Nesta sexta-feira (21), noticiada como o dia mais frio do ano em Campo Grande, a população da cidade, que não é acostumada com baixas temperaturas, sofreu nesta manhã com sensação térmica de 4 ºC. Para quem mora em barracos de lona, a madrugada foi mais longa.
A Comunidade Só Por Deus, assim batizada pelos moradores, fica em um terreno de terra batida no meio do Jardim Canguru, na região sul da cidade. A habitação é recente, tem 5 anos, mas moradores vivem lá há muito mais tempo.
A família Freitas ergueu moradia no local há cerca de 25 anos. Na época, Agnaldo de Freitas, 62 anos, e sua esposa Kátia Sirlene Magalhães, 63, construíram um barraco no local, que era coberto de mato, e se mudaram com seus 8 filhos.
“Hoje em dias eles já estão todos criados, casados. Tem uma que mora aqui no mesmo terreno, e outra que mora mais ali na frente. As chuvas que teve esses dias destruíram todo o barraco da minha filha”, comentou Kátia.
A filha que a senhora se refere é Folvelayne Magalhães de Freitas, 33 anos, atualmente desempregada. “Fiquei agora na pandemia, antes fazia faxina, mas ninguém está querendo contratar mais”, diz.
Ela mora com o filho, de 8 anos, e seu marido. “Destelhou o meu [barraco] e de um pessoal também que eu conheço. Aqui na minha casa ainda está sem telhado um pedaço da cozinha, está improvisado. A gente pediu um pedaço de telha para um, para outro, minha irmã me deu um pouco. Nós mesmos vamos se ajudando”.
A irmã de Folvelayne, é Mercedes Magalhães de Freitas, 27 anos, mora no mesmo terreno dos pais. A casa dela é de tijolo, por isso disse que foi mais fácil para sua família, composta por 5 crianças.
“Essa madrugada foi difícil para todo mundo aqui, algumas casas destelharam. A maioria do povo vive na lona, e a lona que piora. Eu que tenho minha casa de tijolo passei frio essa noite, para as outras pessoas acho que foi pior”, apontou.
As duas irmãs cresceram no local, onde hoje criam seus filhos. A mãe delas, Kátia, contou que seus familiares tentaram tirar ela de lá, anos atrás, para ir morar em outra comunidade, “mas eu disse que daqui eu só saio morta”.
“Aqui moram cerca de 50 famílias, daí para mais. A maioria das casas são com mulheres e crianças”, explicou Mercedes. “Hoje está bastante frio, temos aqui pouca coberta. É difícil”, concluiu Folvelayne.
Kátia cozinhava em um fogão de lenha quando a reportagem chegou em sua casa. “Ele ajuda contra o frio, é bom também par esquentar água para tomar banho, par adar para as crianças”.
Do dicionário, “comunidade” significa estado ou qualidade das coisas materiais, ou das noções abstratas comuns a diversos indivíduos; comunhão. Do lado da casa de Mercedes, um casal cavava um buraco para colocar um poste de sustentação.
“Estão construindo um barraco aí?”, pergunta dona Kátia quando passa por eles, “que coisa boa, coisa boa”, o que responde com a afirmação dos novos moradores.
Lanaely Victória, 21 anos, e Anderson Delgado, 25, são casados há um ano. Em meio aos 7 ºC que fazia na Capital, eles aproveitavam a terra úmida da chuva para construir sua futura moradia, embaixo de um pé de manga antigo.
“Não está fácil não, a vida inteira pagando aluguel. O serviço às vezes têm, às vezes não têm, eu nunca trabalhei registrado, a escolaridade é baixa então, fica difícil. Aí a gente veio aqui né, a oportunidade que a gente teve para começar alguma coisa”, afirmou Anderson.
Quando o barraco estiver pronto, a filha de Andrei vai ir morar com eles, assim como Kátia e Agnaldo. “Deixei uma água descongelando para poder tomar banho, com o que sobrar vou tomar tereré”, Agnaldo puxa conversa com os novos vizinhos, que dão risadas enquanto continuam o trabalho.
Doações
Mercedes afirmou que a comunidade ganha bastante doações, mas este ano ainda não chegou nenhuma de roupas de frio. “Nem todo mundo tem bastante cobertas e casacos”.
De acordo com a moradora, quem quiser ajudar basta chegar no local e distribuir para as famílias. “Sempre que vem doação aqui a gente divide, sem briga, todo mundo se ajuda”, finaliza Mercedes.