difícil recuperação em bens públicos imediatamente efetivos.
Do ponto de vista dogmático, a possibilidade encontra amparo na disciplina da transação tributária prevista no Código Tributário Nacional (CTN) e em lei posterior.
O art. 171 do CTN autoriza a lei a facultar a celebração de transação entre sujeito ativo e sujeito passivo, mediante concessões mútuas, para a extinção de crédito tributário; e a Lei nº 13.988/2020 regulamentou, no plano federal, modalidades e limites da transação tributária, sinalizando a opção da Administração por meios negociados de satisfação do crédito público.
A interpretação sistemática dessas normas legitima a adoção de formas não tradicionais de extinção do crédito, desde que observados os contornos legais e procedimentais.
O interesse da União na adoção dessa técnica é múltiplo e racional. Em primeiro plano, a administração pública busca reduzir a dívida ativa de difícil recuperação e o contencioso judicial, mitigando custos processuais e administrativos que consomem recursos públicos sem conferir resultado efetivo.
Em segundo plano, a conversão de crédito em serviço pode gerar retorno social imediato, ao reforçar a oferta de procedimentos especializados no SUS, sem custos adicionais de caixa para a União.
Por fim, a transação fomenta previsibilidade e segurança jurídica para o contribuinte, criando alternativa legítima à execução fiscal. Esses objetivos são coerentes com as finalidades da Lei nº 13.988/2020 e com as práticas que a PGFN tem adotado na gestão da dívida pública.
As decisões recentes dos tribunais superiores ilustram o contexto jurídico em que se insere a inovação normativa.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, ao julgar o Recurso Especial nº 2.032.814, afastou a cobrança de honorários sucumbenciais quando o contribuinte renuncia à ação para aderir à transação, estimulando a composição e conferindo efetividade ao instituto.
Já o Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema 1.220 (RE 1.326.559), examinou a relação entre créditos tributários e honorários advocatícios, reforçando a necessidade de equilíbrio entre arrecadação estatal e tutela de direitos de terceiros.
Naturalmente, toda inovação traz desafios. A definição de parâmetros objetivos de equivalência entre o valor da dívida e o serviço prestado, bem como a fiscalização da efetiva entrega e qualidade dos atendimentos, serão aspectos determinantes para o êxito da política.
Mais do que riscos, esses pontos representam cuidados necessários, compatíveis com a responsabilidade do Estado em zelar pelo equilíbrio entre justiça fiscal e interesse público.
Em síntese, a conversão de tributo em atendimento – quando fundada no marco legal da transação e acompanhada de mecanismos de governança – pode representar um avanço relevante: reduz litígios ao permitir a regularização dos débitos pela via administrativa, recupera a utilidade social de créditos estatais e amplia a capacidade do SUS.
Trata-se de iniciativa que merece acompanhamento atento pois pode inaugurar uma forma mais inteligente de aproximar arrecadação fiscal e efetivação de direitos fundamentais.


