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José Carlos de Oliveira Robaldo:
Foro privilegiado

José Carlos de Oliveira Robaldo é Procurador de Justiça aposentado. Advogado. Mestre em Direito Penal. Professor universitário.

Redação

12/06/2017 - 02h00
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Nos últimos dias, o foro privilegiado ou por de prerrogativa de função é um dos temas que mais tem chamado a atenção. Ele está sendo concomitantemente discutido no Congresso Nacional e no STF. No Senado, em relação aos chamados crimes comuns (aqueles que podem ser praticados por qualquer pessoa: homicídio, roubo, estupro, tráfico de drogas etc), o texto foi aprovado e agora encontra-se na Câmara Federal. Como se trata de emenda constitucional, tal qual ocorreu no Senado, deve passar por duas votações. No STF, o julgamento foi suspenso, em face do pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

Mas o que chama atenção é a empolgação por parte de grande parte da polução, dentre eles vários especialistas. A grande maioria vê nessa mudança um enorme passo em desfavor da impunidade, ou, em outras palavras, o remédio eficaz para resolver todos os males relacionados com a impunidade que assola o País. Basta fazer uma enquete para constatar a veracidade dessa assertiva.

De outra ordem, apenas para argumentar, essa expectativa faz lembrar os argumentos utilizados por aqueles que defendem a redução da maioridade penal para se eliminar a criminalidade que tomou conta do território brasileiro de norte a sul. Será que essa esperança, tano lá quanto aqui, será concretizada em face dessas mudanças legislativas?

Retornando ao tema central, foro privilegiado, impropriamente chamado, é a denominação que popularmente se dá ao foro especial por prerrogativa de função a que determinadas pessoas nas ações penais são submetidas a julgamento por tribunais (TJ), Tribunais Regionais, Tribunais Superiores e STF), em razão do cargo ou função que as exercem. Portanto, prerrogativa de função e não pessoal. É o que determina a atual Constituição Federal, complementada pela legislação infraconstitucional e pelas

Constituições estaduais. A propósito, é bom lembrar que as eventuais afirmações de determinas autoridades de que “abrem mão do foro especial” só podem ser interpretadas como pura demagogia, pois não se abdica daquilo que não nos pertence. 

A crítica que se houve sobre o denominado “foro privilegiado” é que essa distinção fere o próprio princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei, além de gerar impunidade. Daí a razão do apoio popular às iniciativas tantos do Congresso Nacional quanto do STF. No que, em parte, sobretudo se olharmos para a prática, não se está errado, principalmente em relação à demora nos julgamentos no STF.

Dentre vários, o caso Paulo Maluf, é um exemplo emblemático desse contexto, pois, por se tratar de deputado federal, beneficiário, portanto, do foro privilegiado, o processo se arrasta no STF há muito tempo, e o julgamento final ainda não se encerrou, o que por si só, sugere impunidade.

A pergunta que se faz é se em extinguindo o denominado foro de prerrogativa de função a impunidade que incomoda a muitos, e com razão, será extinta?

Isso a prática dirá. Contudo, cremos não ser imprudente fazer-se um prognóstico ou profecia que decepção virá. A Justiça de primeira instância (das comarcas), que será responsável pelo julgamento daqueles que perderão o foro de prerrogativa de função, se não passar por profunda estruturação, a agilidade que se espera não ocorrerá. A justiça inicial (primeira instância), no geral, também está lerda. A realidade é prova desse contexto. Nessa linha, apenas para argumentar, os chamados Juizados Especiais, cíveis e criminais, sobretudo em Mato Grosso do Sul, que já teve seu momento de áurea, pois foi o precursor no País, perdeu, de há muito, o seu propósito que era o de prestação jurisdicional célere. 

Na linha estrutural acima mencionada, talvez uma saída, seja a criação de varas especializadas nas comarcas de entrância final para processar e julgar as autoridades que teriam foro especial.

Por fim, por mais otimistas que sejamos, a mudança, objeto deste texto, que alimenta a esperança de uma justiça mais célere, trará decepção. Torcemos que não.

A propósito e apenas como reflexão é oportuno lembrar o ensinamento do escritor Jean Cruet, quando afirma que “vê-se todos os dias a sociedade reafirmar a lei, nunca se viu a lei reformar a sociedade”. 

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Poderá existir anistia aos atentados de 8 de janeiro?

29/11/2024 07h45

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O almirante ateniense Trasíbulo (440 a.C.) derrotou os 30 tiranos trazendo um exército inicial de 60 homens de Tebas e, depois da vitória, fez os atenienses que estavam divididos se reconciliarem.

A ele é atribuído o nascimento ou significado da palavra anistia (amnesia), dada aos atenienses ao editar lei concedendo o perdão àqueles que cometeram delitos, em nome do fortalecimento da paz.

A concessão de perdão ao longo da história sempre nos revela a existência de tensões sociais sobre as quais o perdão incidirá, resolvendo-as ou evitando-as.

No Brasil, são causas extintivas da punibilidade segundo a ordem penal: a) a morte do agente; b) a anistia, a graça e o indulto; c) a abolição do crime; d) a prescrição, a decadência ou a preempção; e) a renúncia ou o perdão, entre outros.

Fala-se que haveria uma disposição do Congresso Nacional de anistiar diversos fatos punidos recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), alguns deles, supõe-se, teriam, na visão do mesmo STF, atentado contra a ordem constitucional ou o Estado Democrático.

Caso de fato o Congresso decida praticar a anistia nesse último caso, certamente haverá reação de alguns partidos políticos que baterão às portas do STF indicando a proibição de anistia para aqueles que atentaram contra o regime democrático.

Novo contencioso se criará, porquanto há os que veem nos atentados de 8 de janeiro um movimento ordenado, um tipo de vandalismo, visando sobretudo a destruição do patrimônio público nacional, mas não propriamente um golpe de estado ou contra as instituições. Já há outros que enxergam no ocorrido um verdadeiro golpe em sentido mais amplo da palavra.

Quem está com a razão? E mais: qual a solução que melhor atende ao interesse social? A anistia ou a punição dos infratores à ordem jurídica?

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Reforma do Imposto de Renda e o pacote fiscal: impactos para o contribuinte e as contas públicas

29/11/2024 07h30

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A proposta de reforma do Imposto de Renda (IR), peça central do pacote fiscal do governo, chega em um cenário de incertezas econômicas. No dia do anúncio, o dólar atingiu R$ 5,91, o maior valor nominal da história, evidenciando as preocupações do mercado com o equilíbrio fiscal. A reforma busca isentar quem ganha até R$ 5.000 por mês e introduzir alíquotas progressivas para rendas acima de R$ 50.000, marcando uma tentativa de ajustar a tributação à realidade socioeconômica e reforçar a credibilidade do governo junto ao mercado.

Impactos e benefícios: a ampliação da faixa de isenção beneficia diretamente cerca de 26 milhões de brasileiros, reduzindo a carga tributária para outros milhões. Atualmente, quem ganha até R$ 2.824 está isento, e a proposta dobra essa faixa. Para rendas entre R$ 5.000 e R$ 7.500, um abatimento parcial foi proposto para minimizar o impacto.

Apesar do alívio, a renúncia fiscal projetada é significativa, variando entre R$ 35 bilhões e R$ 45 bilhões anuais, conforme estimativas da Receita Federal e de entidades como a Unafisco. O desafio está em garantir que os mecanismos compensatórios sejam suficientes para evitar desequilíbrios no orçamento público.

Compensação tributária: o governo propõe uma taxação progressiva para quem ganha acima de R$ 50.000 mensais, com alíquotas que variam entre 5% e 10%. As rendas isentas, como dividendos, serão incluídas no cálculo, aumentando a base de contribuição. Embora apenas 100 mil pessoas sejam impactadas por essas alíquotas mais altas, essa estratégia visa compensar a perda de arrecadação gerada pela isenção. Contudo, há riscos: a concentração da compensação em um grupo pequeno pode limitar os ganhos fiscais, enquanto a complexidade do sistema aumenta a necessidade de fiscalização eficiente.

Conexão com o pacote fiscal: a reforma do IR é uma das ações do pacote fiscal que pretende reduzir R$ 70 bilhões em despesas até 2026. Medidas como contenção de salários no funcionalismo e ajustes previdenciários complementam a estratégia para sinalizar compromisso com a sustentabilidade fiscal. Entretanto, o contraste entre uma isenção tributária de grande impacto e o discurso de austeridade pode gerar tensões. A eficácia dessas mudanças depende do crescimento econômico e da eficiência na execução administrativa.

Desafios operacionais: a transição para o novo sistema requer atenção para evitar distorções. Rendas ligeiramente acima de R$ 5.000 podem enfrentar aumentos abruptos de carga tributária caso o abatimento não seja suficiente, desestimulando avanços econômicos em faixas limítrofes. Além disso, incluir rendas atualmente isentas, como dividendos, demanda estratégias claras para evitar evasão fiscal e resistências de setores econômicos.

Considerações finais: a reforma do IR, inserida em um pacote fiscal estratégico, combina esforços para corrigir distorções tributárias e assegurar a sustentabilidade das contas públicas. No entanto, sua implementação carrega incertezas e desafios significativos. A renúncia de R$ 35 bilhões a R$ 45 bilhões anuais e a dependência de um pequeno grupo de contribuintes para compensar essa perda tornam a proposta especialmente sensível à eficácia da administração tributária e à capacidade de fiscalização.

Além disso, ajustes precisos serão necessários para evitar impactos desproporcionais em faixas de renda próximas à nova isenção, o que exige o aperfeiçoamento dos mecanismos de abatimento. A inclusão de rendas anteriormente isentas no cálculo das alíquotas progressivas para os mais ricos, embora bem fundamentada, pode ampliar a complexidade do sistema e gerar resistências, destacando a necessidade de clareza nas regulamentações e de um acompanhamento contínuo.

A conexão com o pacote fiscal mais amplo também ressalta a importância de articular essas mudanças com outras medidas de contenção de gastos e estímulo econômico. O sucesso da reforma dependerá da harmonia entre a arrecadação prevista, os cortes propostos e o desempenho da economia. Falhas de execução ou desvios no planejamento podem comprometer tanto o impacto fiscal quanto os objetivos de justiça tributária.

Portanto, a reforma deve ser tratada como parte de um processo contínuo, que exigirá monitoramento constante e ajustes com base nos resultados. O próximo cenário econômico será crucial para determinar se as medidas anunciadas conseguirão alinhar sustentabilidade fiscal, redistribuição de renda e competitividade econômica de forma eficiente.

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