“De fato, temos de nos tornar conscientes a fim de escolher o bem – mas nenhuma conscientização nos ajudará se tivermos perdido a capacidade de sermos comovidos pela desgraça de outro ser humano, pelo olhar amigo de outra pessoa, pelo cântico dos pássaros, pelo verdor da grama. Se o homem se torna indiferente à vida não mais há esperança dele poder escolher o bem. Então, na verdade, seu coração terá endurecido tanto que a sua “vida” terá terminado. Se isto viesse a acontecer a toda a raça humana ou a seus membros mais poderosos, então a vida da humanidade poderia ser extinta no momento exato da sua máxima promessa”. Assim Erich Fromm termina seu 12º livro “O coração do homem” lançado em 1970 no Brasil. Reconhecido psicoterapeuta mundo afora, Fromm demonstra neste trabalho como homem está perdendo a capacidade de independência, amor e razão, desenvolvendo em lugar dela forças destruidoras que levam a desumanização.
Meio século depois, acabei de reler este trabalho e para meu espanto, pouca coisa está diferente. Foi ótimo não ter fugido da biblioteca. Talvez na internet não pudesse fazer essa viagem há um tempo não muito distante, mas é como se fosse uma máquina do tempo feita de papel e letras. No ato solitário da à pessoa se coletiviza pela empatia que estabelece de imediato com o conteúdo. É uma forma democrática de tomar consciência das coisas. Só não deve ter pressa, senão engole palavras ao invés de digeri-las.
Meio século depois de este livro ser lançado não há como não sentir uma ponta de decepção com a nossa tomada de consciência. Mais a coletiva do que a individual, a qual, em sua zona de conforto, termina por se convencer que sua percepção individual lhe basta para tocar a vida, já que no século XXI o avanço da ciência e da tecnologia forneceu meios para o homem se distanciar do estado primitivo, onde saciar a fome, a sede e sentir-se mais seguro são condição primeira para prosseguir na sua evolução civilizatória. Apesar dos avanços inspiradores da capacidade humana, ainda temos dificuldades enormes de se distanciar da nossa faceta de predador humanoide. Quando o coletivo entra em estado de confusão de valores, certo transe toma conta da consciência. Aí tudo pode parecer obscuro, atraindo incertezas. É nesse momento que penso naquelas milhões de crianças indo às ruas de vários países para suplicar por seu futuro. Talvez saibam melhor que os adultos que palavras só tem sentido quando apontam para uma ação de fato e de direito a vida.
A condição mais importante para o desenvolvimento do amor à vida na criança é ela estar com pessoas que amam a vida.