Artigos e Opinião

CRÔNICA

Sylvia Cesco: "Abílio... Poeta de inesperados disfarces"

Sylvia Cesco: "Abílio... Poeta de inesperados disfarces"

Continue lendo...

Peço licença para os cronistas, já que este texto não tem a formatação de uma crônica, para publicar o que se segue:

Recebi hoje um relicário: “Poesias”, de Abílio Leite de Barros, devidamente autografado. Conhecido e apreciado pelos seus livros de contos e crônicas, esse seu “Poesias”, recém-publicado e ainda não divulgado, me deixou sem fôlego. São 51 páginas, com 17 poemas escritos em sua época de adolescência, nos idos 1950. Uma reflexão do autor sobre a poesia do ponto de vista da razão, ao final desta preciosidade, não encerra a belezura contida dentro dela. Pelo contrário. Inicia, daí para frente, um processo de metamorfose naqueles leitores com almas de loucas borboletas. Seu “Gente Pantaneira”, “Opinião”, “História de Muito Antes”, “Pantanal Pioneiros”, “Crônicas de Uma Nota Só” e “Recoluta” revelam que o corumbaense Abílio aprendeu, em sua primeira infância, a ver o mundo através da janela de um rancho de chão batido. Este é um detalhe importante porque acredito muito naqueles versos do Gilberto Gil: “é debaixo do barro do chão que suspira uma sustança sustentada por um sopro divino”. Aliás, acredito tanto na mítica desse verso gilbertiano que já até o citei em um outro texto meu. Em Abílio, essa sustança foi sendo enriquecida, ao longo de sua vida, com leituras dos clássicos da Literatura Brasileira; dos modernistas Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado, Clarice Lispector; dos poetas Drummond, Bandeira, Murilo Mendes, João Cabral, Vinicius e Manoel de Barros, o irmão; dos psicanalistas Ana Freud, Melanie Klein, Young, Sigmund Freud... Também sua formação em Filosofia e Direito, sua passagem pela área do magistério, como professor e secretário de Educação de Campo Grande (1969/1970), seu gosto em conhecer outras gentes, outras culturas acabaram contribuindo para o delineamento de um olhar criteriosamente investigativo sobre o homem enredado nos mais diversos cenários: a natureza silenciosa e introspectiva do Pantanal; os recantos malandramente sedutores do Rio de Janeiro; a sociedade cosmopolita de Campo Grande, multifacetada por traços de matriz rural, de culturas diversas, de feudos ideológicos pendulares que tocam, de um lado, as pontas extremas de uma burguesia deslumbrada com o capitalismo, e, de outro, as das “elites politizadas seguidoras dos ideais marxistas em busca de uma sociedade igualitária e justa”. 

Agora, me chega em mãos este delicado relicário “Poesias”, do – não mais exímio escritor, não mais lúcido cronista, tampouco do politizado articulista – Abílio Leite de Barros, que “vivia de cócoras pelo chão, só ouvindo”, nas palavras de seu mano mais velho; ou “um ruminante, mais observador que partícipe”, nas suas próprias – mas do Poeta Abílio, escritas pelo adolescente que foi, há mais de 60 anos, e nunca mostradas – sabe-se lá por que... Teria a Poesia suas emoções que a própria Emoção desconhece?

Explica ele que os “Poemas” são sua “busca mais distante e efetivamente mais forte desta vida que hoje se faz voltada ao passado”. E, como em suas reflexões sobre a poesia, Abílio afirma que “do ponto de vista da razão, a poesia é um distúrbio de caráter lírico-afetivo, vizinho da loucura”, e mais: “O poeta é um malabarista de palavras, joga com elas como uma criança com seus brinquedos, e nesse jogo o sentido do termo perde toda a importância em favor da fantasia”, tenho para mim que Abílio Leite de Barros, “de inesperados disfarces”, não apenas corumbaense (“modéstia à parte”, como ele diz), mas também campo-grandense por exigência de seus inúmeros amigos e admiradores, rompeu seus mistérios revelando-se um ser lírico atemporal, sem limites, sem fronteiras, mágico e livre, entre a manhã e o mundo, remexendo, poeticamente, seu balaio de saudades.

*Professora, poeta, diretora cultural da UBE/MS. 

ARTIGOS

Poderá existir anistia aos atentados de 8 de janeiro?

29/11/2024 07h45

Arquivo

Continue Lendo...

O almirante ateniense Trasíbulo (440 a.C.) derrotou os 30 tiranos trazendo um exército inicial de 60 homens de Tebas e, depois da vitória, fez os atenienses que estavam divididos se reconciliarem.

A ele é atribuído o nascimento ou significado da palavra anistia (amnesia), dada aos atenienses ao editar lei concedendo o perdão àqueles que cometeram delitos, em nome do fortalecimento da paz.

A concessão de perdão ao longo da história sempre nos revela a existência de tensões sociais sobre as quais o perdão incidirá, resolvendo-as ou evitando-as.

No Brasil, são causas extintivas da punibilidade segundo a ordem penal: a) a morte do agente; b) a anistia, a graça e o indulto; c) a abolição do crime; d) a prescrição, a decadência ou a preempção; e) a renúncia ou o perdão, entre outros.

Fala-se que haveria uma disposição do Congresso Nacional de anistiar diversos fatos punidos recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), alguns deles, supõe-se, teriam, na visão do mesmo STF, atentado contra a ordem constitucional ou o Estado Democrático.

Caso de fato o Congresso decida praticar a anistia nesse último caso, certamente haverá reação de alguns partidos políticos que baterão às portas do STF indicando a proibição de anistia para aqueles que atentaram contra o regime democrático.

Novo contencioso se criará, porquanto há os que veem nos atentados de 8 de janeiro um movimento ordenado, um tipo de vandalismo, visando sobretudo a destruição do patrimônio público nacional, mas não propriamente um golpe de estado ou contra as instituições. Já há outros que enxergam no ocorrido um verdadeiro golpe em sentido mais amplo da palavra.

Quem está com a razão? E mais: qual a solução que melhor atende ao interesse social? A anistia ou a punição dos infratores à ordem jurídica?

Assine o Correio do Estado

ARTIGOS

Reforma do Imposto de Renda e o pacote fiscal: impactos para o contribuinte e as contas públicas

29/11/2024 07h30

Arquivo

Continue Lendo...

A proposta de reforma do Imposto de Renda (IR), peça central do pacote fiscal do governo, chega em um cenário de incertezas econômicas. No dia do anúncio, o dólar atingiu R$ 5,91, o maior valor nominal da história, evidenciando as preocupações do mercado com o equilíbrio fiscal. A reforma busca isentar quem ganha até R$ 5.000 por mês e introduzir alíquotas progressivas para rendas acima de R$ 50.000, marcando uma tentativa de ajustar a tributação à realidade socioeconômica e reforçar a credibilidade do governo junto ao mercado.

Impactos e benefícios: a ampliação da faixa de isenção beneficia diretamente cerca de 26 milhões de brasileiros, reduzindo a carga tributária para outros milhões. Atualmente, quem ganha até R$ 2.824 está isento, e a proposta dobra essa faixa. Para rendas entre R$ 5.000 e R$ 7.500, um abatimento parcial foi proposto para minimizar o impacto.

Apesar do alívio, a renúncia fiscal projetada é significativa, variando entre R$ 35 bilhões e R$ 45 bilhões anuais, conforme estimativas da Receita Federal e de entidades como a Unafisco. O desafio está em garantir que os mecanismos compensatórios sejam suficientes para evitar desequilíbrios no orçamento público.

Compensação tributária: o governo propõe uma taxação progressiva para quem ganha acima de R$ 50.000 mensais, com alíquotas que variam entre 5% e 10%. As rendas isentas, como dividendos, serão incluídas no cálculo, aumentando a base de contribuição. Embora apenas 100 mil pessoas sejam impactadas por essas alíquotas mais altas, essa estratégia visa compensar a perda de arrecadação gerada pela isenção. Contudo, há riscos: a concentração da compensação em um grupo pequeno pode limitar os ganhos fiscais, enquanto a complexidade do sistema aumenta a necessidade de fiscalização eficiente.

Conexão com o pacote fiscal: a reforma do IR é uma das ações do pacote fiscal que pretende reduzir R$ 70 bilhões em despesas até 2026. Medidas como contenção de salários no funcionalismo e ajustes previdenciários complementam a estratégia para sinalizar compromisso com a sustentabilidade fiscal. Entretanto, o contraste entre uma isenção tributária de grande impacto e o discurso de austeridade pode gerar tensões. A eficácia dessas mudanças depende do crescimento econômico e da eficiência na execução administrativa.

Desafios operacionais: a transição para o novo sistema requer atenção para evitar distorções. Rendas ligeiramente acima de R$ 5.000 podem enfrentar aumentos abruptos de carga tributária caso o abatimento não seja suficiente, desestimulando avanços econômicos em faixas limítrofes. Além disso, incluir rendas atualmente isentas, como dividendos, demanda estratégias claras para evitar evasão fiscal e resistências de setores econômicos.

Considerações finais: a reforma do IR, inserida em um pacote fiscal estratégico, combina esforços para corrigir distorções tributárias e assegurar a sustentabilidade das contas públicas. No entanto, sua implementação carrega incertezas e desafios significativos. A renúncia de R$ 35 bilhões a R$ 45 bilhões anuais e a dependência de um pequeno grupo de contribuintes para compensar essa perda tornam a proposta especialmente sensível à eficácia da administração tributária e à capacidade de fiscalização.

Além disso, ajustes precisos serão necessários para evitar impactos desproporcionais em faixas de renda próximas à nova isenção, o que exige o aperfeiçoamento dos mecanismos de abatimento. A inclusão de rendas anteriormente isentas no cálculo das alíquotas progressivas para os mais ricos, embora bem fundamentada, pode ampliar a complexidade do sistema e gerar resistências, destacando a necessidade de clareza nas regulamentações e de um acompanhamento contínuo.

A conexão com o pacote fiscal mais amplo também ressalta a importância de articular essas mudanças com outras medidas de contenção de gastos e estímulo econômico. O sucesso da reforma dependerá da harmonia entre a arrecadação prevista, os cortes propostos e o desempenho da economia. Falhas de execução ou desvios no planejamento podem comprometer tanto o impacto fiscal quanto os objetivos de justiça tributária.

Portanto, a reforma deve ser tratada como parte de um processo contínuo, que exigirá monitoramento constante e ajustes com base nos resultados. O próximo cenário econômico será crucial para determinar se as medidas anunciadas conseguirão alinhar sustentabilidade fiscal, redistribuição de renda e competitividade econômica de forma eficiente.

Assine o Correio do Estado

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).