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Isabela Albieri e Thiago Bortoluzzi: "No samba do crioulo doido, só dançou quem não podia"

Autores são advogados com concentração em Direito Constitucional e Administrativo

Redação

24/09/2015 - 00h00
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A utilização da coisa pública para fins espúrios parece ter se tornado a regra geral em nosso país. Portanto, nenhuma foi a novidade sobre a situação de crise ética e financeira pela qual passa nossa capital atualmente. 

Como “medida milagrosa” para sanar todos os problemas de nossa municipalidade, a atual administração anunciou a demissão imediata de todos os servidores comissionados, muitos dos quais foram nomeados legalmente, na forma do artigo 37, II, da Constituição Federal (CF).

Nos termos de nossa Constituição Federal, assim como a contratação, a exoneração dos servidores ocupantes de cargo em comissão é de livre escolha do administrador público, é o que se conhece por demissão ad nutum. Não se questiona aqui a atitude do chefe do Executivo municipal, pois, como dito, a demissão dos comissionados trata-se de prerrogativa legal do administrador; todavia, pergunta-se: tal privilégio de exoneração ad nutum pode negar direitos fundamentais e inalienáveis de todo cidadão?

Os servidores comissionados não têm direitos a verbas indenizatórias trabalhistas, mas possuem direito ao pagamento de parcelas remuneratórias devidas na exoneração (férias não gozadas, férias proporcionais, adicional de 1/3 de férias, 13º salário proporcional, etc.), devendo ser quitadas no mesmo mês da demissão, conforme o Estatuto do Servidor Público Municipal (Artigo 299, da Lei Complementar nº 190, de 22 de dezembro de 2011).

Contudo, a administração municipal não observou a lei, exonerando todos os servidores comissionados sem efetuar quaisquer pagamentos das verbas legalmente devidas. Tais verbas não são privilégios dos servidores em comissão, mas direitos de todo servidor público; em verdade, de todo cidadão brasileiro empregado, pois, por força da Constituição Federal, são direitos inalienáveis (que não podem ser cedidos, trocados ou vendidos) e sociais fundamentais (objetivam a proteção da dignidade do trabalhador): o 13º salário e as férias acrescidas de 1/3 na remuneração. Tais direitos são garantidos aos servidores públicos efetivos e comissionados, por expressa disposição constitucional (artigo 39, §3º, da CF).

A Constituição Federal é a Lei Fundamental de nosso país, o que significa que, acima dela, nenhuma lei é mais forte; e, abaixo dela, todos, sejam leis, sejam cidadãos, sejam políticos, devem obedecê-la. Assim, que não pode a administração municipal simplesmente retirar o sustento dos servidores em comissão, sobre a genérica premissa de que estes seriam responsáveis pela situação execrável de nossa Capital, sem pelo menos lhes garantir as indenizações mínimas que são devidas, até para aquele trabalhador que é demitido por justa causa, desrespeitando, desta forma, a Norma Fundamental brasileira.

O que não se pode tolerar é que todos os servidores em comissão sejam nivelados por aqueles que foram desonestos ou fantasmas, e assim justificar a retirada da dignidade daqueles servidores comissionados que trabalharam com integridade e dedicação, tornando morto aquele que é o objetivo principal de nossa Democracia, a proteção à dignidade da pessoa humana.

A Suprema Corte, no julgamento do Inquérito nº 2.577, já se manifestou em idêntica situação: “[...]O 13º salário, as férias e o adicional de 1/3 de férias são direitos previstos na Constituição, devidos tanto ao trabalhador regido pela Consolidação das Leis do Trabalho quanto ao servidor público ocupante de cargo efetivo ou não. Portanto, negar ao servidor comissionado o recebimento de tais parcelas, quando de sua exoneração, lesiona direito fundamental do trabalhador, infringe as normas estabelecidas pela Consolidação das Leis do Trabalho e dá azo ao enriquecimento sem causa da Administração Pública”.

Com o devido respeito àqueles que pregam sobre a Supremacia do Interesse Público sobre o Privado, mas não se pode ignorar o mais essencial dos princípios, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, ou seja, os comissionados são trabalhadores e também são parte do povo no plano social, também pagam tributos, possuem os mesmos direitos de todos os trabalhadores, separados dos ímprobos e oportunistas, não merecem pagar em dobro pela falência da máquina pública.

E se fosse com você?

Editorial

O leito que falta: um problema de todos

O leito que falta hoje pode ser o de qualquer um de nós amanhã. E, nesse ponto, o problema deixa de ser só do outro: é, e sempre foi, um problema de todos

17/05/2025 07h15

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É triste constatar que, em pleno 2025, Mato Grosso do Sul ainda não apresenta projetos consistentes para enfrentar a crescente escassez de leitos hospitalares na rede pública. Mais preocupante do que a ausência de iniciativas é a aparente indiferença de parte dos gestores públicos diante de um problema que, cedo ou tarde, afetará diretamente toda a população, inclusive quem hoje acredita estar protegido por planos de saúde privados.

A raiz da crise é complexa, mas há fatores evidentes e evitáveis. A baixa capacidade de investimento dos entes públicos tem um papel central, sem dúvida, mas não se pode ignorar o impacto desastroso da forma como são utilizadas as emendas parlamentares no orçamento da União. A lógica paroquial, que transforma recursos públicos em moedas de troca para atender interesses eleitorais locais, é corrosiva. Em vez de investimentos estruturantes na saúde, como a abertura de novos leitos hospitalares, o dinheiro é pulverizado em pequenas obras, compra de tratores ou projetos sem descrição clara. Atende-se a poucos, e mal.

Essa fragmentação do Orçamento revela uma distorção grave na nossa democracia representativa: a prioridade deixou de ser o bem público e passou a ser a manutenção de currais eleitorais. Enquanto isso, problemas estruturais se acumulam, sem resposta adequada. A saúde pública sente esse impacto de maneira particularmente dura. A cada novo surto, crise sanitária ou aumento de demanda, o sistema entra em colapso – não por falta de profissionais ou de capacidade técnica, mas por pura ausência de leitos disponíveis.

Campo Grande, a capital do Estado, é um retrato fiel dessa negligência. A reportagem que segue nesta edição revela o que aqueles que dependem do SUS já sabem de cor: há filas para internações, pacientes aguardando vagas em prontos-socorros superlotados e famílias angustiadas com a falta de uma estrutura minimamente adequada. E o pior: mesmo em um cenário tão crítico, as autoridades parecem pouco mobilizadas para reverter a situação.

A lógica do clientelismo que se impôs sobre a política brasileira cobra seu preço. Em vez de técnicos capacitados e compromissados com o planejamento de longo prazo, temos apadrinhados políticos ocupando cargos estratégicos. Em vez de projetos estruturantes, temos soluções paliativas – quando muito. Em vez de visão de Estado, temos cálculos eleitorais. O resultado é a perpetuação de problemas como a falta de leitos hospitalares, que compromete a vida e a dignidade de milhares de cidadãos.

É urgente que o debate sobre emendas parlamentares ganhe centralidade no debate público. O Brasil precisa rever profundamente a forma como distribui e fiscaliza o uso desses recursos. Não se trata de eliminar o instrumento, mas de transformá-lo em ferramenta de desenvolvimento real e equitativo. A saúde deve ser prioridade, e isso precisa estar refletido em cada decisão orçamentária.

É uma pena que, enquanto isso não acontece, o cidadão comum continue enfrentando corredores lotados, espera indefinida e sofrimento evitável. O leito que falta hoje pode ser o de qualquer um de nós amanhã. E, nesse ponto, o problema deixa de ser só do outro: é, e sempre foi, um problema de todos.

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ARTIGOS

Hierarquia em postos de trabalho: lutas e dilemas

16/05/2025 07h45

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As responsabilidades dos postos de trabalho são diversas e complexas e respondem a uma hierarquia estrutural das empresas. Recentemente, fiz mais uma entrevista em uma organização para uma vaga disponível e, mais uma vez, ofereceram-me uma colocação que não tinha nada a ver com a minha formação e experiência profissional. Era um posto de assistente administrativo, para atender, no balcão, as pessoas que necessitam de encaminhamento e orientação. Sendo psicóloga de formação, com pós-graduação em Psicoterapia de Orientação Analítica, encerrando mais uma em transtorno do espectro autista (TEA), e professora de Libras, me assustei com a completa invisibilidade do meu currículo para a empresa.

Para revidar esta proposta, perguntei à pessoa que estava me entrevistando se não havia uma vaga para a área de Psicologia. Percebi que o que eu estava perguntando era irreal para a empresa, porque este posto não é, em geral, ofertado para pessoas com deficiência (PCDs). Ainda que eu sonhe com esse posto, o mercado de trabalho não reserva esse espaço para mim. Existe somente uma compreensão: as organizações só empregam PCDs em razão da Lei de Cotas, artigo 93 da Lei nº 8.213/91, porém, não garantem a inclusão nem minimizam as discriminações.

Ter algum tipo de deficiência não pode anular a capacidade e as habilidades dos profissionais. Como podemos mostrar isso para a sociedade? Como podemos nos empoderar para enfrentarmos essas barreiras?

As dificuldades e os empecilhos da aceitação social da diversidade são marcas que vieram com a escravidão portuguesa, com as propagandas de governos sobre o branqueamento da população e com o apagamento de classes desfavorecidas. Os preconceitos se multiplicaram durante mais de dois séculos, e nos encontramos diante de uma batalha de titãs. Não podemos esmorecer. Temos de nos fortalecer por meio de cursos de formação, da divulgação de textos, de fazer com que as leis sejam cumpridas, criando associações, grupos de trabalho, grupos de estudos, entre outras atividades que possam nos legitimar como grupo social.

Podemos criar projetos e planos de carreira para desmantelar essa cultura empresarial de rejeitar a troca de saberes e conhecimentos na hierarquia dos postos de trabalho. Precisamos também garantir nosso lugar, para que possamos nos desenvolver e conseguir crescer junto com os demais funcionários. Não falo sozinha, pois, sempre que discuto com meus colegas nas redes sociais, vejo que eles e elas também se manifestam nesse sentido de não lhes darem oportunidade de avançar em suas carreiras profissionais.

Apesar de estarmos tão avançados nos meios de comunicação e nas tecnologias da informação, parece que os preconceitos não caminham paralelamente. Pelo contrário, parece que se acentuam. Ainda que aceitemos os tratamentos indevidos pelas empresas, precisamos combater as indiferenças, as humilhações e as dificuldades de relacionamento para alcançarmos vagas de trabalho condizentes com nossa formação e experiência profissional.

Menciono aqui as pessoas com autismo, que podem e devem trabalhar, pois sofrem de uma condição que não pode ser vista como uma deficiência. Trata-se de um transtorno do neurodesenvolvimento do indivíduo que interfere na capacidade de interação social, linguagem, comunicação e comportamento e que pode ser tratado por meio de terapias.

Atualmente, temos muitos diagnósticos de TEA tardios, pois o transtorno inclui uma variedade de características, mas, com acompanhamento especializado, são pessoas e profissionais capacitados para estudar e trabalhar.

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