Nos últimos dias, o foro privilegiado ou por de prerrogativa de função é um dos temas que mais tem chamado a atenção. Ele está sendo concomitantemente discutido no Congresso Nacional e no STF. No Senado, em relação aos chamados crimes comuns (aqueles que podem ser praticados por qualquer pessoa: homicídio, roubo, estupro, tráfico de drogas etc), o texto foi aprovado e agora encontra-se na Câmara Federal. Como se trata de emenda constitucional, tal qual ocorreu no Senado, deve passar por duas votações. No STF, o julgamento foi suspenso, em face do pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.
Mas o que chama atenção é a empolgação por parte de grande parte da polução, dentre eles vários especialistas. A grande maioria vê nessa mudança um enorme passo em desfavor da impunidade, ou, em outras palavras, o remédio eficaz para resolver todos os males relacionados com a impunidade que assola o País. Basta fazer uma enquete para constatar a veracidade dessa assertiva.
De outra ordem, apenas para argumentar, essa expectativa faz lembrar os argumentos utilizados por aqueles que defendem a redução da maioridade penal para se eliminar a criminalidade que tomou conta do território brasileiro de norte a sul. Será que essa esperança, tano lá quanto aqui, será concretizada em face dessas mudanças legislativas?
Retornando ao tema central, foro privilegiado, impropriamente chamado, é a denominação que popularmente se dá ao foro especial por prerrogativa de função a que determinadas pessoas nas ações penais são submetidas a julgamento por tribunais (TJ), Tribunais Regionais, Tribunais Superiores e STF), em razão do cargo ou função que as exercem. Portanto, prerrogativa de função e não pessoal. É o que determina a atual Constituição Federal, complementada pela legislação infraconstitucional e pelas
Constituições estaduais. A propósito, é bom lembrar que as eventuais afirmações de determinas autoridades de que “abrem mão do foro especial” só podem ser interpretadas como pura demagogia, pois não se abdica daquilo que não nos pertence.
A crítica que se houve sobre o denominado “foro privilegiado” é que essa distinção fere o próprio princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei, além de gerar impunidade. Daí a razão do apoio popular às iniciativas tantos do Congresso Nacional quanto do STF. No que, em parte, sobretudo se olharmos para a prática, não se está errado, principalmente em relação à demora nos julgamentos no STF.
Dentre vários, o caso Paulo Maluf, é um exemplo emblemático desse contexto, pois, por se tratar de deputado federal, beneficiário, portanto, do foro privilegiado, o processo se arrasta no STF há muito tempo, e o julgamento final ainda não se encerrou, o que por si só, sugere impunidade.
A pergunta que se faz é se em extinguindo o denominado foro de prerrogativa de função a impunidade que incomoda a muitos, e com razão, será extinta?
Isso a prática dirá. Contudo, cremos não ser imprudente fazer-se um prognóstico ou profecia que decepção virá. A Justiça de primeira instância (das comarcas), que será responsável pelo julgamento daqueles que perderão o foro de prerrogativa de função, se não passar por profunda estruturação, a agilidade que se espera não ocorrerá. A justiça inicial (primeira instância), no geral, também está lerda. A realidade é prova desse contexto. Nessa linha, apenas para argumentar, os chamados Juizados Especiais, cíveis e criminais, sobretudo em Mato Grosso do Sul, que já teve seu momento de áurea, pois foi o precursor no País, perdeu, de há muito, o seu propósito que era o de prestação jurisdicional célere.
Na linha estrutural acima mencionada, talvez uma saída, seja a criação de varas especializadas nas comarcas de entrância final para processar e julgar as autoridades que teriam foro especial.
Por fim, por mais otimistas que sejamos, a mudança, objeto deste texto, que alimenta a esperança de uma justiça mais célere, trará decepção. Torcemos que não.
A propósito e apenas como reflexão é oportuno lembrar o ensinamento do escritor Jean Cruet, quando afirma que “vê-se todos os dias a sociedade reafirmar a lei, nunca se viu a lei reformar a sociedade”.