Artigos e Opinião

CRÔNICA

Maria da Glória Sá Rosa: "Reflexões de uma professora"

Maria da Glória Sá Rosa: "Reflexões de uma professora"

Redação

25/08/2015 - 00h00
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Fui buscar em Camões a justificativa de minha persistência numa profissão que foi a razão de minha longa existência. As asas da memória me transportam aos oito anos, repletos de sonhos, esperanças e ilusões.

Revivo a época do internato do Ginásio  Juvenal de Carvalho, em Fortaleza, onde me vejo rodeada de coleguinhas, tentando fazê-las decifrar os mistérios dos textos de Português.

Alguns anos depois, no Colégio Santa Inês, em São Paulo, era a mim que recorriam as colegas, quando os textos de  Machado de Assis lhes pareciam mais complicados que os dos teoremas de Matemática ou Física.

De onde me vinha o prazer de ensinar, como irreprimível vocação a que não conseguia escapar?
O prazer de ler e comentar, de passar meus conhecimentos a minhas amigas, era algo irresistível, como saborear um copo de água gelada numa tarde de calor. O gosto cresceu, definiu-se, quando me matriculei na PUC do Rio de Janeiro, para cursar Línguas Neolatinas, e tive a ousadia de dar aulas numa escola do morro de  São Carlos, para um grupo de alunos endiabrados, que não prestavam a mínima atenção aos ensinamentos preparados com o maior carinho.

Minha experiência terminou no curso primário, quando a classe estremeceu com uma bomba lançada por um garoto. 

Compreendi, em minha ignorância, que a necessidade do preparo didático era  fundamental no trabalho de envolvimento com crianças e adolescentes. A  improvisação só valia para os gênios, e este não era meu caso.

Os anos giraram como folhas ao vento e, em 1950, formada, retornei a Campo  Grande, ansiosa para desenvolver a profissão a que me agarrava como uma segunda  vida. Comecei dando aulas no Oswaldo Cruz, no Auxiliadora, no Estadual, nos anos  escuros de 1950, nos quais a falta de luz nunca diminuiu a minha paixão de encontrar os  alunos e abrir-lhes o coração e a alma para as coisas significativas da vida.

A convite do Padre Angello Ventureli, participei da fundação da Faculdade Dom Aquino, onde lecionei mais de dezessete anos e adquiri os melhores  amigos de minha vida, tanto  no  que se refere aos alunos como aos professores. 

Atualmente, a maioria delas são professoras de universidades, exercem cargos elevados em tribunais, escreveram importantes obras, dirigem cursos de línguas.

A convite do reitor João Pereira da Rosa, ingressei na UFMS, onde me aposentei  depois de 26 anos dedicados ao ensino e à cultura. Ia de carro, de Jeep, com o coração  transbordando na esperança de dar minhas aulas. Gostava cada vez mais do contato com os livros, funcionários, colegas e alunos. 

Um de meus maiores prazeres é ser reconhecida na rua por esses alunos, que vivem dentro de minhas lembranças como árvores que se alimentaram do saber e da confiança no viver.
Conheço muitas pessoas que se sentiram bem mudando de profissão. Isso não  acontece comigo. Minha profissão é minha raiz de felicidade. Nunca pensei em mudar.  

Bretch dizia: “Fui e sou um homem de teatro”. Afirmo: Fui e sou uma professora, as  transformações que marcaram minha vida não foram suficientes para mudar minha vontade de ser apenas uma professora.

EDITORIAL

Fronteira exige integração de forças

Fortalecimento da Bolívia e cooperação policial são essenciais para conter a expansão de facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital na região

08/11/2025 07h15

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O avanço de organizações criminosas na região de fronteira deveria soar como alerta permanente para Mato Grosso do Sul.

Nesta edição, mostramos como o Primeiro Comando da Capital (PCC) ganha cada vez mais força na Bolívia, ampliando seu raio de atuação em um país que, lamentavelmente, atravessou nos últimos anos uma série de tensões sociais, instabilidades políticas e crises institucionais.

E o criminoso, que opera no submundo, prospera justamente em ambientes frágeis: quanto mais fraco o Estado, maior o espaço para que estruturas paralelas tentem ocupar funções que não lhes pertencem.

Esse contexto traz responsabilidades diretas para o Brasil – e especialmente para MS, na linha de frente geográfica e estrutural desse fenômeno transnacional. Historicamente, somos exportadores de criminosos para países vizinhos.

Quando facções brasileiras se espraiam para além das nossas fronteiras, não se trata apenas de um problema “dos outros”, é também um reflexo da incapacidade nacional de conter sua expansão interna.

Por isso, é dever do Estado brasileiro auxiliar as forças policiais da Bolívia, assim como do Paraguai, na contenção desse avanço. A cooperação regional não é gesto de gentileza, mas de sobrevivência institucional.

Do lado de cá, Mato Grosso do Sul sente diariamente os efeitos dessa dinâmica criminosa. O crime organizado não respeita divisa de estado nem fronteira de país. Ele se desloca com rapidez, amplia conexões, diversifica atividades e opera como uma rede que atravessa territórios com naturalidade.

Se o crime se organiza de forma transversal, o combate a ele precisa seguir a mesma lógica. Não bastam ações isoladas ou respostas pontuais. É preciso padronizar procedimentos, integrar inteligências, compartilhar informações e investir de forma contínua em tecnologia capaz de antecipar movimentos, e não apenas reagir a eles.

A transversalidade, portanto, é o caminho. A força policial de MS já demonstra capacidade acima da média nacional para enfrentar facções, mas, na prática, isso ainda não basta.

É fundamental que os governos federal e estadual e as polícias dos países vizinhos concentrem esforços na construção de uma estratégia regional de combate ao crime organizado. Investir em integração não é custo, é escudo.

Se a Bolívia vive um momento de fragilidade institucional, cabe ao Brasil – e especialmente a estados como o nosso – trabalhar para que o país vizinho se torne mais forte e mais resistente. Isso inclui apoiar, treinar, orientar e cooperar.

O mesmo vale para o Paraguai. Sem parceiros firmes do outro lado da fronteira, nossa própria segurança se erode.

Em um cenário no qual as facções evoluem rapidamente, não há espaço para improvisos. O combate eficaz exige planejamento, cooperação e tecnologia. Este é, e precisa ser, o caminho.

ARTIGOS

Extraditar ou não: o dilema europeu entre cooperação e direitos humanos

Decisão histórica do Tribunal Superior Regional de Munique evidencia o crescente escrutínio judicial em torno das transferências transfronteiriças quando os direitos fundamentais podem estar em risco, mesmo dentro do espaço judicial europeu

07/11/2025 07h45

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Recentemente, o Tribunal Superior Regional de Munique suspendeu temporariamente a extradição de um indivíduo para a Itália, citando sérias preocupações sobre as condições de detenção nas prisões italianas – consideradas desumanas e degradantes.

A decisão histórica evidencia o crescente escrutínio judicial em torno das transferências transfronteiriças quando os direitos fundamentais podem estar em risco, mesmo dentro do espaço judicial europeu.

O caso envolveu um mandado de detenção europeu por tentativa de homicídio e outras acusações. Embora o tribunal tenha aprovado inicialmente a extradição em setembro, a defesa apresentou, em sede de recurso, novas evidências sobre problemas sistêmicos no sistema prisional italiano.

Entre os principais argumentos estavam a superlotação das prisões, condições higiênicas precárias, relatos de infestações de pragas – incluindo ataques de percevejos sofridos pelo próprio acusado em detenção anterior – e relatórios de organizações como a Antígona, que documentam a deterioração estrutural do sistema carcerário.

O tribunal alemão reconheceu potenciais violações ao artigo 4 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que proíbe a tortura e o tratamento desumano ou degradante, e exigiu garantias vinculativas das autoridades italianas antes de autorizar a extradição.

O caso reforça que os princípios de reconhecimento mútuo e cooperação judicial, pilares da União Europeia, não podem se sobrepor à proteção dos direitos humanos.

Cabe aos tribunais nacionais verificar se as condições de detenção respeitam a dignidade humana, exigindo garantias concretas quando houver evidências de violações.

Além de seu impacto imediato, a decisão estabelece precedentes relevantes para casos de extradição em outros países, inclusive fora da Europa.

Situações semelhantes podem surgir quando a Itália é o Estado requerente – como em pedidos de extradição dirigidos ao Brasil, baseados em mandados internacionais e inserções na Interpol.

Nesses contextos, a defesa pode invocar não apenas o risco de tratamento degradante, mas também princípios jurídicos como o da dupla incriminação e outros fundamentos técnicos que autorizam a recusa da extradição.

Trata-se de um exemplo emblemático de como a advocacia, apoiada em documentação consistente e na observância de garantias fundamentais, pode assegurar que a cooperação internacional em matéria penal não se transforme em conivência com violações de direitos humanos.

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