Com a interrupção de aproximadamente dois anos sem a realização de cirurgias bariátricas – popularmente conhecidas como de redução de estômago – pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em Mato Grosso do Sul, pacientes que precisam fazer o procedimento têm apenas uma opção e longa espera.
É que as cirurgias são feitas apenas no Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap-UFMS), em Campo Grande. O Hospital Regional Rosa Pedrossian (HRMS) afirma que iniciou os atendimentos em agosto, na Capital, porém, nenhum paciente foi submetido à cirurgia até agora.
Enquanto o procedimento de alta complexidade segue a passos lentos, a fila de espera só cresce. São, pelo menos, 500 pessoas aguardando, de acordo com dados do Humap. Mas a Secretaria Municipal de Saúde (Sesau), que gerencia a regulação, não confirmou o tamanho da fila.
Uma das pacientes que aguardam é a manicure Raissa Fernanda Santos de Souza, 25 anos. Ela entrou na fila no início do ano e a espera pode ser ainda mais longa por conta de sua condição de saúde. “Quando o médico do posto [de saúde] fez o pedido do laudo para mim, ele me falou que, como não tenho nenhuma doença, vou ficando para o fim da fila”, explicou.
O tratamento de Raissa foi realizado por meio de um plano de saúde, mas ela precisou iniciar tudo de novo, após a gravidez dos gêmeos Ana Clara e Celso Henrique, hoje com 4 anos. Após o nascimento dos filhos, ela teve ainda mais dificuldades. Além do ganho de peso, enfrentou depressão pós-parto.
Para não ficar ainda mais tempo esperando, decidiu custear por conta própria o tratamento e fazer apenas a cirurgia pelo SUS – na rede particular, o procedimento pode chegar a custar entre R$ 6 mil e R$ 15 mil. “Meu clínico geral até recomendou que, se eu tivesse condições, consultasse todos os especialistas [na rede privada]. As únicas coisas que eu não pago são exames rápidos, como exame de sangue, que fica pronto em 15 ou 20 dias”, afirmou Raissa.
Todo esse processo está sendo feito devagar, já que Raissa espera a consulta com um cirurgião do Humap. E após o procedimento, ela já tem outra preocupação, as cirurgias reparadoras. “Se for pelo SUS, vou ter que passar por outro processo”, disse.
SITUAÇÃO
Atualmente, apenas o Humap faz cirurgias bariátricas pelo SUS no Estado. Em junho deste ano, o HRMS informou a retomada do serviço a partir de agosto, mas, de acordo com a Secretaria de Estado de Saúde (SES), apenas consultas foram realizadas.
Em nota, a SES explicou que as cirurgias ficaram suspensas por falta de estrutura e de profissionais qualificados. A Santa Casa de Campo Grande era uma das unidades que atendiam naquela época, “mas deixou de realizar o procedimento informando que não havia interesse da unidade na habilitação de cirurgia aberta [que não é feita por vídeo]”. Hoje, tanto a modalidade por vídeo como a cirurgia aberta são cobertas pelo SUS.
No Humap, foram feitos 88 procedimentos desde a retomada do serviço no início de 2018. Segundo o hospital – que faz duas cirurgias por semana –, aproximadamente 500 pessoas aguardam pelo procedimento.
Em março de 2018, o Correio do Estado noticiou que o Estado havia retomado a realização de cirurgias bariátricas em dezembro de 2017. As operações foram suspensas em razão de problemas técnicos. Em abril de 2018, a fila tinha 471 pessoas, o que levaria cerca de 8 anos para atender todos, se não surgissem novos pacientes. Mas de lá para cá, a fila só cresceu e o Humap manteve a quantidade de cirurgias mensais em apenas quatro.
A Sesau informou, na época, que desde o início de 2017 solicitou a retomada das cirurgias pelos hospitais. “Houve a sinalização positiva somente do Hospital Universitário. O Hospital Regional e a Santa Casa alegaram inviabilidade financeira e estrutural para manter as cirurgias”, afirmou a pasta.
No Hospital Universitário, as cirurgias só foram retomadas em dezembro de 2017, após acordo com a Sesau, que cedeu um médico cirurgião. Até agora – 1 ano e 9 meses depois –, não houve ampliação do número de procedimentos realizados por mês.
CRIME
Em 2016, o Ministério Público do Estado (MPMS) começou a investigar fraudes na realização de cirurgias bariátricas pelo SUS no Estado. Pacientes teriam pago valores entre R$ 1,5 mil até R$ 10 mil por procedimento, para “furar a fila”. Entre os casos suspeitos, havia pessoas de pelo menos outros três estados – Mato Grosso, Paraná e Espírito Santo –, além de pacientes da Capital e do interior, que passaram pela cirurgia de forma irregular.
Procedimentos realizados em 2014, na Santa Casa da Capital, foram alvos da investigação. Na época, pelo menos 47 pessoas teriam “furado a fila” do SUS e fizeram a cirurgia sem o encaminhamento correto e sem passar pelas consultas exigidas. A investigação tinha como objetivo descobrir os responsáveis pelo esquema criminoso que prejudicou pessoas que aguardam há anos pela cirurgia em todo MS.
O médico Jaime Oshiro, que até o início de 2016 realizava cirurgias bariátricas na Santa Casa e após o escândalo foi desligado do hospital, apareceu em dois inquéritos do MPMS.