Artigos e Opinião

OPINIÃO

Gaudêncio Torquato: "Um choque na administração"

Professor da USP

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O brasileiro, a cada dia, demonstra insatisfação com os precários serviços públicos. Segurança? Um desastre. Nunca se viu tanta morte por bala perdida. O Rio que o diga. Educação? Uma piada. Weintraub, aliás, gosta de chiste. Mobilidade urbana? Um atraso. As massas comprimidas nos transportes públicos exibem a estética das carências. Saúde? Um caos. Os corredores de hospitais superlotados de macas testemunham.

Que área mostra boa qualidade? Aponte-se nem uma sequer. Difícil. O País precisa de um gigantesco choque de gestão. Governadores, prefeitos, a hora é essa: ponham sua administração no estaleiro. Ou na UTI. Convoquem seus secretários. Cobrem mudanças urgentes. Deem carta-branca para que possam organizar novos métodos. Mas exijam resultados imediatos. Sob pena de demissão. 2020 vem aí. E o eleitor está de olho nos governos e nas prefeituras, podendo dar o passaporte de ida sem volta aos alcaides. E eleger novos.

Sigam todos o exemplo de Zaratustra, o protagonista que Nietzsche criou para dar unidade moral ao cosmo. O profeta vivia angustiado à procura de novos caminhos, novas falas, novos desafios. Em seus solilóquios, recitava: “Não quer mais, o meu espírito, caminhar com solas gastas”. Decifrador de enigmas, arrumou a receita para as grandes aflições: “Juntar e compor em uni­dade o que é fragmento, redimir os passados e transformar o que foi naquilo que poderá vir a ser”.

Assim, escrevia uma “nova tábua”. A imagem do controvertido filósofo alemão, na fábula em que apresenta o famoso conceito de eterno retorno, cai como uma luva no ciclo da atual administração pública no Brasil, assolada por uma avalanche de maus serviços, críticas e denúncias.

Urge compor novos arranjos para a orquestra institucional, construir pontes para o amanhã, reencontrar-se com as massas e resgatar a esperança perdida. Essas são as cores da bandeira a ser desfraldada neste instante em que a sociedade dá as costas para a velha política.

A tarefa, convenhamos, requer arrojo para enfrentar dissabores, a partir das pressões de políticos, chefões e chefetes. Muitos não vão querer eliminar gorduras. Preferem colar os cacos do vaso quebrado e mostrar a prateleira cheia de coisas remendadas. Benesses e apadrinhamento continuarão a proliferar. Afinal, o velho Brasil tem dificuldades de enxergar novos horizontes.

Façam uma varredura para descobrir os pontos de estrangulamento interno. O que pode ser desobstruído? O que pode ser melhorado? Mudar onde e como? Se vossas excelências fecharem os olhos, a descrença social só aumentará.

O fato é que os poderes da República geram um apreciável PIB comandado por compadrio político e que resvala pelo ralo do custo Brasil. Numerosos contingentes se aboletam no cobertor pú­blico. As políticas, inclusive as sa­lariais, são disformes. O custo da ineficiência invade as malhas dos Executivos municipais e estaduais, das Câmaras Municipais e das Assembleias Legislativas.

A gestão de resultados é um resquício quase imperceptível nas plani­lhas. Por isso mesmo, o Estado é visto pela população como um ente paquidérmico e caro. Junte-se à pasmaceira o colchão social do distributivismo para se flagrar a cara de um país que não consegue pegar o trem da história. A imagem da administração pública mais parece uma árvore que não gera frutos. E, quando gera, os frutos não têm sabor.

As estruturas carecem de uma virada de mesa. O cardápio está pronto: viagens de servidores, pro­moção e participação de empresas estatais em eventos, gastos com campanhas publicitárias, cartões corporativos, superlotação de es­paços, nepotismo, enfim, todo centavo gasto nas grandes avenidas e nas pequenas veredas do Estado deve ser objeto de varre­dura.

E atenção para a palavra de ordem do momento: transparência total.

Parafraseando Luiz Inácio, “nunca antes na história desse País” se ouviu tanta imprecação contra políticos e governantes. Se é falácia dizer que a Amazônia é o pulmão do mundo, como denunciou Jair Bolsonaro na ONU, é também falácia dizer que as instituições estão sólidas. Ora, as tensões entre os poderes subiram ao pico da montanha.

Senhores governantes, tenham ousadia e coragem. A gestão pública carece de cirurgia profun­da. Sob pena de a esfera privada (oikos, em grego) continuar a invadir a esfera pública (koinon). E assim deixar que a fome particular conti­nue a devorar o cardápio que pertence ao povo.

ARTIGOS

O papel da IA no bem-estar moderno

21/03/2025 07h45

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Os últimos anos foram marcados por transformações em várias esferas da sociedade, e um dos conceitos que mais mudou e ganhou novos significados foi o de bem-estar. Se antes ele era relacionado principalmente com a saúde mental e física, hoje em dia já abrange diversos outros fatores, como qualidade de vida, equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, segurança e experiências personalizadas.

Esse cenário levou ao crescimento da economia do bem-estar, que, segundo dados do Global Wellness Institute (GWI), alcançou US$ 6,3 trilhões em 2023, montante 25% maior do que o valor avaliado em 2019 (US$ 4,9 trilhões). Para 2028, a expectativa é que o setor chegue a US$ 8,9 trilhões, o que reforça como essa pauta já é uma forte tendência.

Porém, vale destacar que os avanços nesse mercado foram possíveis, entre outros fatores, por conta da evolução da tecnologia, que ampliou o acesso a soluções inovadoras, otimizou processos e possibilitou a personalização do bem-estar de acordo com as necessidades individuais. Nesse contexto, a inteligência artificial (IA) tem desempenhado um papel fundamental, contribuindo ainda mais para que o bem-estar seja mais acessível e flexível.

Temos diversos exemplos que comprovam como as soluções inovadoras trazidas pela popularização da IA impactam diretamente o autocuidado e a forma como interagimos com o mundo: no setor da saúde, startups brasileiras como a Pipo Saúde utilizam a tecnologia para oferecer suporte a diagnósticos e otimizar o atendimento médico, permitindo que milhões de pessoas tenham acesso a serviços de saúde de forma mais eficiente. O bem-estar emocional também foi impulsionado com soluções como a da Vittude, uma plataforma que conecta pacientes a psicólogos por meio de IA, democratizando o acesso a cuidados mentais.

No que diz respeito ao bem-estar corporativo, ferramentas desenvolvidas por empresas como a Gupy ajudam organizações a monitorar o nível de satisfação dos funcionários e sugerem ações para melhorar o ambiente de trabalho, reduzindo o estresse e, consequentemente, aumentando a produtividade.

Outro exemplo do impacto positivo da IA no bem-estar moderno está na personalização do entretenimento, com plataformas como Spotify e Netflix, que usam IA para sugerir conteúdos que correspondem aos interesses do usuário, e do aprendizado, com ferramentas como o Duolingo, que usam IA para personalizar o ensino, tornando essa jornada mais eficaz e menos desgastante para os estudantes.

Acredito que essa tendência de sofisticação das tecnologias baseadas em IA vai tornar a busca pelo bem-estar completo ainda mais fácil. Desde aplicativos que monitoram padrões de sono e alimentação a assistentes virtuais que ajudam a gerenciar tarefas cotidianas, é fato que a tecnologia seguirá transformando a forma como cuidamos do nosso corpo, mente e relações.

Porém, não podemos esquecer que o segredo para o uso eficaz da IA nesse contexto inclui necessariamente o desenvolvimento ético dessas tecnologias, para que sejam seguras, inclusivas e realmente focadas no bem-estar humano.

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ARTIGOS

Financiamento rural e a reforma tributária

21/03/2025 07h15

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Os Fiagros são os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais. Criados em 2021, são ativos de investimento do agronegócio, seja de natureza imobiliária rural, seja de atividades relacionadas ao setor. O Fiagro acabou se tornando uma fonte alternativa de financiamento para o produtor rural, de modo a não depender exclusivamente dos bancos e do Plano Safra.

Entretanto, em janeiro deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Complementar nº 214/2025, que regulamenta a reforma tributária, mas vetou trechos que previam a isenção de tributos para os Fiagros e para os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs). Esses trechos isentariam tais fundos da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

A justificativa do governo para o veto foi a ausência de autorização constitucional para que esses fundos não fossem considerados contribuintes do IBS e da CBS. Isso pode impactar diretamente o crédito para os produtores rurais. É uma insensatez e ilógico o que o presidente fez.

Os Fiagros são fundos em que as pessoas podem investir e que funcionam como fontes de financiamento para o agronegócio. No mundo inteiro, os fundos já são mais representativos do que os bancos. Esse tipo de fundo tem crescido bastante, pois permite também que investidores urbanos participem do setor agroindustrial, aproveitando o potencial do agronegócio brasileiro.

O Brasil conta com cinco grandes bancos e cooperativas de crédito, além de seis linhas de crédito disponíveis para o agronegócio. Há também o Plano Safra, que atende apenas uma pequena parte da produção. Dessa forma, os agricultores ficam nas mãos desses bancos e frequentemente enfrentam desafios para a concessão de crédito, tornando-se dependentes das instituições financeiras, que impõem taxas, garantias e burocracias muitas vezes incompatíveis com a realidade do setor.

Prova maior da importância de financiamentos alternativos é a notícia da suspensão do Plano Safra. O Tesouro Nacional decidiu suspender novas contratações dessas linhas de financiamento 2024-2025. A medida vale a partir de 21 de fevereiro. O governo, sempre correndo para remediar em vez de prevenir, editou a MP nº 1.289/2025, liberando 4,17 bilhões para conter a pressão do segmento. Ainda assim, é insuficiente para o que o setor demanda de fomento. 

Os fundos representam um novo universo, uma nova possibilidade de financiamento com juros menores, pois, muitas vezes, esse capital vem do exterior. Os investidores estrangeiros não estão acostumados com os juros elevados do Brasil e, portanto, taxas mais baixas já são atrativas para eles. O Fiagro é exatamente isso: uma fonte de financiamento. Além de financiar o campo, atualmente beneficia cerca de 600 mil investidores.

No momento, o Fiagro só paga imposto se houver mais de 100 cotistas no fundo, não sendo tributado pelo Imposto de Renda. Caso tenha menos de 100 cotistas, há a incidência de 15% de Imposto de Renda, cobrado apenas no momento do resgate do resultado pelo cotista. Além disso, o Fundo não paga PIS, Cofins ou ISS. Contudo, com esse veto presidencial, os Fiagros passarão a pagar os tributos previstos na reforma tributária, especificamente o IBS e a CBS. Isso significa uma alíquota de até 28,5%, o que inviabilizará completamente esses fundos.

É importante lembrar que a logística no Brasil é muito cara, os produtores gastam muito com transporte, e os custos trabalhistas e tributários são elevados. Agora, o governo tenta transferir mais essa responsabilidade para o produtor. Vale ressaltar, mais uma vez, que quanto mais difícil for a vida do produtor, mais difícil será a vida do consumidor, que verá o impacto nos preços dos produtos agropecuários nas prateleiras dos supermercados.

A nossa expectativa é que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) manifeste firmemente sua discordância com o veto e atue no Congresso para derrubá-lo. A tributação desses fundos compromete a competitividade do setor, aumenta os custos para os produtores, reduz a oferta de crédito no agronegócio e, por consequência, eleva os preços dos alimentos para o consumidor final.

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