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O impacto das desigualdades no tratamento de câncer infantojuvenil no Brasil

O câncer não escolhe cor nem classe social, porém no Brasil o acesso à cura ainda é determinado pelo CEP, onde nasceu ou a cor da sua pele

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O câncer não escolhe cor nem classe social. No Brasil, porém, o acesso à cura ainda é determinado por fatores que jamais deveriam influenciar a vida de uma criança, como o CEP onde nasceu ou a cor da sua pele. No Dia da Consciência Negra, torna-se inevitável refletir sobre desigualdades que persistem até mesmo nos espaços onde a vida deveria ser prioridade: os hospitais.

O câncer é hoje a principal causa de morte por doença entre crianças e adolescentes no País, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA). A boa notícia é que, quando diagnosticado precocemente e tratado em centros especializados, as chances de cura podem chegar a 80%. A má notícia é que essa taxa não é realidade para todos. No Norte e Nordeste, por exemplo, a sobrevida cai para cerca de 50%, enquanto nas regiões Sul e Sudeste chega a 75%. Essa diferença não se explica por biologia, mas por desigualdade: falta de infraestrutura hospitalar, escassez de profissionais especializados, barreiras de deslocamento e condições socioeconômicas que limitam o acesso ao cuidado.

Na população negra e parda, que representa mais da metade do País, essas dificuldades se somam a outras, mais silenciosas, como o racismo estrutural e o subdiagnóstico. Um estudo feito por Morshed, Haskard-Zolnierek e Zhan (2020) demonstra que crianças negras são diagnosticadas com câncer em estágios mais avançados da doença, o que reduz as chances de cura e aumenta o tempo de internação. A desigualdade, portanto, não está só no tratamento, mas na demora para que o sistema de saúde as “veja”.

A experiência do Instituto Ronald McDonald ao longo de mais de duas décadas de atuação mostra, na prática, como a geografia e a renda podem definir o destino de uma família. Em muitas regiões, mães e pais viajam dias para conseguir atendimento. Em algumas comunidades ribeirinhas, o deslocamento até o centro de referência pode levar até 72 horas de barco. Nessas condições, manter o tratamento contínuo é um desafio gigantesco, e a desistência, infelizmente, uma realidade.

Nos nossos programas, buscamos oferecer uma resposta concreta a essa desigualdade. As famílias hospedadas recebem alimentação, transporte, apoio psicológico, atividades pedagógicas e cursos profissionalizantes, para que possam permanecer próximas às crianças durante todo o tratamento. Já as unidades do Programa Espaço da Família Ronald McDonald, instaladas dentro dos hospitais, proporcionam um local de descanso e acolhimento, onde o cuidado se estende a quem cuida.

Essas ações fazem parte de uma estratégia de atenção integral, que entende que saúde não é apenas ausência de doença. É também o equilíbrio entre corpo, mente e contexto social. Em 2024, mais de 78% das famílias atendidas pelo Instituto declararam viver com até, no máximo, dois salários-mínimos, e 84% afirmaram que não teriam onde ficar caso não tivessem o apoio das unidades do Programa Casa Ronald McDonald. Esse dado revela o quanto o acolhimento é um fator determinante de equidade.

Como mulher, mãe e profissional que há 20 anos acompanha de perto a luta contra o câncer infantojuvenil, vejo diariamente como as desigualdades corroem não só as estatísticas, mas a esperança. O diagnóstico tardio, o abandono do tratamento, a falta de estrutura e o preconceito são faces de um mesmo problema: um país que ainda não garante às suas crianças as mesmas chances de viver.

Mas também vejo algo maior: a força das famílias que resistem. Mães que enfrentam madrugadas em filas, pais que aprendem a aplicar medicamentos, comunidades inteiras que se mobilizam para arrecadar o valor de uma passagem de ônibus. São histórias que me lembram, todos os dias, por que a luta pela equidade é, antes de tudo, uma luta pela humanidade.

O câncer pode ser uma das batalhas mais difíceis da infância, mas ele não precisa ser uma sentença injusta. Precisamos continuar ampliando o acesso, investindo em diagnóstico precoce e fortalecendo políticas públicas que garantam que nenhuma criança tenha o destino determinado pelo CEP ou pela cor da pele. A cura deve ser um direito, e não um privilégio.

EDITORIAL

Mobilidade em risco no momento mais crítico

Em dezembro, quando a cidade deveria estar focada em avançar economicamente e aquecer o comércio, o risco de paralisação do transporte coletivo soa como um alerta vermelho

06/12/2025 07h15

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A ameaça de paralisação do transporte coletivo em pleno fim de ano é tudo o que Campo Grande não precisava enfrentar. Em um período naturalmente sensível para a economia – com comércio aquecido, maior demanda por serviços e intensa circulação de pessoas –, qualquer instabilidade se transforma em prejuízo social e financeiro.

A cidade depende do funcionamento do sistema de ônibus para manter seu ritmo, e qualquer incerteza coloca em risco não apenas o deslocamento diário da população, mas também o desempenho econômico de diversos setores. A engrenagem urbana, especialmente em dezembro, não tolera paradas bruscas.

O Consórcio Guaicurus, responsável pelo transporte coletivo da Capital, afirma que enfrenta dificuldades financeiras severas e que não dispõe de recursos para pagar o 13º salário de motoristas e demais funcionários. Alega atrasos em repasses de subsídios públicos, que são parte importante da equação econômica do sistema.

Por trás da disputa técnica entre governo, prefeitura e consórcio, há um fato concreto: se os ônibus param, quem paga a conta é o cidadão – aquele que depende do transporte para trabalhar, estudar, acessar serviços de saúde ou simplesmente fazer suas compras de fim de ano.

É preciso compreender que a paralisação do transporte coletivo não afeta apenas quem usa o ônibus. O impacto econômico é profundo e imediato. Sem mobilidade, trabalhadores podem faltar, empresas reduzem fluxo, o comércio perde movimento e serviços deixam de ser prestados.

A suspensão da frota significa atrasos em entregas, queda no faturamento e um ciclo negativo que se espalha rapidamente pela economia local. Em um momento em que Campo Grande tenta equilibrar sua atividade econômica e superar dificuldades após a pandemia e a crise fiscal, o risco de colapso do transporte coletivo é preocupante.

No centro do impasse estão os repasses públicos – atrasados, segundo o consórcio – em um período crítico, tanto para o governo do Estado quanto para a prefeitura. O Estado enfrenta diminuição no ritmo da arrecadação, algo que afeta diretamente sua capacidade de ampliar aportes.

A prefeitura, por sua vez, vive um quadro de aperto financeiro evidente, inclusive com dificuldades para honrar seu próprio 13º salário. Não é a melhor combinação para um sistema que depende fortemente do equilíbrio entre tarifas e subsídios para funcionar.

O transporte coletivo, por sua natureza, exige previsibilidade. Quando esse elemento desaparece, todo o sistema fica vulnerável. A população, já acostumada a enfrentar ônibus lotados, longas esperas e limitações estruturais, não pode ser penalizada novamente por questões administrativas ou disputas financeiras.

É momento de responsabilidade de todas as partes: o consórcio precisa demonstrar transparência sobre suas contas; o poder público precisa oferecer clareza sobre repasses e obrigações; e ambos precisam agir com rapidez para evitar que a cidade pare.

Em dezembro, quando Campo Grande deveria estar focada em avançar economicamente, aquecer o comércio e garantir a normalidade da rotina urbana, o risco de paralisação do transporte coletivo soa como um alerta vermelho.

Não se trata de um problema setorial, mas de uma ameaça ao funcionamento da cidade como um todo. A solução precisa ser imediata, dialogada e comprometida com a continuidade do serviço. A população não pode – e não deve – ser a parte mais prejudicada dessa equação.

ARTIGOS

Trump e Maduro: uma questão de legitimidade

O campo para debate a respeito da conduta das duas figuras políticas é fértil e tende a ativar muitas paixões

05/12/2025 07h45

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O tensionamento da relação entre Estados Unidos e Venezuela nos últimos tempos tem produzido uma série de reflexões sobre os motivos (reais ou alegados) acerca de tal panorama e o impacto que a disputa pode produzir no Brasil em termos geopolíticos, dado o posicionamento do governo federal atual sobre a situação e, especificamente, sobre os mandatários Donald Trump e Nicolás Maduro. Em última análise, a questão diz respeito ao conceito de legitimidade, ponto que merece alguma discussão.

A noção de que algo é legítimo se refere ao fato de que uma determinada situação está de acordo com o direito ou com a concepção social de justiça, ou seja, além da mera aferição formal de legalidade. Assim sendo, o campo para debate a respeito da conduta das duas figuras políticas é fértil e tende a ativar muitas paixões.

Primeiramente, há que se verificar a legitimidade do mandato presidencial de Maduro para, na sequência, refletir acerca da legitimidade da ação de Trump em relação à Venezuela. Ainda que sejam assuntos teoricamente independentes, parece difícil negar a vinculação existente entre os assuntos, com maior ou menor relevância, a depender da ótica do analista.

A eleição presidencial na Venezuela, ocorrida em 2024, colocou diante de Nicolás Maduro a oposicionista María Corina Machado, que foi impedida de concorrer, sendo substituída por Edmundo González Urrutia como figura principal de contraponto ao presidente durante o pleito.

Sob acusação da oposição e de observadores internacionais de falta de clareza na contagem de votos, não houve o reconhecimento da vitória de Maduro, que está no cargo desde 2012, primeiro interinamente (em substituição a Hugo Chávez) e, depois, por meio de eleições, realizadas em 2013 e 2018, mas a última vitória também havia sido objeto de muita discussão em decorrência da suspeita de fraude.

Nos últimos meses, sob o argumento de combate ao tráfico de drogas na América Latina, o governo norte-americano tem aumentado a pressão sobre maduro, alegando que ele teria ligação com o Cartel de los Soles, inclusive estabelecendo uma recompensa de US$ 50 milhões por informações aptas a levar à captura do atual presidente venezuelano.

A chegada do gigantesco porta-aviões USS Gerald Ford à região do Mar do Caribe reforçou a tensão e a possibilidade de que uma atitude mais drástica possa ocorrer a qualquer momento. A caracterização de grupos criminosos ligados ao narcotráfico como terroristas, responsáveis por efeitos nocivos no território norte-americano, é utilizada como argumento por Trump para justificar a ação mais incisiva.

O Brasil, como principal potência regional da América do Sul, é claramente agente interessado no desenrolar dos fatos, pois o conflito envolve a nação mais forte militar, política, cultural e economicamente do mundo e um país fronteiriço.

A grande questão é que está se aproximando, cada vez mais, o momento em que o posicionamento brasileiro pode trazer consequências concretas mais efetivas ao País, do ponto de vista político e econômico, muito além da questão da ampliação das tarifas.

A legitimidade de Maduro e Trump com relação a suas ações é pressuposto inafastável para a consideração desse complexo contexto internacional. O Brasil não pode se furtar a tomar uma posição em relação a isso em algum momento, pois muitos dos agentes envolvidos têm ligação com o País, seja historicamente ou por meio de organismos internacionais.

Ainda que, algumas vezes, certas figuras influentes politicamente queiram passar a falsa impressão de que determinadas situações complexas possam ser resolvidas de modo simples, com uma conversa, é evidente que o caso envolvendo Trump e Maduro pode ter implicações muito sérias para a sociedade brasileira, dado o problema nacional envolvendo o narcotráfico.

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