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Roberta D'Albuquerque: "Você me completa, por favor?"

Roberta D'Albuquerque: "Você me completa, por favor?"

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Vinha guardando essa pergunta há anos. Era um conjuntinho de palavras difícil danado de sair pela boca. Uma fala que morava somente na cabeça de Daniel, e que, por um tanto de tempo, sobreviveu sem destinatário certeiro. Primeiro, a gente se dá conta de que está pela metade, só depois, pensa em alguém para reparar a incompletude.

Até que conheceu a gerente nova do banco. Foi chamado numa terça-feira, fim do expediente, para falar sobre sua posição de caixa. "Você consegue seguir no FGTS?", ela perguntou assim, meio no automático, meio com dó do menino que, àquela altura, já contava quatro anos na mesma. E se tem uma coisa que você precisa saber sobre bancos, é que ninguém suporta a salinha do FGTS. É ali, que as notícias difíceis são dadas de um lado do balcão – Não tem depósito feito nessa conta, senhora – e os comentários duros escorregam do outro – Moço, o senhor tá entendendo que eu nunca mais vou encontrar outro emprego?. Isso nos dias bons, claro.

Dos cinco guichês da salinha, somente a cadeira de Daniel fica ocupada de segunda à sexta, das 10h às 16h. Mais ou menos, porque tem a Cecília do segundo guichê, mas como ela fala, e sorri demais, cheia de perfume, quase não atende ninguém, não conta. Tem a Karen também, acontece que, pelo menos uma vez por semana, ela está de atestado. Quando não arruma uma conjuntivite, um cisto no ovário, uma dengue para ficar de atestado a semana inteira. No quarto guichê, senta o Arthur, só que ele está cobrindo licença maternidade na agência do shopping. A criança provavelmente já cursa o ensino fundamental. Arthur é safo que só ele. E tinha Guilherme, é mesmo, Guilherme. Acredita que ninguém sabe o que aconteceu com Guilherme?

Pois bem, é Daniel quem escuta a reclamação da demora da fila, que demora mesmo, dia sim outro também, sozinho – tá bom, quase sozinho – esse tempo todo. Cada gerente que chega é uma oportunidade de mudança, se alguém quisesse trocar, claro. E ninguém quer. Deus o livre. Depois, Daniel acha tão bonito dizer que tudo bem, que ele espera uma próxima, sem problemas, que dá conta sim, tá tranquilo. Ê Daniel.

E aí já viu, né? Do banco pra casa, de casa pro banco, dor de cabeça, dor nas costas, meia hora de almoço, com a fila toda chiando quando ele levanta e maldizendo quando ele senta de volta. A única alegria do menino – que já vai para uns 45, roupa amassada, cabelo oleoso, pele cansada, barriga que nunca viu um abdominal na vida, com carinha de 50, portanto – é jantar, tomar banho e deitar, planejando o sonho que terá com a gerente. E é cada sonho. Se um dia, pelo menos ele tivesse coragem de dizer... Nossa! Desde aquela terça de 2015, é a gerente, mas já foi a dentista, já foi a moça do Ipê Amarelo, o self service do lado do banco, já foi a estagiária da fisioterapia.

Sexta, na volta do almoço, Daniel viu um post-it grudado no monitor: Happy hour no Ipê, despedida da gerente, quer ir? Era a letra de Cecília, tinha esperado um sinal dele, como as senhorinhas que seguram forte no papel com o número da senha, por horas, até que tomam coragem de levantar e perguntar se ainda demora muito, sabe? Aquele último movimento antes de desistir e se convencer que melhor voltar amanhã, pra não voltar mais? Então, Cecília tinha decidido pela aposentadoria. Já não podia conviver por mais nenhum dia com o desprezo de Daniel. Organizou sozinha a despedida da gerente, com quem nunca tinha trocado palavra, só para tornar possível a cerveja, que nem gostava de beber, com o colega. Chance final antes de aposentar também o desejo de ser dupla. E uma ajudinha etílica sempre pode dar coragem, não acha?

E ele, engasgado que estava com a decepção da partida da gerente – mais uma –, nem para entender o que se passava no guichê do lado. Alegou dor de barriga, virou a plaquinha de dirija-se ao próximo caixa e seguiu para o estacionamento. Já no carro, tudo que pode fazer para aliviar o não dito foi parar no posto. Estacionou perto do primeiro frentista que viu e disparou de um fôlego só: "Tem álcool? Você me completa, por favor?

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O papel da IA no bem-estar moderno

21/03/2025 07h45

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Os últimos anos foram marcados por transformações em várias esferas da sociedade, e um dos conceitos que mais mudou e ganhou novos significados foi o de bem-estar. Se antes ele era relacionado principalmente com a saúde mental e física, hoje em dia já abrange diversos outros fatores, como qualidade de vida, equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, segurança e experiências personalizadas.

Esse cenário levou ao crescimento da economia do bem-estar, que, segundo dados do Global Wellness Institute (GWI), alcançou US$ 6,3 trilhões em 2023, montante 25% maior do que o valor avaliado em 2019 (US$ 4,9 trilhões). Para 2028, a expectativa é que o setor chegue a US$ 8,9 trilhões, o que reforça como essa pauta já é uma forte tendência.

Porém, vale destacar que os avanços nesse mercado foram possíveis, entre outros fatores, por conta da evolução da tecnologia, que ampliou o acesso a soluções inovadoras, otimizou processos e possibilitou a personalização do bem-estar de acordo com as necessidades individuais. Nesse contexto, a inteligência artificial (IA) tem desempenhado um papel fundamental, contribuindo ainda mais para que o bem-estar seja mais acessível e flexível.

Temos diversos exemplos que comprovam como as soluções inovadoras trazidas pela popularização da IA impactam diretamente o autocuidado e a forma como interagimos com o mundo: no setor da saúde, startups brasileiras como a Pipo Saúde utilizam a tecnologia para oferecer suporte a diagnósticos e otimizar o atendimento médico, permitindo que milhões de pessoas tenham acesso a serviços de saúde de forma mais eficiente. O bem-estar emocional também foi impulsionado com soluções como a da Vittude, uma plataforma que conecta pacientes a psicólogos por meio de IA, democratizando o acesso a cuidados mentais.

No que diz respeito ao bem-estar corporativo, ferramentas desenvolvidas por empresas como a Gupy ajudam organizações a monitorar o nível de satisfação dos funcionários e sugerem ações para melhorar o ambiente de trabalho, reduzindo o estresse e, consequentemente, aumentando a produtividade.

Outro exemplo do impacto positivo da IA no bem-estar moderno está na personalização do entretenimento, com plataformas como Spotify e Netflix, que usam IA para sugerir conteúdos que correspondem aos interesses do usuário, e do aprendizado, com ferramentas como o Duolingo, que usam IA para personalizar o ensino, tornando essa jornada mais eficaz e menos desgastante para os estudantes.

Acredito que essa tendência de sofisticação das tecnologias baseadas em IA vai tornar a busca pelo bem-estar completo ainda mais fácil. Desde aplicativos que monitoram padrões de sono e alimentação a assistentes virtuais que ajudam a gerenciar tarefas cotidianas, é fato que a tecnologia seguirá transformando a forma como cuidamos do nosso corpo, mente e relações.

Porém, não podemos esquecer que o segredo para o uso eficaz da IA nesse contexto inclui necessariamente o desenvolvimento ético dessas tecnologias, para que sejam seguras, inclusivas e realmente focadas no bem-estar humano.

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Financiamento rural e a reforma tributária

21/03/2025 07h15

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Os Fiagros são os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais. Criados em 2021, são ativos de investimento do agronegócio, seja de natureza imobiliária rural, seja de atividades relacionadas ao setor. O Fiagro acabou se tornando uma fonte alternativa de financiamento para o produtor rural, de modo a não depender exclusivamente dos bancos e do Plano Safra.

Entretanto, em janeiro deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Complementar nº 214/2025, que regulamenta a reforma tributária, mas vetou trechos que previam a isenção de tributos para os Fiagros e para os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs). Esses trechos isentariam tais fundos da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

A justificativa do governo para o veto foi a ausência de autorização constitucional para que esses fundos não fossem considerados contribuintes do IBS e da CBS. Isso pode impactar diretamente o crédito para os produtores rurais. É uma insensatez e ilógico o que o presidente fez.

Os Fiagros são fundos em que as pessoas podem investir e que funcionam como fontes de financiamento para o agronegócio. No mundo inteiro, os fundos já são mais representativos do que os bancos. Esse tipo de fundo tem crescido bastante, pois permite também que investidores urbanos participem do setor agroindustrial, aproveitando o potencial do agronegócio brasileiro.

O Brasil conta com cinco grandes bancos e cooperativas de crédito, além de seis linhas de crédito disponíveis para o agronegócio. Há também o Plano Safra, que atende apenas uma pequena parte da produção. Dessa forma, os agricultores ficam nas mãos desses bancos e frequentemente enfrentam desafios para a concessão de crédito, tornando-se dependentes das instituições financeiras, que impõem taxas, garantias e burocracias muitas vezes incompatíveis com a realidade do setor.

Prova maior da importância de financiamentos alternativos é a notícia da suspensão do Plano Safra. O Tesouro Nacional decidiu suspender novas contratações dessas linhas de financiamento 2024-2025. A medida vale a partir de 21 de fevereiro. O governo, sempre correndo para remediar em vez de prevenir, editou a MP nº 1.289/2025, liberando 4,17 bilhões para conter a pressão do segmento. Ainda assim, é insuficiente para o que o setor demanda de fomento. 

Os fundos representam um novo universo, uma nova possibilidade de financiamento com juros menores, pois, muitas vezes, esse capital vem do exterior. Os investidores estrangeiros não estão acostumados com os juros elevados do Brasil e, portanto, taxas mais baixas já são atrativas para eles. O Fiagro é exatamente isso: uma fonte de financiamento. Além de financiar o campo, atualmente beneficia cerca de 600 mil investidores.

No momento, o Fiagro só paga imposto se houver mais de 100 cotistas no fundo, não sendo tributado pelo Imposto de Renda. Caso tenha menos de 100 cotistas, há a incidência de 15% de Imposto de Renda, cobrado apenas no momento do resgate do resultado pelo cotista. Além disso, o Fundo não paga PIS, Cofins ou ISS. Contudo, com esse veto presidencial, os Fiagros passarão a pagar os tributos previstos na reforma tributária, especificamente o IBS e a CBS. Isso significa uma alíquota de até 28,5%, o que inviabilizará completamente esses fundos.

É importante lembrar que a logística no Brasil é muito cara, os produtores gastam muito com transporte, e os custos trabalhistas e tributários são elevados. Agora, o governo tenta transferir mais essa responsabilidade para o produtor. Vale ressaltar, mais uma vez, que quanto mais difícil for a vida do produtor, mais difícil será a vida do consumidor, que verá o impacto nos preços dos produtos agropecuários nas prateleiras dos supermercados.

A nossa expectativa é que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) manifeste firmemente sua discordância com o veto e atue no Congresso para derrubá-lo. A tributação desses fundos compromete a competitividade do setor, aumenta os custos para os produtores, reduz a oferta de crédito no agronegócio e, por consequência, eleva os preços dos alimentos para o consumidor final.

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