Vereadores aprovaram há dois meses a Reforma Administrativa proposta por Adriane Lopes, que colocava fim à Subsecretaria de Políticas para a Mulher
Em dezembro do ano passado, vereadores da Câmara Municipal de Campo Grande aprovaram por 25 a 2 a Reforma Administrativa, proposta pela prefeita Adriane Lopes. O texto previa, dentre diversas extinções e alterações, a dissolução da Subsecretaria de Políticas para a Mulher, que ficaria subordinada a outra secretaria.
À época, protestos fizeram com que emendas fossem votadas pelos vereadores, sendo uma delas propondo que a subsecretaria fosse mantida, com alegações de que seu fim afetaria, inclusive, a administração da Casa da Mulher Brasileira. A emenda, no entanto, não foi aprovada, e a Subsecretaria de Políticas para a Mulher se tornou apenas mais um braço da pasta responsável por assistência social.
Dois meses após a decisão, a mesma Casa de Leis colocou as mulheres como tema de destaque para 2025.
Tal visibilidade só está acontecendo após a morte trágica da jornalista Vanessa Ricarte (42), assassinada a facadas pelo ex-noivo, o músico Caio Nascimento, e que pouco antes de morrer enviou um áudio apontando ter sido negligenciada durante a escuta e acolhimento na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), que integra a Casa da Mulher Brasileira.
A Sessão Solene Inaugural da Câmara Municipal para 2025 teve início com 1 minuto de silêncio em memória da vítima, proposto pelo vereador Jean Ferreira. Eleito pelo Partido dos Trabalhadores pela primeira vez e estreante na Casa, Jean não participou da votação da reforma ocorrida no ano passado.
"Nos últimos dias, vimos mulheres serem assassinadas por falhas do estado, pelo sucateamento da Casa da Mulher Brasileira, que foi cedida à administração da Prefeitura", apontou Jean Ferreira.
Já o vereador Professor Juari, reeleito em 2024 e que votou a favor da Reforma Administrativa e contrário à emenda de manutenção da subsecretaria, saiu em defesa das mulheres, propondo que o tema seja implementado nas escolas.
"Precisamos levar para dentro das nossas escolas informações sobre a importância da valorização da mulher. O que nós vemos acontecer é justamente uma cultura da violência (...) Temos que tirar essa cultura machista, e é na escola que nós vamos ensinar isso", disse o vereador.
A Prefeita de Campo Grande, Adriane Lopes, responsável pela proposta de dissolução da subsecretaria e submissão dela a outra pasta, também fez declarações em apoio a políticas públicas de proteção à mulher.
"Essa semana tivemos uma fatalidade. A Casa da Mulher Brasileira só existe em Campo Grande pelos altos índices de violência contra as mulheres, e nós vamos trabalhar preventivamente para que Campo Grande tenha políticas públicas que atendam às mulheres da nossa cidade", declarou.
Retrocesso
O Correio do Estado esteve na Câmara Municipal em 11 de dezembro do ano passado para acompanhar a votação da Reforma e das emendas. À época, conversou com Jacy Correa Curado, doutora em psicologia social que acompanha o desenvolvimento de políticas para as mulheres desde que teve início em Mato Grosso do Sul, com a primeira coordenadoria da mulher do Estado, em 1999, bem como o surgimento da coordenadoria Municipal, em 2005. Segundo ela, o projeto votado com o objetivo de "enxugar" a máquina pública significava um retrocesso, justamente porque a subsecretaria deveria ser ampliada.
"Cada política construída foi uma luta, e essa forma de organismo governamental é muito frágil. A gente não pode retroceder, teria que ampliar, dada a condição das mulheres aqui no nosso Estado, o índice de feminicídio, de violência, e também de desigualdade social. Então, a gente não vê sentido isso ser enxugado, reduzido. A proposta é reduzir o orçamento justamente em cima da cidadania, da mulher, da juventude e também da questão cultural, do meio ambiente", disse à reportagem.
A especialista também explica que subordinar uma subsecretaria a outra acaba tirando a autonomia das ações, e reduzindo ainda os repasses financeiros dedicados àquela pasta.
Outro ponto mencionado foi a dúvida quanto a gestão da Casa da Mulher Brasileira, que é de responsabilidade da Prefeitura de Campo Grande.
"No caso das mulheres, a gente tem a Casa da Mulher, que é um organismo importantíssimo. A gente não sabe como que vai ser administrada a Casa da Mulher daqui para frente", declarou.
Caso Vanessa
Reprodução: InstagramVanessa Ricarte, de 42 anos, foi morta a facadas pelo ex-noivo, o músico Caio Nascimento, no dia 12 de fevereiro. Na noite anterior, ela havia ido até a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) para solicitar medida protetiva contra Caio. No dia seguinte, voltou à delegacia para buscar os documentos da medida, que havia sido concedida com urgência.
Ao chegar em casa, a jornalista se deparou com Caio. Eles discutiram e ele desferiu diversos golpes de faca contra o pescoço, peito e barriga da vítima. Os vizinhos ouviram os gritos e acionaram a polícia.
Em um áudio, gravado pouco antes de sua morte, Vanessa aponta falhas no atendimento recebido na Deam, No relato, ela conta para uma amiga que a delegada foi prolixa, fria, seca, e a cortava "toda hora".
Vanessa disse ainda que pediu o histórico do ex-noivo, pois havia descoberto que ele já tinha outras denúncias e queria entender a natureza das agressões anteriores, mas a delegada disse que não seria possível passar os dados, que seriam sigilosos.
"Eu estou bem impactada com o atendimento da Deam, da Casa da Mulher Brasileiro. Eu que tenho toda instrução, escolaridade, fui tratada dessa maneira, imagina uma mulher vulnerável, pobrezinha, sem ter rede de apoio chegar lá, são essas que são mortas e vão para a estatística do feminicídio", disse a vítima.
O áudio teve grande repercussão, e chegou até o Ministério das Mulheres, em Brasília (DF), que irá investigar a atuação das autoridades no atendimento prestado à vítima.
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