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O que está por trás do aumento dos alimentos?

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Em meio a debates acalorados sobre o aumento dos preços dos alimentos, é comum vermos dedos apontados para o agronegócio de forma acusadora. Mas será que essa narrativa reflete a realidade complexa do setor?
Primeiramente, é preciso entender: o agronegócio não é uma organização sem fins lucrativos. É um setor econômico vital, responsável não apenas por alimentar o Brasil, mas também por contribuir significativamente para a alimentação global. Quando falamos em “sustentar o mundo”, não estamos usando uma hipérbole, estamos descrevendo uma realidade econômica e social, mas o setor tem enfrentado alguns desafios nos últimos anos: as mudanças climáticas.

O fenômeno El Niño, que em 2024 causou secas no Norte e no Nordeste e excesso de chuvas no Sul, teve um impacto direto na produção de alimentos e, consequentemente, no aumento dos preços. De acordo com a consultoria LCA, 2,25 pontos porcentuais da inflação de 8,22% da alimentação em domicílio no Brasil em 2024 foram causados diretamente por esse fenômeno climático e a tendência é que esses efeitos persistam neste ano todo.

Temos também questões econômicas envolvidas. Com a valorização do dólar frente ao real, houve um aumento no custo de insumos importados essenciais para produções agrícolas e um aumento de demanda devido à queda do desemprego e ao crescimento do PIB. Esse cenário só evidencia ainda mais que as causas da inflação dos alimentos são variadas e não podem ser atribuídas exclusivamente ao agronegócio.

É crucial que as pessoas compreendam que por trás de cada alimento há uma cadeia de valor complexa, que envolve trabalho duro, investimento constante e gestão de riscos significativos. Para o consumidor urbano, o leite simplesmente “vem da vaca”. Mas a realidade é muito diferente. O mesmo se aplica ao algodão, outro produto frequentemente subestimado e que não é só um item de farmácia, é a base de uma indústria gigantesca que veste o mundo e produz inúmeros itens essenciais para nosso dia a dia.

O agronegócio não é o vilão da inflação, mas sim um setor que luta contra adversidades climáticas, flutuações econômicas e desafios logísticos para continuar produzindo alimentos para o Brasil e para o mundo. Como setor, precisamos ser mais eficazes em comunicar nossa realidade. É necessário que a sociedade urbana entenda os verdadeiros custos e riscos enfrentados pelos produtores. As oscilações climáticas, as pragas, as flutuações do mercado internacional – todos esses fatores impactam diretamente o produtor rural. O preço final de um produto agrícola reflete não apenas o custo de produção, mas também o risco assumido pelo produtor.

Ao mesmo tempo, reconhecemos a necessidade de continuar investindo em tecnologias sustentáveis e práticas que minimizem o impacto ambiental. O agronegócio brasileiro tem o potencial de liderar globalmente a produção sustentável. É hora de superarmos narrativas simplistas e reconhecermos o valor real deste setor. Como costumo dizer, “mais vale um pingo de caneta do que um quilo de memória”. Que este artigo sirva como esse pingo de caneta, registrando e valorizando a realidade complexa e essencial do agronegócio brasileiro.

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Editorial

Onde está o Procon de Mato Grosso do Sul?

Eis o papel esperado de um Procon ativo: não apenas educar, mas também fiscalizar e punir quando houver abusos e isso já ocorreu um dia

10/06/2025 07h15

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Em tempos recentes, não era incomum ver equipes da Secretaria-Executiva de Orientação e Defesa do Consumidor de Mato Grosso do Sul (Procon-MS) atuando nas ruas, acompanhando de perto a oscilação nos preços dos combustíveis e fiscalizando os postos. Era um trabalho visível, ativo e que representava um alento para os consumidores, historicamente vulneráveis diante de reajustes pouco transparentes e, por vezes, abusivos. 

A simples presença dos fiscais representava um freio à esperteza de quem tentava lucrar à custa do desrespeito ao direito do consumidor.

Mas esse tempo, infelizmente, parece ter ficado para trás. O que se observa hoje é a volta de uma rotina mais familiar à máquina pública brasileira: a lentidão, a morosidade e o desinteresse. A ausência do Procon-MS nas ruas é notável, e a sua omissão diante das recentes variações nos preços dos combustíveis levanta dúvidas legítimas sobre a continuidade e o comprometimento de sua atuação. A fiscalização sumiu, 
e com ela parte da confiança do cidadão.

Recentemente, conforme reportado nesta edição, houve duas reduções no preço da gasolina em nível nacional. No entanto, os consumidores sul-mato-grossenses não sentiram nenhum alívio no bolso – a queda não foi repassada às bombas. E o que é pior: tudo indica que o benefício da redução foi embolsado por distribuidoras e proprietários de postos. Trata-se de uma manobra silenciosa, mas escandalosa, que prejudica milhares de motoristas e trabalhadores diariamente.

Nesse cenário, resta ao cidadão a ingrata tarefa de se proteger como pode. Pesquisar preços, buscar o posto mais em conta, tentar fazer valer cada centavo gasto – essa é a única arma à disposição do consumidor comum. Embora importante, essa estratégia individual não substitui a ação do Estado, que tem instrumentos legais e institucionais para coibir abusos de forma estruturada e eficaz.

O que não se entende é por que essas ferramentas não estão sendo utilizadas. O Procon, órgão criado justamente para proteger o consumidor e fiscalizar o cumprimento das normas de defesa do consumidor, permanece inerte diante de uma situação que deveria mobilizá-lo com urgência. A omissão, nesse caso, tem consequências práticas e econômicas diretas na vida da população.

O Estado conta com meios de investigar margens de lucro, verificar notas fiscais, exigir transparência nas planilhas de custos e impor sanções quando necessário. E é esse o papel esperado de um Procon ativo: não apenas educar, mas também fiscalizar e punir quando houver abusos. Ignorar essa missão é abrir mão de proteger o cidadão em um dos setores mais sensíveis da economia.

Afinal, a pergunta que se impõe é simples e direta: onde está o Procon-MS? Diante de aumentos injustificados e reduções não repassadas, o silêncio do órgão não pode mais ser tolerado. A população merece respostas – e mais que isso, merece ação.

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Violência policial: a necessidade de desmilitarizar o discurso, e não a farda

06/06/2025 07h45

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Compreender a violência policial como fator intimamente ligado à militarização é, no mínimo, um equívoco teórico e um risco prático. A lógica que busca explicar a truculência de determinados (e poucos) agentes da segurança pública apenas pelo modelo organizacional das Polícias Militares (PMs) ignora variáveis mais complexas – e por isso mesmo mais relevantes – para se compreender o fenômeno.

A violência institucional, infelizmente, não é um monopólio de estruturas militares. Casos emblemáticos nos Estados Unidos, por exemplo, protagonizados por corporações civis uniformizadas, mas não militarizadas – como o Los Angeles Police Department (LAPD) –, evidenciam que o problema transcende o modelo. O episódio de Rodney King, em 1992, severamente agredido por policiais em LA, é ilustração contundente dessa constatação.

A meu ver, a raiz da violência policial pode ter múltiplos fatores: cultura institucional autoritária, falhas estruturais de formação, precarização das condições de trabalho e ausência de mecanismos eficientes de responsabilização. A hierarquia rígida da PM pode sim contribuir para a reprodução interna de abusos, mas fenômenos semelhantes também ocorrem em órgãos civis nos quais, não raramente, o assédio institucional se faz presente e, portanto, se reproduz para além do ambiente interno.

Não podemos nos esquecer que policiais no Brasil, de qualquer carreira (da Polícia Civil à Militar, da Federal à Rodoviária), enfrentam jornadas exaustivas, baixos salários (sobretudo em São Paulo, coincidentemente e curiosamente o estado mais rico do País), falta de equipamentos modernos e treinamento deficitário. Soma-se a isso uma formação, muitas vezes, voltada prioritariamente ao confronto, e não à mediação – o que amplifica o risco de condutas abusivas. Decidir não atirar, afinal, é tão desgastante e estrategicamente complexo do que optar em apertar o gatilho.

Soluções para isso tudo existem – e não são poucas. Contudo, passam longe da simplificação. Reestruturar a formação, valorizar os vencimentos e modernizar os currículos com foco em direitos humanos e na tutela coletiva eficaz dos interesses da sociedade, levando em consideração – de modo preponderante – o ser humano policial, podem ser algumas delas.

Ampliar o uso de tecnologias de controle (como as câmeras corporais) e garantir corregedorias fortalecidas e independentes também são medidas fundamentais para reduzir a violência estatal no País, sem que, para tanto, tenhamos que demonizar corporações inteiras em consequência apenas de sua gênese. Muito pelo contrário: é possível implementar políticas públicas de combate ao crime muito eficazes, tendo como premissa os sagrados valores da hierarquia e da disciplina, inerentes à instituição militar.

O debate sério sobre segurança pública no Brasil não se faz com slogans. É necessário abandonar o conforto das teses fáceis e enfrentar a complexidade dos fatos. Dessa forma, desmilitarizar o discurso é bem mais urgente, neste momento, do que desmilitarizar a farda. Não é o momento de adotarmos posturas simplistas e flagrantemente oportunistas.

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