As trincheiras da batalha pela prefeitura de Campo Grande já se encontram cavadas pelos partidos políticos da Capital. Armas em punho, cobiça no peito, muitos estão aparentemente dispostos a matar e a morrer na beligerância cega do poder, mobilizando instintos sombrios e vontades inconfessas. O poder é um fim, o discurso é um meio – e tudo se passa sem que nenhuma palavra seja dita sobre o que querem fazer da cidade sitiada, transformada em espólio. Invasões bárbaras ameaçam, com imenso apetite, o horizonte próximo.
No ritmo atual, Campo Grande entrará no rol das 17 cidades brasileiras com mais de 1 milhão de habitantes em apenas 9 anos – e problemas dignos de cidades deste porte. Em pouco tempo, serão incorporadas 144 mil novas pessoas – o equivalente a toda a população de Corumbá e Maracaju juntas –, e com elas novas demandas por serviços públicos e cidadania. Superada a condição de “cidade do interior crescida”, a capital será pressionada a resolver conflitos cada vez mais intensos e que demandarão profissionalismo dos gestores públicos.
Da pré-escola até o ensino médio, Campo Grande possui cerca de 180 mil estudantes, dos quais quase metade na rede municipal, um terço na rede estadual e menos do que 20% nas escolas privadas. Um abismo separa a qualidade entre uma e outra: das 20 melhores escolas da capital, 19 eram privadas; entre as 20 piores, 19 eram públicas. Ou seja, para a maioria dos estudantes, a universidade continuará sendo apenas um sonho – e na vida adulta terão que submeter-se a uma inserção subordinada no mercado de trabalho e a baixos salários. As classes sociais (que novidade!) são fabricadas no banco das escolas...
A saúde, por sua vez, apresenta desafios igualmente importantes. Em 2012, último dado disponível pelo IBGE, 2.813 pessoas vieram a óbito em Campo Grande (quase 8 por dia), 458 das quais decorrentes de câncer, 553 de doenças do aparelho circulatório e quase 600 do aparelho respiratório. Falta ainda, na capital, um centro de padrão internacional para tratamento, reabilitação e promoção da qualidade de vida de pessoas com deficiência, tais como paraplégicos, tetraplégicos, vítimas de AVC, e pessoas com deficiência intelectual.
O trânsito ainda é uma maravilha perto do caos das grandes metrópoles, mas em uma década tudo será diferente. A cada dia 50 novos carros são vendidos em média – o que equivale a 1 quilômetro de carros a mais por semana circulando nas ruas. As avenidas largas e planejadas das quais os campo-grandenses se orgulham, em breve darão lugar a congestionamentos cada vez mais freqüentes. Sem uma solução eficiente para o transporte público como o Veículo Leve sobre Trilhos – VLT e a criação de corredores exclusivos de ônibus, o tempo livre para o lazer e para a família será convertido em horas angustiantes no deslocamento cotidiano de casa para o trabalho.
Grandes cidades são, em geral, estruturas excludentes. A especulação imobiliária, refletida no preço dos imóveis e nos aluguéis, expulsa do centro os mais pobres em direção as periferias e, destas, em direção as favelas e cortiços. O déficit habitacional de Campo Grande é de 35 mil moradias, segundo dados da EMHA, mas os projetos em curso do Minha Casa Minha Vida resolverão apenas 17% deste total. O orçamento público, que já é insuficiente, será ainda mais no futuro. Invasões de terrenos, de prédios vazios e construções abandonadas acirrarão o conflito entre proprietários e não-proprietários.
Descolado dessa agenda, o mundo político parece organizar-se por outra lógica. Nele vigora a regra segundo a qual, na guerra, o importante é vencer – mesmo que se deixe a terra arrasada. Campo Grande tem pagado um preço muito alto pela guerra política de forças que competem por hegemonia. As eleições de 2016 serão decisivas para a cidade que queremos edificar no futuro – e incomoda saber que o povo é colocado como coadjuvante nesse processo. Os muros da cidade tremem, vacilantes, contra a vontade de poder.