Ainda garotão, lá pelos verdes anos da década de quarenta do século passado, pela madrugada antes do raiar do sol estava eu no galpão da fazenda assistindo a dois peões trocando guampadas do “amargo”, numa conversa que me chamou a atenção pelo palavreado trocado entre eles – diria bem agauchado. Lá pelas tantas surgiu uma expressão inusitada que gravei e agora voltou-me à memória: caveira de burro. No significado deles entendi que era “não tem jeito mais” e agora sei pelo nosso imprescindível Houaiss é “falta de sorte, azar, infelicidade, infortúnio”. A linguagem matuta coincide com a vernacular.
Por que me alonguei neste nariz de cera? Porque estou atazanado, como a maioria absoluta do povo, com os recentes acontecimentos que estão abalando o cenário político e institucional de nossa pátria – escândalos que surgem todas as vezes que se abre a caixa de pandora brasiliense. Parece-me que se adentra numa malfadada “caveira de burro”, lugar azarado onde tudo vai a pior.
A decisão recente do Tribunal Superior Eleitoral absolvendo a chapa Dilma/Temer da acusação de prática de crime eleitoral nas eleições presidenciais de 2014 causou um impacto negativo no seio da opinião pública, estarrecida. Voltou-se o TSE, pela magra maioria de seus Pares contra a realidade apurada nos Autos. Não menos impactante foi a decisão monocrática do ministro relator do processo decorrente da delação dos irmãos Batista, donos da malfalada JBS ao determinar o afastamento do senador Aécio Neves das atividades parlamentares. Como destacou recente editorial do Estadão “não cabe a uma Turma do STE e, muito menos, por ordem monocrática afastar um parlamentar do exercício do mandato”. E, logo a seguir, acrescenta “o mandato parlamentar e coisa séria e nele não se mexe impunemente em suas prerrogativas”.
Me permitam a ousadia, tais decisões esbarram de forma significativa com cláusula pétrea da Constituição da República, qual seja o equilíbrio e a independência dos Poderes: o Executivo, Legislativo, Judiciário. Aí está a intangibilidade do mandato popular de que está investido o parlamentar. A Carta Magna também determina que não haverá juízo ou tribunal de exceção. O judiciário tem o poder de julgamento de deputado e senador, evidentemente desde que autorizado pela Casa a que pertença o parlamentar tido como infrator.
Passando de pato a ganso. Causa estupefação também a decisão monocrática, por si sujeita à crítica, do senador João Alberto, presidente da Comissão de Ética do Senado da República, ao determinar ab initio o arquivamento da representação lá protocolada pela cassação do mandato do senador Aécio Neves. Faço parênteses para lembrar a convivência amiga que mantive com o atual senador João Alberto, quando juntos fomos colegas deputados federais em duas legislaturas as de 1979 a 1990 e no Senado na legislatura finda em 2015, daí poder avaliar a sua personalidade de propósitos firmes à legenda que representa. Embora lamente, daí não ter me surpreendido com sua decisão que a primo occuli está fora do contexto político nevrálgico por que o País passa.
Deveria dar sequência à representação que proporcionaria ao acusado trazer à luz a verdade que foi distorcida por malévola maquinação arquitetada por quem não merece fé pública.Segue-se – e a nação perplexa volta a assistir – a denúncia da Procuradoria-Geral da República, que vislumbra mais uma indisposição pessoal de seu chefe com o primeiro mandatário da nação, sob a alegação de ter este cometido crime de corrupção passiva.
Coisas tais ao arrepio da Lei Maior, duas a título de excepcionalidade face à conjuntura, criam o costume de arbítrio, desequilibram o princípio de harmonia entre os poderes e levam com a insistência do uso da caneta autocrática ao buraco onde está a “caveira de burro”.