Artigos e Opinião

ARTIGO

Mário Amaral Rodrigues: "As águas vão rolar, e não serão as do pranto"

Professor aposentado da UFMS

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O progresso é dadivoso, irreversível e, não raro, apocalíptico. Ele, sem dúvida, nos deu, por exemplo, a crise hídrica em que estamos mergulhados. É bom abordar este tema aqui. Leitores há, e não são poucos, que são testemunhas do que ora relato, passado na nossa Campo Grande. Lotfi (José Lotfi Correia), hoje famoso advogado, Governador do Rotary (Distrito 4470) 2014, se não me engano no ano, batíamos alegre papo quando lembramos nosso tempo de pré-adolescente (ele bem mais jovem) e nadamos na Cachoeira do Revellion (eu matando aula) que era bem ali, no exato piso do Supermercados Extra da Maracaju. Muitos do de nossa época iam até lá motivados pela informação (que eu confirmei) que “alguém” trajava “topless” por lá. A cachoeira era de lindas águas, creiam. Lindas águas também se via no Córrego Prosa, ali nos fundos do hoje Quartel da PE (Polícia do Exército) e também logo acima da ponte (Rua Joaquim Murtinho), onde pesquei. Meu especial  amigo João Pereira da Rosa, um dos fundadores e primeiro reitor da U.F.MS, fiel herdeiro do nobre Nestor Pereira, seu pai e também meu amigo, se manteve preservador da mata ciliar do Córrego Lageado, de suave deslizar junto à então Escola Tia Olívia, de brilhante ação educativa preservacionista, alertando para o não poluir curso d”água, em especial.

Pesquei ali também, ainda criança. Não muito distante dos nossos dias, em 1960,  vi uma “subida de cascudos” no Prosa. A Cachoeira do Revellion foi sepultada sob um supermercado. O Prosa é um canal concretado e o que nele corre não se pode chamar de água. Da mata ciliar do Lageado restam poucos metros e sua água (pouca) potável não é mais. Fauna aquática nos cursos d’água citados, só na lembrança de quem tem a felicidade de tê-la. Pior ainda estão os de minha idade, ou mais, que nasceram junto ao Rio Tietê.    

Saudade, é sentimento que arrisca à melancolia e, o que mais grave, à depressão. Esperança é vacina contra este e quaisquer outros males. Ela é suporte da fé. O homem, o único animal que modifica o meio, para sua proteção, conforto, economia de esforço e ampliação da comunicação. Porém, ao fazê-lo, ele cria quadros como o antes apontado, ameaçando sua própria existência. 

Mas, exatamente a ele, é dado o poder de criar e também o de transformar. Ao constatar que ação sua o ameaça, como os polímeros (plásticos), por exemplo, substitui-lo-á por biodegradável, enquanto recicla ciclicamente o que já está aí. Toma os detritos resultantes de sua existência e os torna aproveitáveis (adubo). O homem continuará existindo, ainda que não se multiplique como o faz hoje. Viverá mais do que vive hoje, retirará o que de mal já colocou na água, no ar e na terra.

Chamará de volta o que extinguiu e lhe faz falta. Evitará a extinção do que ele próprio colocou em tal risco. Resgatará a água sepultada, a fará deslizar entre florestas e, de novo, abrigar vida. Basta que se lembre que foi feito à imagem e semelhança de DEUS.

editorial

Violência contra a mulher e ações efetivas

Setores nostálgicos da sociedade ainda pregam o retorno a um modelo em que a mulher era silenciada, confinada ao lar e privada de voz pública

13/06/2025 07h00

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O mais recente Mapa da Segurança Pública, divulgado nesta semana pelo Ministério da Justiça, trouxe novamente um dado alarmante: o Estado de Mato Grosso do Sul continua figurando entre os líderes do ranking nacional quando o tema é violência contra a mulher. Trata-se de uma repetição trágica que vem se confirmando ano após ano, sem que haja sinais de uma reversão estrutural. Os números são um reflexo doloroso de uma realidade que exige, com urgência, uma abordagem séria, objetiva e comprometida por parte das autoridades.

O enfrentamento da violência contra a mulher exige mais do que discursos bem-intencionados. Ele exige dados, precisão nas políticas públicas e, sobretudo, vontade política. A primeira e mais óbvia necessidade é garantir que os agressores sejam punidos com rigor. Não por desejo de vingança, mas por um princípio essencial do Direito Penal: a punição eficaz tem função pedagógica e dissuasória. Onde há impunidade, há incentivo ao crime. Onde há resposta firme do Estado, há limites sendo reafirmados.

Mas a efetividade da lei não se mede apenas pela quantidade de anos previstos em uma pena. A lei só é respeitada quando é aplicada de forma real, rápida e visível. Isso requer mais do que papel e tinta — requer fiscalização, presença ostensiva, estrutura e recursos humanos preparados. Tudo isso custa dinheiro. E mais que isso: custa tempo, comprometimento e esforço coordenado entre o Executivo, o Judiciário, os órgãos de segurança e os sistemas de proteção social.

A verdade incômoda é que, sem vontade política clara e corajosa para enfrentar os agressores de mulheres, os números continuarão altos. Não se pode permitir que casos de violência sejam tratados com negligência ou relativismo, como se fossem apenas conflitos domésticos ou “questões privadas”. A omissão do poder público e da sociedade civil, em qualquer nível, é cúmplice da perpetuação da violência.

Além da resposta penal, há um desafio ainda maior: o da transformação cultural. É preciso romper com a cultura da subjugação das mulheres, que ainda encontra espaço em muitos setores da sociedade. Não adianta o Estado fazer campanhas sobre respeito e igualdade se, ao mesmo tempo, líderes religiosos ou comunitários reforçam discursos que colocam a mulher em posição de inferioridade. A sociedade precisa decidir, coletivamente, qual papel deseja dar às mulheres — e essa decisão deve ser baseada em igualdade, dignidade e liberdade.

É verdade que os tempos mudaram, e que hoje há mais autonomia feminina do que em décadas passadas. No entanto, setores nostálgicos da sociedade ainda pregam o retorno a um modelo em que a mulher era silenciada, confinada ao lar e privada de voz pública. Essa nostalgia que não respeita a autonomia da mulher — muitas vezes romantizada como “valores da família” — precisa ser encarada como parte do problema, e não como solução.

Reduzir a violência contra a mulher no Mato Grosso do Sul e no Brasil é possível. Mas isso exigirá ação efetiva, punição exemplar aos agressores, investimento público contínuo e coragem para enfrentar costumes nocivos à diginidade das mulheres ainda presente nas instituições e no cotidiano. Não há caminho mais curto — nem mais necessário.

ARTIGOS

Caetano canta música evangélica e o erro estratégico de setores progressistas

10/06/2025 07h45

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A cena é recorrente nos shows de Caetano Veloso: após sucessos consagrados de seu repertório, o artista entoa a canção “Deus Cuida de Mim”, do pastor Kleber Lucas. A resposta do público, composto em larga medida por admiradores laicos, progressistas e críticos do fundamentalismo religioso, é fria, por vezes, entremeada por vaias.

Muitos entendem essa escolha uma provocação deslocada, uma suposta concessão ao bolsonarismo, dado o histórico apoio evangélico à extrema direita. No entanto, essa leitura é, para dizer o mínimo, apressada e míope. Caetano não cede ao senso comum, mas propõe, pela via da música, uma reflexão profunda sobre escuta, alteridade e a complexidade da experiência religiosa no Brasil.

Reduzir os evangélicos à caricatura do reacionário militante é ignorar a pluralidade real e histórica desse campo e, no atual estado de coisas, incentivar a radicalização de muitos grupos.

Kleber Lucas, pastor batista, negro, progressista e oriundo de comunidade periférica no Rio de Janeiro (RJ), é um exemplo eloquente da riqueza que existe dentro do universo evangélico. Sua trajetória, marcada por pontes entre tradições religiosas, pelo respeito às culturas de matriz africana e pelo compromisso com a justiça social, destoa da retórica de ódio que contaminou setores das igrejas.

Quando Caetano escolhe cantar Kleber, ele o faz com plena consciência: não por ignorância sobre a força do bolsonarismo entre evangélicos, mas justamente para resgatar, em meio ao ruído, vozes que dissonam e que são invisibilizadas. Há, portanto, um erro estratégico e moral no impulso de vaiar Caetano. Rejeitar a canção e a sua proposta é rejeitar o convite a enxergar o outro em sua inteireza, com suas contradições e insurgências internas.

Ao zombar da religiosidade popular, sobretudo quando encarnada em sujeitos negros, pobres e periféricos, setores do campo progressista acabam por reproduzir o elitismo que denunciam e contribuem, inadvertidamente, para o isolamento de milhões de brasileiros.

O abandono simbólico das massas evangélicas, tratadas como um bloco homogêneo e retrógrado, é uma das razões pelas quais a extrema direita tem conseguido monopolizar esse campo. A política, afinal, não se faz só com razão: exige também empatia, imaginação e capacidade de escuta.

Cantar Kleber Lucas em um palco para o público majoritariamente progressista é, da parte de Caetano Veloso, um gesto político potente e perigosamente mal compreendido. Se a esquerda deseja cativar um público maior, precisa deixar de lado o conforto da superioridade moral e compreender, com generosidade e estratégia, a religiosidade do povo.

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