Compreender a violência policial como fator intimamente ligado à militarização é, no mínimo, um equívoco teórico e um risco prático. A lógica que busca explicar a truculência de determinados (e poucos) agentes da segurança pública apenas pelo modelo organizacional das Polícias Militares (PMs) ignora variáveis mais complexas – e por isso mesmo mais relevantes – para se compreender o fenômeno.
A violência institucional, infelizmente, não é um monopólio de estruturas militares. Casos emblemáticos nos Estados Unidos, por exemplo, protagonizados por corporações civis uniformizadas, mas não militarizadas – como o Los Angeles Police Department (LAPD) –, evidenciam que o problema transcende o modelo. O episódio de Rodney King, em 1992, severamente agredido por policiais em LA, é ilustração contundente dessa constatação.
A meu ver, a raiz da violência policial pode ter múltiplos fatores: cultura institucional autoritária, falhas estruturais de formação, precarização das condições de trabalho e ausência de mecanismos eficientes de responsabilização. A hierarquia rígida da PM pode sim contribuir para a reprodução interna de abusos, mas fenômenos semelhantes também ocorrem em órgãos civis nos quais, não raramente, o assédio institucional se faz presente e, portanto, se reproduz para além do ambiente interno.
Não podemos nos esquecer que policiais no Brasil, de qualquer carreira (da Polícia Civil à Militar, da Federal à Rodoviária), enfrentam jornadas exaustivas, baixos salários (sobretudo em São Paulo, coincidentemente e curiosamente o estado mais rico do País), falta de equipamentos modernos e treinamento deficitário. Soma-se a isso uma formação, muitas vezes, voltada prioritariamente ao confronto, e não à mediação – o que amplifica o risco de condutas abusivas. Decidir não atirar, afinal, é tão desgastante e estrategicamente complexo do que optar em apertar o gatilho.
Soluções para isso tudo existem – e não são poucas. Contudo, passam longe da simplificação. Reestruturar a formação, valorizar os vencimentos e modernizar os currículos com foco em direitos humanos e na tutela coletiva eficaz dos interesses da sociedade, levando em consideração – de modo preponderante – o ser humano policial, podem ser algumas delas.
Ampliar o uso de tecnologias de controle (como as câmeras corporais) e garantir corregedorias fortalecidas e independentes também são medidas fundamentais para reduzir a violência estatal no País, sem que, para tanto, tenhamos que demonizar corporações inteiras em consequência apenas de sua gênese. Muito pelo contrário: é possível implementar políticas públicas de combate ao crime muito eficazes, tendo como premissa os sagrados valores da hierarquia e da disciplina, inerentes à instituição militar.
O debate sério sobre segurança pública no Brasil não se faz com slogans. É necessário abandonar o conforto das teses fáceis e enfrentar a complexidade dos fatos. Dessa forma, desmilitarizar o discurso é bem mais urgente, neste momento, do que desmilitarizar a farda. Não é o momento de adotarmos posturas simplistas e flagrantemente oportunistas.