Artigos e Opinião

Editorial

O leito que falta: um problema de todos

O leito que falta hoje pode ser o de qualquer um de nós amanhã. E, nesse ponto, o problema deixa de ser só do outro: é, e sempre foi, um problema de todos

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É triste constatar que, em pleno 2025, Mato Grosso do Sul ainda não apresenta projetos consistentes para enfrentar a crescente escassez de leitos hospitalares na rede pública. Mais preocupante do que a ausência de iniciativas é a aparente indiferença de parte dos gestores públicos diante de um problema que, cedo ou tarde, afetará diretamente toda a população, inclusive quem hoje acredita estar protegido por planos de saúde privados.

A raiz da crise é complexa, mas há fatores evidentes e evitáveis. A baixa capacidade de investimento dos entes públicos tem um papel central, sem dúvida, mas não se pode ignorar o impacto desastroso da forma como são utilizadas as emendas parlamentares no orçamento da União. A lógica paroquial, que transforma recursos públicos em moedas de troca para atender interesses eleitorais locais, é corrosiva. Em vez de investimentos estruturantes na saúde, como a abertura de novos leitos hospitalares, o dinheiro é pulverizado em pequenas obras, compra de tratores ou projetos sem descrição clara. Atende-se a poucos, e mal.

Essa fragmentação do Orçamento revela uma distorção grave na nossa democracia representativa: a prioridade deixou de ser o bem público e passou a ser a manutenção de currais eleitorais. Enquanto isso, problemas estruturais se acumulam, sem resposta adequada. A saúde pública sente esse impacto de maneira particularmente dura. A cada novo surto, crise sanitária ou aumento de demanda, o sistema entra em colapso – não por falta de profissionais ou de capacidade técnica, mas por pura ausência de leitos disponíveis.

Campo Grande, a capital do Estado, é um retrato fiel dessa negligência. A reportagem que segue nesta edição revela o que aqueles que dependem do SUS já sabem de cor: há filas para internações, pacientes aguardando vagas em prontos-socorros superlotados e famílias angustiadas com a falta de uma estrutura minimamente adequada. E o pior: mesmo em um cenário tão crítico, as autoridades parecem pouco mobilizadas para reverter a situação.

A lógica do clientelismo que se impôs sobre a política brasileira cobra seu preço. Em vez de técnicos capacitados e compromissados com o planejamento de longo prazo, temos apadrinhados políticos ocupando cargos estratégicos. Em vez de projetos estruturantes, temos soluções paliativas – quando muito. Em vez de visão de Estado, temos cálculos eleitorais. O resultado é a perpetuação de problemas como a falta de leitos hospitalares, que compromete a vida e a dignidade de milhares de cidadãos.

É urgente que o debate sobre emendas parlamentares ganhe centralidade no debate público. O Brasil precisa rever profundamente a forma como distribui e fiscaliza o uso desses recursos. Não se trata de eliminar o instrumento, mas de transformá-lo em ferramenta de desenvolvimento real e equitativo. A saúde deve ser prioridade, e isso precisa estar refletido em cada decisão orçamentária.

É uma pena que, enquanto isso não acontece, o cidadão comum continue enfrentando corredores lotados, espera indefinida e sofrimento evitável. O leito que falta hoje pode ser o de qualquer um de nós amanhã. E, nesse ponto, o problema deixa de ser só do outro: é, e sempre foi, um problema de todos.

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Editorial

Onde está o Procon de Mato Grosso do Sul?

Eis o papel esperado de um Procon ativo: não apenas educar, mas também fiscalizar e punir quando houver abusos e isso já ocorreu um dia

10/06/2025 07h15

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Em tempos recentes, não era incomum ver equipes da Secretaria-Executiva de Orientação e Defesa do Consumidor de Mato Grosso do Sul (Procon-MS) atuando nas ruas, acompanhando de perto a oscilação nos preços dos combustíveis e fiscalizando os postos. Era um trabalho visível, ativo e que representava um alento para os consumidores, historicamente vulneráveis diante de reajustes pouco transparentes e, por vezes, abusivos. 

A simples presença dos fiscais representava um freio à esperteza de quem tentava lucrar à custa do desrespeito ao direito do consumidor.

Mas esse tempo, infelizmente, parece ter ficado para trás. O que se observa hoje é a volta de uma rotina mais familiar à máquina pública brasileira: a lentidão, a morosidade e o desinteresse. A ausência do Procon-MS nas ruas é notável, e a sua omissão diante das recentes variações nos preços dos combustíveis levanta dúvidas legítimas sobre a continuidade e o comprometimento de sua atuação. A fiscalização sumiu, 
e com ela parte da confiança do cidadão.

Recentemente, conforme reportado nesta edição, houve duas reduções no preço da gasolina em nível nacional. No entanto, os consumidores sul-mato-grossenses não sentiram nenhum alívio no bolso – a queda não foi repassada às bombas. E o que é pior: tudo indica que o benefício da redução foi embolsado por distribuidoras e proprietários de postos. Trata-se de uma manobra silenciosa, mas escandalosa, que prejudica milhares de motoristas e trabalhadores diariamente.

Nesse cenário, resta ao cidadão a ingrata tarefa de se proteger como pode. Pesquisar preços, buscar o posto mais em conta, tentar fazer valer cada centavo gasto – essa é a única arma à disposição do consumidor comum. Embora importante, essa estratégia individual não substitui a ação do Estado, que tem instrumentos legais e institucionais para coibir abusos de forma estruturada e eficaz.

O que não se entende é por que essas ferramentas não estão sendo utilizadas. O Procon, órgão criado justamente para proteger o consumidor e fiscalizar o cumprimento das normas de defesa do consumidor, permanece inerte diante de uma situação que deveria mobilizá-lo com urgência. A omissão, nesse caso, tem consequências práticas e econômicas diretas na vida da população.

O Estado conta com meios de investigar margens de lucro, verificar notas fiscais, exigir transparência nas planilhas de custos e impor sanções quando necessário. E é esse o papel esperado de um Procon ativo: não apenas educar, mas também fiscalizar e punir quando houver abusos. Ignorar essa missão é abrir mão de proteger o cidadão em um dos setores mais sensíveis da economia.

Afinal, a pergunta que se impõe é simples e direta: onde está o Procon-MS? Diante de aumentos injustificados e reduções não repassadas, o silêncio do órgão não pode mais ser tolerado. A população merece respostas – e mais que isso, merece ação.

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ARTIGOS

Violência policial: a necessidade de desmilitarizar o discurso, e não a farda

06/06/2025 07h45

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Compreender a violência policial como fator intimamente ligado à militarização é, no mínimo, um equívoco teórico e um risco prático. A lógica que busca explicar a truculência de determinados (e poucos) agentes da segurança pública apenas pelo modelo organizacional das Polícias Militares (PMs) ignora variáveis mais complexas – e por isso mesmo mais relevantes – para se compreender o fenômeno.

A violência institucional, infelizmente, não é um monopólio de estruturas militares. Casos emblemáticos nos Estados Unidos, por exemplo, protagonizados por corporações civis uniformizadas, mas não militarizadas – como o Los Angeles Police Department (LAPD) –, evidenciam que o problema transcende o modelo. O episódio de Rodney King, em 1992, severamente agredido por policiais em LA, é ilustração contundente dessa constatação.

A meu ver, a raiz da violência policial pode ter múltiplos fatores: cultura institucional autoritária, falhas estruturais de formação, precarização das condições de trabalho e ausência de mecanismos eficientes de responsabilização. A hierarquia rígida da PM pode sim contribuir para a reprodução interna de abusos, mas fenômenos semelhantes também ocorrem em órgãos civis nos quais, não raramente, o assédio institucional se faz presente e, portanto, se reproduz para além do ambiente interno.

Não podemos nos esquecer que policiais no Brasil, de qualquer carreira (da Polícia Civil à Militar, da Federal à Rodoviária), enfrentam jornadas exaustivas, baixos salários (sobretudo em São Paulo, coincidentemente e curiosamente o estado mais rico do País), falta de equipamentos modernos e treinamento deficitário. Soma-se a isso uma formação, muitas vezes, voltada prioritariamente ao confronto, e não à mediação – o que amplifica o risco de condutas abusivas. Decidir não atirar, afinal, é tão desgastante e estrategicamente complexo do que optar em apertar o gatilho.

Soluções para isso tudo existem – e não são poucas. Contudo, passam longe da simplificação. Reestruturar a formação, valorizar os vencimentos e modernizar os currículos com foco em direitos humanos e na tutela coletiva eficaz dos interesses da sociedade, levando em consideração – de modo preponderante – o ser humano policial, podem ser algumas delas.

Ampliar o uso de tecnologias de controle (como as câmeras corporais) e garantir corregedorias fortalecidas e independentes também são medidas fundamentais para reduzir a violência estatal no País, sem que, para tanto, tenhamos que demonizar corporações inteiras em consequência apenas de sua gênese. Muito pelo contrário: é possível implementar políticas públicas de combate ao crime muito eficazes, tendo como premissa os sagrados valores da hierarquia e da disciplina, inerentes à instituição militar.

O debate sério sobre segurança pública no Brasil não se faz com slogans. É necessário abandonar o conforto das teses fáceis e enfrentar a complexidade dos fatos. Dessa forma, desmilitarizar o discurso é bem mais urgente, neste momento, do que desmilitarizar a farda. Não é o momento de adotarmos posturas simplistas e flagrantemente oportunistas.

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