Artigos e Opinião

ARTIGO

Maria Angela Mirault: "O "11 de Setembro" de todos nós..."

Professora, doutora em Comunicação e Semiótica, pela PUC-SP

Redação

11/09/2015 - 00h00
Continue lendo...

Naquele momento em que a insanidade dos ataques terroristas – muito bem planejados, coordenados e executados pela organização fundamentalista islâmica Al-Qaeda – atingiu com precisão os alicerces do poderio militar, político e econômico dos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001, a data tomou de assalto um lugar cativo no calendário da História Humana Contemporânea. Rememoremos. 

Naquela manhã, o mundo pôde assistir de todos os lugares – tal como na narrativa orwelliana da transmissão diuturna do “minuto de ódio” pela teletela –, em tempo real, ao mais odioso espetáculo de vingança, retaliação e contundência, do pensar e do agir do homem contra o próprio homem, na atualidade. Por intermédio da ação executada por (apenas) dezenove terroristas, quase três mil pessoas (227 civis e os 19 sequestradores a bordo dos aviões) foram mortas, principalmente, civis de mais de 70 países. 

Obviamente, o confronto pertinaz e milenar, entre o bem e o mal, ocorre desde tempos imemoriais. Entretanto, na História Moderna, cenas similares a estas nos chegavam em películas cinematográficas, por rádio e pelos jornais; porém, absolutamente editadas. Tomávamos tênue conhecimento dos fatos pela interpretação, impressão e tradução dos correspondentes, que, por sua vez, recebiam a interpretação, a impressão e a tradução dos seus editores. O que houve de novo no Onze de Setembro foi a instantaneidade proporcionada pela tecnologia dos satélites, levando a visão do inferno ao olhar estarrecido e impotente de toda a humanidade.  Hoje, também temos o nosso  “onze de setembro” que acirra o que há de pior da essência na espécie humana e nos incita à segregação, à segmentação, à discriminação, à violência, ao isolamento, à intolerância, à indiferença e à eliminação do outro. Em decorrência, qualquer um de nós que professe ideologias diferentes, sejamos, em todas as esferas da vida, talibãs e não talibãs.

De certo que convivemos imersos em grande perturbação social, na qual o antagonismo de cosmovisões distintas tem se traduzido pela emersão da virulência de pensamentos e atos, em toda a esfera humana. A discórdia, a agressividade, o ódio, a inquietação, o pânico, a dor, a desesperança colocam-nos todos contra todos. A pergunta que se faz, catorze anos depois, é se o mundo tornou-se mais violento, ou mais visível. Talvez, o mal tenha hoje mais visibilidade e se apresente, agora, com toda sua pujante crueza, desde as novelas-da-globo, passando pelos noticiários da tevê, invadindo as redes sociais – lugar das mais absurdas exposições, ataques e difamações irreversíveis, que interliga, a todo o tempo, todo mundo, a qualquer um. Parece-nos que nunca nos odiamos tanto. Vivemos um mundo de catarse coletiva de nossas doenças da alma; os cadáveres estão expostos em todos os lugares, eles chegam aos nossos lares pelo brilho da alta definição, pelos touchscreen de nossos celulares, tabletes e laptops; hoje, extrapolam as páginas dos jornais e os noticiários de tevê.

Roberto Crema, reitor da Universidade Internacional da Paz – Rede Unipaz (uma instituição sem fins lucrativos, que iniciou suas atividades no DF, em 1986, e tem sede em diversas cidades do País), diagnostica esse momento e diz: “Nenhuma época, como a nossa, apresentou uma face tão explícita e atordoante da demolição, lição do demo, do egocentrismo, do desamor, da fragmentação e desvinculação, da alienação ética e generalizada desumanização. Como parcelas que estamos sendo de um organismo global, células de um mesmo corpo da coletividade humana, estamos todos soterrados pelos desabamentos de torres e de valores, ao mesmo tempo vítimas e algozes, atravessando as inevitáveis consequências do exercício sistemático da estupidez humana, do esquecimento do Ser. Na afirmação de Sartre, estamos sós e sem desculpas”.

De certo que, desde esse momento de insanidade da ação humana, nosso mundo mudou radicalmente, levando-nos a refletir sobre o papel e a responsabilidade de cada um de nós, viventes desse século. Esse ciclo de ódio precisa ser interrompido por um novo paradigma que surja da ética e da estética da paz. Pode ser que um novo paradigma capaz de promover uma cultura de paz e não violência, por intermédio da educação e reeducação do homem, seja a última e única possibilidade de reversão à ode ao terror e a todas as suas circunstâncias e consequências.

É preciso, antes de tudo, que aprendamos a pensar e a agir em prol de uma conquista efetiva de paz, em nosso mundo particular, promovendo pequenas ações que sejam realmente potenciais para a quebra desse paradigma de violência, em toda a instância e em todos os lugares, a partir de ações individuais, locais e coletivas em benefício de nós, de toda a sociedade; enfim, de toda a humanidade.

Editorial

O leito que falta: um problema de todos

O leito que falta hoje pode ser o de qualquer um de nós amanhã. E, nesse ponto, o problema deixa de ser só do outro: é, e sempre foi, um problema de todos

17/05/2025 07h15

Arquivo

Continue Lendo...

É triste constatar que, em pleno 2025, Mato Grosso do Sul ainda não apresenta projetos consistentes para enfrentar a crescente escassez de leitos hospitalares na rede pública. Mais preocupante do que a ausência de iniciativas é a aparente indiferença de parte dos gestores públicos diante de um problema que, cedo ou tarde, afetará diretamente toda a população, inclusive quem hoje acredita estar protegido por planos de saúde privados.

A raiz da crise é complexa, mas há fatores evidentes e evitáveis. A baixa capacidade de investimento dos entes públicos tem um papel central, sem dúvida, mas não se pode ignorar o impacto desastroso da forma como são utilizadas as emendas parlamentares no orçamento da União. A lógica paroquial, que transforma recursos públicos em moedas de troca para atender interesses eleitorais locais, é corrosiva. Em vez de investimentos estruturantes na saúde, como a abertura de novos leitos hospitalares, o dinheiro é pulverizado em pequenas obras, compra de tratores ou projetos sem descrição clara. Atende-se a poucos, e mal.

Essa fragmentação do Orçamento revela uma distorção grave na nossa democracia representativa: a prioridade deixou de ser o bem público e passou a ser a manutenção de currais eleitorais. Enquanto isso, problemas estruturais se acumulam, sem resposta adequada. A saúde pública sente esse impacto de maneira particularmente dura. A cada novo surto, crise sanitária ou aumento de demanda, o sistema entra em colapso – não por falta de profissionais ou de capacidade técnica, mas por pura ausência de leitos disponíveis.

Campo Grande, a capital do Estado, é um retrato fiel dessa negligência. A reportagem que segue nesta edição revela o que aqueles que dependem do SUS já sabem de cor: há filas para internações, pacientes aguardando vagas em prontos-socorros superlotados e famílias angustiadas com a falta de uma estrutura minimamente adequada. E o pior: mesmo em um cenário tão crítico, as autoridades parecem pouco mobilizadas para reverter a situação.

A lógica do clientelismo que se impôs sobre a política brasileira cobra seu preço. Em vez de técnicos capacitados e compromissados com o planejamento de longo prazo, temos apadrinhados políticos ocupando cargos estratégicos. Em vez de projetos estruturantes, temos soluções paliativas – quando muito. Em vez de visão de Estado, temos cálculos eleitorais. O resultado é a perpetuação de problemas como a falta de leitos hospitalares, que compromete a vida e a dignidade de milhares de cidadãos.

É urgente que o debate sobre emendas parlamentares ganhe centralidade no debate público. O Brasil precisa rever profundamente a forma como distribui e fiscaliza o uso desses recursos. Não se trata de eliminar o instrumento, mas de transformá-lo em ferramenta de desenvolvimento real e equitativo. A saúde deve ser prioridade, e isso precisa estar refletido em cada decisão orçamentária.

É uma pena que, enquanto isso não acontece, o cidadão comum continue enfrentando corredores lotados, espera indefinida e sofrimento evitável. O leito que falta hoje pode ser o de qualquer um de nós amanhã. E, nesse ponto, o problema deixa de ser só do outro: é, e sempre foi, um problema de todos.

Assine o Correio do Estado

ARTIGOS

Hierarquia em postos de trabalho: lutas e dilemas

16/05/2025 07h45

Arquivo

Continue Lendo...

As responsabilidades dos postos de trabalho são diversas e complexas e respondem a uma hierarquia estrutural das empresas. Recentemente, fiz mais uma entrevista em uma organização para uma vaga disponível e, mais uma vez, ofereceram-me uma colocação que não tinha nada a ver com a minha formação e experiência profissional. Era um posto de assistente administrativo, para atender, no balcão, as pessoas que necessitam de encaminhamento e orientação. Sendo psicóloga de formação, com pós-graduação em Psicoterapia de Orientação Analítica, encerrando mais uma em transtorno do espectro autista (TEA), e professora de Libras, me assustei com a completa invisibilidade do meu currículo para a empresa.

Para revidar esta proposta, perguntei à pessoa que estava me entrevistando se não havia uma vaga para a área de Psicologia. Percebi que o que eu estava perguntando era irreal para a empresa, porque este posto não é, em geral, ofertado para pessoas com deficiência (PCDs). Ainda que eu sonhe com esse posto, o mercado de trabalho não reserva esse espaço para mim. Existe somente uma compreensão: as organizações só empregam PCDs em razão da Lei de Cotas, artigo 93 da Lei nº 8.213/91, porém, não garantem a inclusão nem minimizam as discriminações.

Ter algum tipo de deficiência não pode anular a capacidade e as habilidades dos profissionais. Como podemos mostrar isso para a sociedade? Como podemos nos empoderar para enfrentarmos essas barreiras?

As dificuldades e os empecilhos da aceitação social da diversidade são marcas que vieram com a escravidão portuguesa, com as propagandas de governos sobre o branqueamento da população e com o apagamento de classes desfavorecidas. Os preconceitos se multiplicaram durante mais de dois séculos, e nos encontramos diante de uma batalha de titãs. Não podemos esmorecer. Temos de nos fortalecer por meio de cursos de formação, da divulgação de textos, de fazer com que as leis sejam cumpridas, criando associações, grupos de trabalho, grupos de estudos, entre outras atividades que possam nos legitimar como grupo social.

Podemos criar projetos e planos de carreira para desmantelar essa cultura empresarial de rejeitar a troca de saberes e conhecimentos na hierarquia dos postos de trabalho. Precisamos também garantir nosso lugar, para que possamos nos desenvolver e conseguir crescer junto com os demais funcionários. Não falo sozinha, pois, sempre que discuto com meus colegas nas redes sociais, vejo que eles e elas também se manifestam nesse sentido de não lhes darem oportunidade de avançar em suas carreiras profissionais.

Apesar de estarmos tão avançados nos meios de comunicação e nas tecnologias da informação, parece que os preconceitos não caminham paralelamente. Pelo contrário, parece que se acentuam. Ainda que aceitemos os tratamentos indevidos pelas empresas, precisamos combater as indiferenças, as humilhações e as dificuldades de relacionamento para alcançarmos vagas de trabalho condizentes com nossa formação e experiência profissional.

Menciono aqui as pessoas com autismo, que podem e devem trabalhar, pois sofrem de uma condição que não pode ser vista como uma deficiência. Trata-se de um transtorno do neurodesenvolvimento do indivíduo que interfere na capacidade de interação social, linguagem, comunicação e comportamento e que pode ser tratado por meio de terapias.

Atualmente, temos muitos diagnósticos de TEA tardios, pois o transtorno inclui uma variedade de características, mas, com acompanhamento especializado, são pessoas e profissionais capacitados para estudar e trabalhar.

Assine o Correio do Estado

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).