Se a estrutura de uma dada sociedade cria obstáculos ao amadurecimento das personalidades de seus cidadãos poderá ser chamada de neurótica, pois cerca o desenvolvimento pessoal. Se uma pessoa é capaz de desempenhar o papel social que lhe cabe, mesmo se diluindo individualmente como parte de uma imensa máquina econômica, exercendo papéis ocupacionais cada vez mais especializados, ou seja, tarefas cada vez mais localizadas e restritas como instrumento para o crescimento dos potenciais da pessoa, com uma evolução crescente do poder do capital monopolista, crises econômicas intermináveis provocadas pelo capital especulativo, desemprego e conflitos variados, é possível levantar uma questão crucial. O modelo social continua adequado ao processo civilizatório saudável?
Não se pode negar que o capitalismo não só libertou o homem dos grilhões tradicionais como igualmente contribuiu para o incremento da liberdade positiva, para a ampliação de ego ativo, critico e responsável. No entanto, se bem que esse fosse um dos efeitos do capitalismo sobre a marcha da liberdade em expansão, ao mesmo tempo tornou o indivíduo cada vez mais isolado, solitário e imbuído de uma sensação de insignificância e impotência. No capitalismo, a atividade econômica, o sucesso, as vantagens materiais passam a ser fins em si mesmos. O destino do homem torna-se contribuir para o crescimento do sistema econômico, ajuntar capital, não tendo em vista sua própria felicidade, mas como uma finalidade última. Converteu-se em um dente da engrenagem da vasta máquina econômica. O homem construiu seu mundo: ergue fábricas e casas, produz automóveis e roupas, cultiva grãos e frutos. Porém, alienou-se do produto de suas próprias mãos, não é mais, de fato, o senhor do mundo que construiu. Tornou-se um instrumento para fins da própria máquina concebida por suas mãos. A concentração de capital (não de riqueza) em certos setores do nosso sistema econômico restringiu as possibilidades de êxito da iniciativa, coragem e inteligência individuais. Ter um emprego, qualquer que seja, parece a muitos ser tudo o que podem desejar da vida e devem ser gratos por isso. O homem foi engolido por sua criação. Mas ele precisa de um significado, de uma identidade pessoal e de um pouco de autoestima. Sua sensação de pertencimento foi absorvida pelo sistema. As principais rotas sociais de fuga do isolamento, solidão e desamparo é submeter-se a uma liderança religiosa, política ou econômica, além do conformismo compulsivo que prevalece em nossa própria democracia pelas dificuldades de efetivamente participar da vida social. Em um esforço para escapar à solidão e à impotência cidadã, estamos dispostos a nos descartar do nosso EU, seja se submetendo a novas formas de autoridade, seja nos conformando compulsivamente com padrões aceitos e ditados pelo sistema. Estamos prontos a aceitar um “auxiliar mágico” a que se refere Erich Fromm em seu livro “O Medo à Liberdade”, diante da incapacidade de expressar plenamente as próprias potencialidades. Tudo é ditado pelo mercado, até seu estilo de vida.
Temos realmente liberdade de escolher nosso próprio modo de vida? A internet e seus graciosos brinquedos amenizam a solidão e o desamparo pessoal, que termina por ser um lugar interior que a pessoa encontra para dar um tempo e ver se encontra seu EU, sua autenticidade, sua originalidade de volta, pois até isso lhe foi tirado pela máquina. Reproduzimos tudo. Nossas ideias originais foram sufocadas em nome do bom funcionamento do sistema que reina absoluto sobre todos os destinos. Sinais de profundas mudanças incluem a insatisfação generalizada nas instituições porta-vozes do sistema. As coisas velhas ainda não morreram e coisas novas começam a surgir, algumas com alma retrô. Mas já é um movimento para sair do conformismo sufocante. As mudanças climáticas podem funcionar como uma catarse global em direção às mudanças que todos querem. Não pode o caos climático ser a vacina que despertará consciências?