Artigos e Opinião

OPINIÃO

Rafael Almeida Silva: "Trabalho rural x trabalho escravo"

Advogado

Redação

24/09/2015 - 00h00
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Há 10 (dez) anos, foi promulgada uma Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho e emprego, denominada NR31. Em seu contexto, referida normativa tinha como fim fiscalizar e regulamentar melhores condições de vida ao trabalhador rural, reduzindo acidentes de trabalho, e, ao mesmo tempo, levar mão de obra qualificada ao produtor rural, que ao final colheria frutos deste investimento.

Contudo, não diferente de inúmeras leis, a NR31 vem caminhando na contramão do foco principal – saúde e segurança no trabalho rural, fato que se justifica em virtude de que, quando da propositura de projetos de lei, nós nos deparamos com interesses políticos, e não com a solução do problema enfrentado, infelizmente.

A NR31 traz 252 itens que precisam ser observados pelo empregador, em que se inclui desde condições de higiene e conforto para os trabalhadores, até requisitos para construção dos estabelecimentos residenciais e de armazenamentos de materiais, esquecendo o legislador que o meio rural apresenta realidade distinta do urbano.

A resistência em obedecer às normas trabalhistas tem partido principalmente dos trabalhadores, seja por questões culturais, em que nos deparamos com trabalhadores nascidos e criados em áreas rurais, com pensamentos “atrasados” e que, por ordem natural da sua personalidade, jamais usarão determinados equipamentos, como, por exemplo, a substituição do chapéu de palha por capacete ao campeiro; ou mesmo por questões econômica, em que pequenos produtores não dispõem de recursos para custear as adequações exigidas.

É certo que a lei existe e deve ser obedecida, porém, não resta dúvida da impossibilidade de sua aplicação na íntegra e que, diante do descumprimento, as 

consequências ao produtor rural podem ser irreversíveis, ao ponto de ser autuado sobre acusação da exploração de trabalho escravo e correr o risco de perder sua propriedade.

Em junho/2015, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 81, que alterou o artigo 243 da CF/88, passando a regulamentar a expropriação de terras onde for constatada a exploração de trabalho escravo, em resumo: “As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas (...) a exploração de trabalho escravo, na forma da lei, serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º”.

Eis que surge o problema e, por que não dizer, uma jogada política, uma vez que não dispomos de nenhuma legislação que discipline de forma criteriosa o que é trabalho escravo, deixando tal constatação a critério dos órgãos fiscalizadores.

Inúmeras são as propostas com objetivo de definir o que deve ser considerado trabalho escravo; citamos a PEC 423/2013, em que tenta desvincular a definição de trabalho escravo pelo simples descumprimento da legislação trabalhista, solução!

O produtor rural está sujeito, ainda, a inscrição na chamada “lista suja” (Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo), submetendo à fiscalização trabalhista pelo período de 2 anos e sob a condição de sua exclusão, mediante a quitação de débitos trabalhistas e previdenciários.

Diante do contexto, o produtor não pode se manter inerte, deve buscar a reversão desta situação, com o apoio dos sindicatos rurais, federações, a OAB/MS, que possui Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio, assim como participar das reuniões da Comissão Permanente Nacional Rural e Comissão Permanente Regional Rural, órgãos que buscam adequar e propor mudanças sobre as obrigações trabalhistas impostas ao meio rural, pois, diante de tamanha discrepância legal e consequências em seu descumprimento, inequívoco que estamos diante de mais uma fonte de arrecadação e aparentemente uma reforma agrária forçada.

Editorial

A farra das diárias e o municipalismo

O que se espera de um líder municipalista é coerência, e não a exploração de brechas que permitam benefícios pessoais camuflados sob a justificativa do interesse público

10/05/2025 07h15

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A reportagem em destaque nesta edição traz à tona uma reflexão necessária e incômoda: os prefeitos de Mato Grosso do Sul parecem não estar aprendendo nada. Em meio a discursos inflamados sobre ética, responsabilidade fiscal e compromisso com os municípios, o que se vê, na prática, são episódios que contradizem completamente essa retórica. A suspeita de uso indevido de diárias envolvendo o ex-prefeito de Nioaque, que também presidiu por anos a Associação dos Municípios de Mato Grosso do Sul (Assomasul), é mais um capítulo vergonhoso nesse cenário.

A Assomasul, como o nome já indica, representa os interesses dos municípios. Seu presidente deveria ser um defensor do municipalismo na essência: proximidade com o cidadão, zelo pelos recursos públicos, valorização da transparência e busca constante por eficiência na gestão. O que se apresenta, no entanto, é uma conduta que pode comprometer a imagem de toda a causa municipalista, tão alardeada nos últimos anos como a solução para muitos dos males da administração pública.

E o que dizer da questão das diárias? O Ministério Público apura a suspeita de que o ex-prefeito, enquanto presidente da Assomasul, tenha recebido diárias tanto da Prefeitura de Nioaque quanto da associação para cobrir os mesmos compromissos. Se confirmadas as irregularidades, não se trata apenas de um erro técnico, mas de uma prática que pode configurar má-fé com o uso do dinheiro público – justamente aquele recurso que, segundo o discurso dominante, está sempre em falta.

É lamentável, sobretudo, que essa conduta venha de alguém que, enquanto representante dos municípios, muitas vezes foi a Brasília (DF) em nome do “interesse coletivo”, pedindo mais repasses e reclamando da escassez de verbas. Afinal, se falta dinheiro, para onde está indo o que já se tem? O que se espera de um líder municipalista é coerência, e não a exploração de brechas que permitam benefícios pessoais camuflados sob a justificativa do interesse público.

Nos últimos anos, o que mais se ouviu foram queixas das prefeituras sobre a insuficiência de recursos. A narrativa da “crise permanente” se tornou corriqueira, quase automática. No entanto, situações como a revelada pela investigação do Ministério Público lançam dúvidas legítimas sobre a real aplicação dos recursos e sobre a lisura de muitos dos que ocupam cargos de responsabilidade.

É preciso que a população esteja atenta. A vigilância da sociedade é uma ferramenta poderosa de controle. Os eleitores devem estar conscientes de que o voto não encerra o dever cívico, mas o inaugura. Da mesma forma, os órgãos de fiscalização e controle precisam atuar com firmeza e independência, para coibir abusos e garantir que o dinheiro público não continue sendo tratado como propriedade privada de poucos.

Este ocorrido, como tantos outros, merece apuração rigorosa e, se for o caso, punição exemplar.

Acompanharemos os desdobramentos com atenção e compromisso. A luta pelo municipalismo sério e transparente não pode ser sequestrada por quem confunde representação pública com benefício pessoal.

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ARTIGOS

Entre a solidão e os likes

09/05/2025 07h45

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A série britânica “Adolescência”, de grande repercussão mundial, expõe de maneira crua e impactante os desafios enfrentados pelos jovens na era digital, especialmente no que diz respeito à influência das redes sociais e à vulnerabilidade emocional dos meninos e meninas. A trajetória de Jamie Miller, um inseguro garoto de 13 anos, acusado de assassinato, que se isola e se torna suscetível a discursos extremistas, revela o perigo do abandono silencioso e da solidão, compensados pelas ilusões virtuais da internet. Embora seus pais não sejam retratados como violentos ou negligentes, a falta de percepção sobre sua angústia abriu espaços para que se afastasse da realidade sem que ninguém diagnosticasse a gravidade da situação.

Diante dessa narrativa, é inevitável refletirmos sobre o papel da escola e da família na formação dos jovens e na prevenção de episódios trágicos. A primeira, enquanto espaço de desenvolvimento social e intelectual, precisa ir além da mera transmissão de conteúdos acadêmicos. É imprescindível que os educadores estejam atentos aos sinais de isolamento, sofrimento psicológico e mudanças comportamentais. Estratégias como rodas de conversa, ensino de pensamento crítico e projetos que abordem o uso responsável da internet podem ser ferramentas valiosas na construção de um ambiente mais seguro para os estudantes.

Além disso, o bullying, um fator central na trama de “Adolescência”, precisa ser enfrentado com seriedade dentro das instituições de ensino. A humilhação e a exclusão vivenciadas por Jamie na escola são experiências comuns a muitos jovens na vida real. Se não forem adequadamente remediadas, podem desencadear sentimentos de revolta e raiva e até mesmo ações extremas. Criar um espaço no qual o respeito mútuo e a empatia sejam valores praticados no cotidiano contribui muito para evitar que adolescentes sintam-se desamparados e busquem refúgio em ideologias e sentimentos nocivos, como a misoginia, o machismo, a discriminação e o rancor.

No entanto, a escola não pode agir sozinha. A família precisa ser um pilar na formação emocional dos adolescentes, mantendo um diálogo aberto e honesto sobre os desafios dessa fase da vida. A série evidencia como os pais de Jamie, apesar de bem-intencionados, não perceberam sua gradual desconexão. Esse afastamento pode ocorrer em qualquer núcleo familiar, independentemente de sua estrutura. Com a influência crescente da internet, é necessário estar muito atento ao que consome o tempo e a mente dos filhos, orientando-os sobre os perigos do mundo digital, sem recorrer a medidas meramente repressivas. Educar pelo exemplo também é fundamental.

A responsabilidade de ensinar e proteger os jovens é compartilhada entre escola e família. Quando ambos os ambientes falham em oferecer suporte emocional e orientação adequada, abre-se um vazio perigoso, que costuma ser preenchido por influências externas condutoras a caminhos destrutivos.

“Adolescência” narra um drama familiar e nos alerta para a necessidade urgente de fortalecermos os laços que ligam os jovens ao mundo físico de seus espaços de convivência. É somente por meio do acolhimento, do diálogo e da educação que poderemos evitar que histórias como a de Jamie se multipliquem. Nesse propósito, a escola é crucial. As instituições de ensino que levam essas questões a sério, com responsabilidade e compromisso, contribuem muito para prevenir o isolamento e reconectar meninos e meninas à realidade.

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