Artigos e Opinião

OPINIÃO

Estela Márcia Rondina Scandola: "Tráfico de pessoas: rápida e profunda prosa"

Especialista em Tráfico de Pessoas

Redação

28/07/2017 - 01h00
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O tráfico de pessoas, causa de consequência da violação de direitos humanos, foi recolocado na pauta política dos governos a partir do Protocolo de Palermo, aprovado na ONU, em 2000. Somente em 2016 o Brasil adequou sua legislação nacional e aprovou a Lei 13344, a qual apelidamos de Lei Anti-Tráfico de Pessoas.

O enfrentamento à traficância vem sendo discutida, pós legislação da proibição da escravidão negra, desde o final do século XIX. No entanto, os discursos e as tratativas legais vieram sempre focados no tráfico de mulheres e crianças e com a finalidade de exploração no mercado sexual. É importante salientar que foi o tráfico de brancas – da Europa para as Américas – que desencadeou as movimentações mundiais, cujas forças propulsoras estavam no velho continente. 

Algumas consequências ruins vieram desse histórico:

a) Pouca ou nenhuma articulação entre as lutas do enfrentamento ao tráfico de pessoas e da erradicação do trabalho escravo;

b) Focalização do enfrentamento ao tráfico de mulheres para o mercado sexual em detrimento de todas as demais finalidades;

c) Abstração do enfrentamento ao tráfico de pessoas em relação à mundialização do capital e à divisão intra e internacional do trabalho;

d) Forte tendência em considerar o tráfico internacional em detrimento da maioria da traficância no âmbito interno dos países ou mesmo entre países próximos;

e) Grupos moralistas com presença no enfrentamento ao tráfico de pessoas pautando a prostituição como causa do tráfico e, portanto, ou intencionando sua eliminação ou mesmo vitimizando as trabalhadoras sexuais;

f) Grupos xenófobos e conservadores discursando e atuando no enfrentamento ao tráfico de pessoas a partir da contensão da migração;

g) Atuação jurídico-policial com foco na criminalização das redes de traficantes sem considerar as cadeias produtivas beneficiadas...

Enfim, várias foram as consequências nefastas do enfrentamento ao tráfico de pessoas quando este não ocorreu sobre a ótica da proteção aos direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais. A discussão profunda que precisa ser feita é que a traficância é o ato de a todos considerar mercadoria, expropriando a condição humana e, portanto, vilipendiando a dignidade do ser social. 

São os pertencimentos de classe, etnorracial, gênero, orientação sexual, geração, deficiência, origem territorial e status migratório que compõem um conjunto de discriminações – e, portanto, acesso sempre a menos direitos -, que se mesclam e aprofundam as desigualdades – mola propulsora da traficância. 

Nesse sentido, o enfrentamento a essa barbárie precisa considerar os fundamentos das desigualdades denunciando o capitalismo e suas cadeias produtivas que, inclusive, escolhe os países e os lugares para a ocorrência do tráfico de pessoas. O poder econômico pode ser chacoalhado por movimentos fortes que também mundializem sonhos e possibilidades. Se globalizaram o tráfico então o seu enfrentamento também o é assim.

São os movimentos que acendem a esperança de milhares de pessoas que se juntam no anúncio de que uma outra sociedade é possível, necessária e já está a caminho. A traficância é um tema que pode unir muitos movimentos que ainda continuam em trincheiras próprias sem olhar para os lados. 

Juntar gentes, esperanças, utopias e pés com corações em vibração, além de vozes que gritam denúncias juntos, pode ser um movimento de cantar o anúncio de novas possibilidades de viver descolonizados e com justiça. Um mundo de seres humanos singulares com humanidades criativas e rebeldes, solidários no cuidado e promotores de alegrias.

ARTIGOS

Poderá existir anistia aos atentados de 8 de janeiro?

29/11/2024 07h45

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O almirante ateniense Trasíbulo (440 a.C.) derrotou os 30 tiranos trazendo um exército inicial de 60 homens de Tebas e, depois da vitória, fez os atenienses que estavam divididos se reconciliarem.

A ele é atribuído o nascimento ou significado da palavra anistia (amnesia), dada aos atenienses ao editar lei concedendo o perdão àqueles que cometeram delitos, em nome do fortalecimento da paz.

A concessão de perdão ao longo da história sempre nos revela a existência de tensões sociais sobre as quais o perdão incidirá, resolvendo-as ou evitando-as.

No Brasil, são causas extintivas da punibilidade segundo a ordem penal: a) a morte do agente; b) a anistia, a graça e o indulto; c) a abolição do crime; d) a prescrição, a decadência ou a preempção; e) a renúncia ou o perdão, entre outros.

Fala-se que haveria uma disposição do Congresso Nacional de anistiar diversos fatos punidos recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), alguns deles, supõe-se, teriam, na visão do mesmo STF, atentado contra a ordem constitucional ou o Estado Democrático.

Caso de fato o Congresso decida praticar a anistia nesse último caso, certamente haverá reação de alguns partidos políticos que baterão às portas do STF indicando a proibição de anistia para aqueles que atentaram contra o regime democrático.

Novo contencioso se criará, porquanto há os que veem nos atentados de 8 de janeiro um movimento ordenado, um tipo de vandalismo, visando sobretudo a destruição do patrimônio público nacional, mas não propriamente um golpe de estado ou contra as instituições. Já há outros que enxergam no ocorrido um verdadeiro golpe em sentido mais amplo da palavra.

Quem está com a razão? E mais: qual a solução que melhor atende ao interesse social? A anistia ou a punição dos infratores à ordem jurídica?

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ARTIGOS

Reforma do Imposto de Renda e o pacote fiscal: impactos para o contribuinte e as contas públicas

29/11/2024 07h30

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A proposta de reforma do Imposto de Renda (IR), peça central do pacote fiscal do governo, chega em um cenário de incertezas econômicas. No dia do anúncio, o dólar atingiu R$ 5,91, o maior valor nominal da história, evidenciando as preocupações do mercado com o equilíbrio fiscal. A reforma busca isentar quem ganha até R$ 5.000 por mês e introduzir alíquotas progressivas para rendas acima de R$ 50.000, marcando uma tentativa de ajustar a tributação à realidade socioeconômica e reforçar a credibilidade do governo junto ao mercado.

Impactos e benefícios: a ampliação da faixa de isenção beneficia diretamente cerca de 26 milhões de brasileiros, reduzindo a carga tributária para outros milhões. Atualmente, quem ganha até R$ 2.824 está isento, e a proposta dobra essa faixa. Para rendas entre R$ 5.000 e R$ 7.500, um abatimento parcial foi proposto para minimizar o impacto.

Apesar do alívio, a renúncia fiscal projetada é significativa, variando entre R$ 35 bilhões e R$ 45 bilhões anuais, conforme estimativas da Receita Federal e de entidades como a Unafisco. O desafio está em garantir que os mecanismos compensatórios sejam suficientes para evitar desequilíbrios no orçamento público.

Compensação tributária: o governo propõe uma taxação progressiva para quem ganha acima de R$ 50.000 mensais, com alíquotas que variam entre 5% e 10%. As rendas isentas, como dividendos, serão incluídas no cálculo, aumentando a base de contribuição. Embora apenas 100 mil pessoas sejam impactadas por essas alíquotas mais altas, essa estratégia visa compensar a perda de arrecadação gerada pela isenção. Contudo, há riscos: a concentração da compensação em um grupo pequeno pode limitar os ganhos fiscais, enquanto a complexidade do sistema aumenta a necessidade de fiscalização eficiente.

Conexão com o pacote fiscal: a reforma do IR é uma das ações do pacote fiscal que pretende reduzir R$ 70 bilhões em despesas até 2026. Medidas como contenção de salários no funcionalismo e ajustes previdenciários complementam a estratégia para sinalizar compromisso com a sustentabilidade fiscal. Entretanto, o contraste entre uma isenção tributária de grande impacto e o discurso de austeridade pode gerar tensões. A eficácia dessas mudanças depende do crescimento econômico e da eficiência na execução administrativa.

Desafios operacionais: a transição para o novo sistema requer atenção para evitar distorções. Rendas ligeiramente acima de R$ 5.000 podem enfrentar aumentos abruptos de carga tributária caso o abatimento não seja suficiente, desestimulando avanços econômicos em faixas limítrofes. Além disso, incluir rendas atualmente isentas, como dividendos, demanda estratégias claras para evitar evasão fiscal e resistências de setores econômicos.

Considerações finais: a reforma do IR, inserida em um pacote fiscal estratégico, combina esforços para corrigir distorções tributárias e assegurar a sustentabilidade das contas públicas. No entanto, sua implementação carrega incertezas e desafios significativos. A renúncia de R$ 35 bilhões a R$ 45 bilhões anuais e a dependência de um pequeno grupo de contribuintes para compensar essa perda tornam a proposta especialmente sensível à eficácia da administração tributária e à capacidade de fiscalização.

Além disso, ajustes precisos serão necessários para evitar impactos desproporcionais em faixas de renda próximas à nova isenção, o que exige o aperfeiçoamento dos mecanismos de abatimento. A inclusão de rendas anteriormente isentas no cálculo das alíquotas progressivas para os mais ricos, embora bem fundamentada, pode ampliar a complexidade do sistema e gerar resistências, destacando a necessidade de clareza nas regulamentações e de um acompanhamento contínuo.

A conexão com o pacote fiscal mais amplo também ressalta a importância de articular essas mudanças com outras medidas de contenção de gastos e estímulo econômico. O sucesso da reforma dependerá da harmonia entre a arrecadação prevista, os cortes propostos e o desempenho da economia. Falhas de execução ou desvios no planejamento podem comprometer tanto o impacto fiscal quanto os objetivos de justiça tributária.

Portanto, a reforma deve ser tratada como parte de um processo contínuo, que exigirá monitoramento constante e ajustes com base nos resultados. O próximo cenário econômico será crucial para determinar se as medidas anunciadas conseguirão alinhar sustentabilidade fiscal, redistribuição de renda e competitividade econômica de forma eficiente.

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