Sangue de mil pacientes de Mato Grosso do Sul com sintomas de dengue, mas exames negativos para a doença, serão testados pela Universidade de São Paulo (USP) no começo de 2021. Cientistas da instituição analisaram amostras parecidas de outros estados e identificaram três vírus diferentes. Dois deles não haviam sido encontrados em humanos até agora. Há indícios de que houve uma “epidemia silenciosa” do terceiro.
A primeira fase do estudo contemplou materiais do Tocantins e Amapá. O farmacêutico e bioquímico doutor em medicina tropical Antonio Charlys da Costa foi um dos coordenadores da pesquisa. Os resultados preliminares referentes aos dois estados foram publicados recentemente na revista norte-americana Plos One.
O cientista faz parte da equipe do Laboratório de Investigações Médicas (LIM-56) do Instituto de Medicina Tropical da USP.
Ao Correio do Estado, ele explicou que primeiramente as amostras foram testadas novamente par dengue, zika vírus e chikungunya como uma espécie de contraprova. Quando os resultados foram negativos, foi analisada a presença de todos os demais vírus já conhecidos.
Nessa etapa, 17% deu positivo para Parvovírus B-19. “É uma doença muito comum em crianças, causa eritema infecioso”, disse Costa.
Os sintomas desse problema incluem febre, dores de cabeça e manchas pelo corpo, tornando fácil compreender porque se confunde com a dengue. Contudo, os pacientes infectados também apresentam sintomas gastrointestinais e coriza. Além disso, ele é transmitido pelo ar e não por vetores.
“Isso chamou atenção quando outro grupo aqui da USP, em um teste semelhante feito com pacietes do Guarujá (SP), identificou presença de parvovírus em 68% de amostras negativas para dengue e em adultos, ou seja, é uma epidemia oculta desse tipo de vírus”, afirmou ao Correio do Estado. Contudo, o pesquisador esclarece que essa doença não é letal.
REVIRAVOLTA
Contudo, as amostras que não deram positivo para nenhum agente já conhecido por infectar humanos passaram por um teste diferente. Costa explica que o equipamento descarta automaticamente todos os elementos do sangue, deixando apenas os vírus para os cientistas estudarem.
A partir daí, o DNA ou RNA dos agentes são sequenciados e comparados com um banco de dados internacional.
Em um paciente do Tocantins foi encontrado o Chapparvovirus. Ele já havia sido descrito em mamíferos, mas nunca em humanos.
“Se pensar bem, a teoria de que a transmissão possa se dar através do mosquito é plausível. Além disso, quando ele infecta o ser humano, a quantidade de partículas virais que entram na corrente sanguínea é muito pequena, daí há a reprodução no organismo do paciente. Para a análise, são coletados aproximadamente 5ml de sangue e no procedimento, nós usamos 0,2 ml. Para encontrar o vírus nesse volume, quer dizer que ele está em quantidade significativa pelo corpo”, diz o cientista.
A equipe do laboratório, segundo Costa, conseguiu entrar em contato com o paciente e coletou amostras dele e dos parentes para repetir o exame. “Queremos saber se o indivíduo teve uma resposta imune para o vírus. Uma explicação para o fato de só termos encontrado o agente em uma das amostras é que não sabemos o período de incubação, se os demais pacientes já tinham reduzido a carga viral”, explica.
Já na amostra do Amapá veio descoberta ainda mais surpreendente: o Ambidensovirus. Até agora ele só havia sido encontrado em invertebrados.Nesse caso, a vigilância do estado da região norte não conseguiu encontrar mais o paciente para repetir os exames.
Costa espera que os resultados dos testes nas amostras sul-mato-grossenses saiam ainda este ano. Elas serão testadas junto com materiais do Rio Grande do Sul e Paraíba.