Artigos e Opinião

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Gilson Cavalcanti Ricci: "Audiência pública"

Advogado

Redação

04/10/2015 - 00h00
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A Lei nº 9.784/99 regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e prevê a realização de audiência pública “quando a matéria envolver assunto de interesse geral”, como estipula o art. 31 da citada lei. Todavia, alguns deputados estaduais e vereadores instituíram, à própria revelia, esse instrumento de projeção pessoal, sempre que alguma iniciativa de maior especulação eleitoreira surja diante deles. Por iniciativa de uma vereadora desta capital, uma audiência pública fora realizada recentemente no âmbito da Câmara Municipal, com a finalidade de “debater o serviço de mototáxi em Campo Grande”.

Recebi convite para o evento, todavia não compareci, por questão de opinião própria a respeito desses festins eleitoreiros, levados a efeito com a única finalidade de manter acesa, perante o eleitorado, a imagem do vereador, ou do deputado, patrono da audiência pública. Entendo que os administradores e os legisladores públicos eleitos pelo voto popular são detentores de uma procuração, ao serem eleitos pelo voto soberano de seus eleitores, que lhes outorgam o lídimo poder de representá-los perante o Poder Legislativo, pois, no desempenho do cargo para o qual obtiveram nas urnas o sufrágio do voto, passam a ser procuradores de todos os eleitores dentro da conjuntura democrática institucional, o que dispensa qualquer subterfúgio – como audiência pública –, para intervir em favor do eleitor fora da órbita institucional da Assembleia Legislativa, ou da Câmara Municipal.

Certo que a audiência pública nada resolve, trata-se de   reunião de insolentes a desvirtuarem a respeitabilidade de ambas as casas de leis, constituídas constitucionalmente para a elaboração de leis estaduais e municipais – jamais para tratarem de assuntos aleatórios em debates sem critérios legais. O que pretendem nossos abnegados mototaxistas? Esses trabalhadores necessitam, sim, de amparo do poder público, para poderem sobreviver com segurança no árduo e ariscado trabalho nessa novel modalidade de transporte público. Certamente, eles pretendem acionar a tal vereadora para criar um projeto de lei perante a Câmara Municipal, que venha favorecê-los no exercício da profissão, tendo como suporte jurídico a lei – não utopias enganosas e ridículas surgidas em meio da esculhambação de um bate-boca sem nexo, como acontece via de regra nas audiências públicas que temos visto em nossa cidade. 

Tempos atrás, antes de dispor de minha condução própria,  costumava andar de mototáxi para ir e vir de um ponto a outro de nossa cidade, mormente quando tinha urgência de chegar ao destino. Sempre com eficiência e rapidez, chegava lá, enquanto outras pessoas ficavam aguardando impacientes nos pontos de ônibus, ou mesmo nos pontos de táxi. Portanto, aplaudo calorosamente qualquer iniciativa do poder público no sentido de atender integralmente às justas reivindicações dos mototaxistas, que levam diariamente pela cidade afora grande número de passageiros, e de encomendas em domicílio, facilitando, assim, a vida de quem necessita se locomover com rapidez pela cidade, ou mandar entregar encomenda urgente.

Alerto, sem nenhuma intenção belicosa, que o voto habilita constitucionalmente o candidato vitorioso nas urnas a representar o eleitor em quaisquer matérias jurídicas perante nossas respectivas casas de leis, o que torna desnecessária a audiência pública para debate de qualquer matéria perante o público em reuniões desordenadas, como geralmente são as audiências públicas. Então, se o vereador, ou o deputado estadual, já dispõe de um mandado de procuração outorgado nas urnas, não necessita absolutamente pedir autorização extra ao eleitor, para fazer leis em favor de suas comunas. Audiência pública é um engodo! E enganação! É projeção pessoal eleitoreira!  

Mormente, quando se aproximam as eleições, como agora, em que estamos às vésperas das eleições municipais de 2016, quando se abre o momento oportuno para os edis em busca de reeleição se mexerem em projeção de suas imagens perante o eleitorado.    

Editorial

O leito que falta: um problema de todos

O leito que falta hoje pode ser o de qualquer um de nós amanhã. E, nesse ponto, o problema deixa de ser só do outro: é, e sempre foi, um problema de todos

17/05/2025 07h15

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É triste constatar que, em pleno 2025, Mato Grosso do Sul ainda não apresenta projetos consistentes para enfrentar a crescente escassez de leitos hospitalares na rede pública. Mais preocupante do que a ausência de iniciativas é a aparente indiferença de parte dos gestores públicos diante de um problema que, cedo ou tarde, afetará diretamente toda a população, inclusive quem hoje acredita estar protegido por planos de saúde privados.

A raiz da crise é complexa, mas há fatores evidentes e evitáveis. A baixa capacidade de investimento dos entes públicos tem um papel central, sem dúvida, mas não se pode ignorar o impacto desastroso da forma como são utilizadas as emendas parlamentares no orçamento da União. A lógica paroquial, que transforma recursos públicos em moedas de troca para atender interesses eleitorais locais, é corrosiva. Em vez de investimentos estruturantes na saúde, como a abertura de novos leitos hospitalares, o dinheiro é pulverizado em pequenas obras, compra de tratores ou projetos sem descrição clara. Atende-se a poucos, e mal.

Essa fragmentação do Orçamento revela uma distorção grave na nossa democracia representativa: a prioridade deixou de ser o bem público e passou a ser a manutenção de currais eleitorais. Enquanto isso, problemas estruturais se acumulam, sem resposta adequada. A saúde pública sente esse impacto de maneira particularmente dura. A cada novo surto, crise sanitária ou aumento de demanda, o sistema entra em colapso – não por falta de profissionais ou de capacidade técnica, mas por pura ausência de leitos disponíveis.

Campo Grande, a capital do Estado, é um retrato fiel dessa negligência. A reportagem que segue nesta edição revela o que aqueles que dependem do SUS já sabem de cor: há filas para internações, pacientes aguardando vagas em prontos-socorros superlotados e famílias angustiadas com a falta de uma estrutura minimamente adequada. E o pior: mesmo em um cenário tão crítico, as autoridades parecem pouco mobilizadas para reverter a situação.

A lógica do clientelismo que se impôs sobre a política brasileira cobra seu preço. Em vez de técnicos capacitados e compromissados com o planejamento de longo prazo, temos apadrinhados políticos ocupando cargos estratégicos. Em vez de projetos estruturantes, temos soluções paliativas – quando muito. Em vez de visão de Estado, temos cálculos eleitorais. O resultado é a perpetuação de problemas como a falta de leitos hospitalares, que compromete a vida e a dignidade de milhares de cidadãos.

É urgente que o debate sobre emendas parlamentares ganhe centralidade no debate público. O Brasil precisa rever profundamente a forma como distribui e fiscaliza o uso desses recursos. Não se trata de eliminar o instrumento, mas de transformá-lo em ferramenta de desenvolvimento real e equitativo. A saúde deve ser prioridade, e isso precisa estar refletido em cada decisão orçamentária.

É uma pena que, enquanto isso não acontece, o cidadão comum continue enfrentando corredores lotados, espera indefinida e sofrimento evitável. O leito que falta hoje pode ser o de qualquer um de nós amanhã. E, nesse ponto, o problema deixa de ser só do outro: é, e sempre foi, um problema de todos.

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ARTIGOS

Hierarquia em postos de trabalho: lutas e dilemas

16/05/2025 07h45

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As responsabilidades dos postos de trabalho são diversas e complexas e respondem a uma hierarquia estrutural das empresas. Recentemente, fiz mais uma entrevista em uma organização para uma vaga disponível e, mais uma vez, ofereceram-me uma colocação que não tinha nada a ver com a minha formação e experiência profissional. Era um posto de assistente administrativo, para atender, no balcão, as pessoas que necessitam de encaminhamento e orientação. Sendo psicóloga de formação, com pós-graduação em Psicoterapia de Orientação Analítica, encerrando mais uma em transtorno do espectro autista (TEA), e professora de Libras, me assustei com a completa invisibilidade do meu currículo para a empresa.

Para revidar esta proposta, perguntei à pessoa que estava me entrevistando se não havia uma vaga para a área de Psicologia. Percebi que o que eu estava perguntando era irreal para a empresa, porque este posto não é, em geral, ofertado para pessoas com deficiência (PCDs). Ainda que eu sonhe com esse posto, o mercado de trabalho não reserva esse espaço para mim. Existe somente uma compreensão: as organizações só empregam PCDs em razão da Lei de Cotas, artigo 93 da Lei nº 8.213/91, porém, não garantem a inclusão nem minimizam as discriminações.

Ter algum tipo de deficiência não pode anular a capacidade e as habilidades dos profissionais. Como podemos mostrar isso para a sociedade? Como podemos nos empoderar para enfrentarmos essas barreiras?

As dificuldades e os empecilhos da aceitação social da diversidade são marcas que vieram com a escravidão portuguesa, com as propagandas de governos sobre o branqueamento da população e com o apagamento de classes desfavorecidas. Os preconceitos se multiplicaram durante mais de dois séculos, e nos encontramos diante de uma batalha de titãs. Não podemos esmorecer. Temos de nos fortalecer por meio de cursos de formação, da divulgação de textos, de fazer com que as leis sejam cumpridas, criando associações, grupos de trabalho, grupos de estudos, entre outras atividades que possam nos legitimar como grupo social.

Podemos criar projetos e planos de carreira para desmantelar essa cultura empresarial de rejeitar a troca de saberes e conhecimentos na hierarquia dos postos de trabalho. Precisamos também garantir nosso lugar, para que possamos nos desenvolver e conseguir crescer junto com os demais funcionários. Não falo sozinha, pois, sempre que discuto com meus colegas nas redes sociais, vejo que eles e elas também se manifestam nesse sentido de não lhes darem oportunidade de avançar em suas carreiras profissionais.

Apesar de estarmos tão avançados nos meios de comunicação e nas tecnologias da informação, parece que os preconceitos não caminham paralelamente. Pelo contrário, parece que se acentuam. Ainda que aceitemos os tratamentos indevidos pelas empresas, precisamos combater as indiferenças, as humilhações e as dificuldades de relacionamento para alcançarmos vagas de trabalho condizentes com nossa formação e experiência profissional.

Menciono aqui as pessoas com autismo, que podem e devem trabalhar, pois sofrem de uma condição que não pode ser vista como uma deficiência. Trata-se de um transtorno do neurodesenvolvimento do indivíduo que interfere na capacidade de interação social, linguagem, comunicação e comportamento e que pode ser tratado por meio de terapias.

Atualmente, temos muitos diagnósticos de TEA tardios, pois o transtorno inclui uma variedade de características, mas, com acompanhamento especializado, são pessoas e profissionais capacitados para estudar e trabalhar.

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