A Medida Provisória 881/2019 trouxe, além da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica - os quais, ao nosso ver, já estavam previstos na Constituição Federal - algumas outras alterações legislativas relevantes, tais como: alterações à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil); alterações à Lei nº 6.404., de 15 de dezembro de 1976 (Lei das Sociedades por Ações); e alterações à Lei nº 12.682 de 9 de julho de 2012, que dispõe sobre a elaboração e o arquivamento de documentos em meios eletromagnéticos, dentre outras.
Nesse último ponto, a MP incluiu o Artigo 2-A com texto basicamente idêntico ao texto dos Artigos 2º, 5º e 7º, vetado na redação original da referida lei. Tais dispositivos permitem a destruição de documentos originais após a sua devida digitalização e constatação de sua integridade digital, nos termos de regulamento próprio.
Se, de um lado, a desburocratização representa uma tendência mundial no sentido de não mais se exigir a apresentação de documentos originais para a verificação de sua autenticidade – que já ocorre, no Brasil, nos processos judiciais (com a juntada de documentos por via eletrônica aos autos) e também em algumas Juntas Comerciais em que os documentos digitais encontram-se disponíveis para visualização e obtenção de cópias e certidões eletrônicas, que têm validade e força de originais por meio da autenticação digital.
De outro, não faltam críticas à referida MP no que tange à referida disposição sobre o descarte de documentos: as mesmas sofridas ao Projeto de Lei 7920, chamado de “Queima de Arquivos”, o qual, proposto em 2017, causou grande impacto no então cenário político brasileiro. Tais críticas deviam-se, principalmente, à alegação de que a eliminação de documentos físicos originais seria estopim para a prática ainda maior de fraudes.
Assim, de pronto, entendemos ser temerária a imposição de tal possibilidade por meio de media provisória, ao invés de voltar a discussão do tema para o Congresso Nacional, casa responsável por discutir mudanças da legislação.
Além disso, é fato que esta alteração, muito mais do que mera modificação legislativa implica numa nova percepção cultural do país, na medida em que a própria MP traz expressos em seu texto resquícios burocráticos como exigir a “constatação da integridade do documento digital”. Isso significa que desburocratiza (sob o viés de dispensar a apresentação do documento original), burocratizando (pois cria a necessidade de constatação da integridade do documento digital), ou seja, a cultura burocrática continua arraigada entre nós.
Por esse motivo, acreditamos que as propostas trazidas pela MP no que tange à destruição dos documentos originais e sua substituição por documentos digitalizados não são benéficas, pelo menos nesse momento, para o país. Isso porque o Brasil não está preparado culturalmente para essa alteração e, além disso, a MP parece transferir o ônus da autenticidade de documentos, passando-o das mãos de cartórios e autarquias para outro ente que deverá constatar a integridade do documento digital.