Em meio à agenda repleta de eventos em comemoração aos 120 anos de Campo Grande, o prefeito Marcos Trad (PSD) recebeu o Correio do Estado em seu gabinete para esta entrevista. Com sinceridade, sempre calmo e de fala pausada, o chefe do Executivo municipal, que gosta de ser chamado de Marquinhos, dá atenção e muitas vezes recebe – na mesma sala em que atende secretários, políticos e faz reuniões – pessoas simples, moradores da cidade que vão em busca de algum tipo de auxílio e ali encontram a solução para seus problemas. Com quase dois anos e oito meses à frente da gestão do município, ele enumera os projetos retomados e os investimentos em saúde e educação, enfatizando ter aceitado desafios desde que tomou posse. Entre eles, o de reformar o centro da Capital. Um projeto ousado que deve refletir em toda a cidade nos próximos anos. Mesmo com ações concluídas, ele diz que ainda há muito o que fazer e se preocupa em deixar a cidade cada vez mais funcional e preparada para os próximos anos.
CORREIO PERGUNTA – Como o senhor avalia sua atuação até agora e quais são os maiores desafios?
MARCOS TRAD – Eu tenho dito que todo gestor busca melhorar a vida das pessoas, independentemente de quem está como prefeito. Todos são bem-intencionados, acontece que alguns conseguem mais e outros menos e, para se conseguir mais, há uma série de fatores que estão envolvidos, como planejamento, competência, qualificação técnica e o momento econômico pelo qual o País passa, porque, sem dinheiro, você não consegue fazer nada. Essa mistura vai trazer resultados positivos, negativos ou estagnação para a sua cidade. Não adianta ter pessoas qualificadas e competentes se você não obtiver recurso; não adianta ter o recurso e não ter os projetos competentes e corretos, porque eles não vão ser aprovados. Então, você precisa ter um pouco de cada um. Com planejamento, organização e com determinação, você consegue atingir o seu objetivo. A prefeitura é uma empresa pública. Quando assumi, eu encontrei a empresa que gastava, por mês,
R$ 140 milhões e arrecadava R$ 118 milhões.
Receita e despesas foram equilibradas?
Graças a Deus, não só consegui equilibrar, como a gente deu uma respirada nesse balanço a ponto de conseguir pagar, no primeiro ano, 15 folhas. Paguei vários fornecedores que estavam fazendo fila aqui na porta e devolvi a eles a credibilidade de investimento e continuidade de serviços essenciais para a nossa cidade. A Solurb é uma delas. Nós ficamos 22 dias sem coleta de lixo na nossa cidade na gestão anterior e eles não queriam dar mais sequência aos trabalhos deles dentro de Campo Grande. O contrato é discutido, as cláusulas são abusivas ou não, não é um campo de você entrar em rota de colisão, você pode até discuti-las judicialmente como foi, mas o serviço não pode parar. Enquanto você discute, você tem de honrar o contrato. Esse resgate da credibilidade dos fornecedores fez com que a cidade voltasse a crescer. Nós recuperamos o índice de empregos, nós trouxemos a Associação Comercial para cá. Não se administra apenas com a força do poder público. Se você não colocar a parceria privada aqui para dentro, vai sucumbir qualquer gestão.
O senhor avalia a parceria privada em todas as áreas?
Apenas com recursos administrativos você não consegue mais tocar a cidade, as máquinas estão inchadas, as máquinas estão ultrapassadas no setor de tecnologia; o que era para ser um computador de última geração, hoje, está no papel. Postos de saúde e unidades de pronto atendimento, quando chove, alagam. Eu devolvi a unidade de saúde lá do Dom Bosco. Com uma parceria público-privada, você vai ver porcelanato, placas em braille, em português e em inglês, assentos de espera, e não cadeira de plástico, mas cadeira almofadada, todos os consultórios com ar-condicionado e ambiente para pessoas com deficiência, piso tátil. Se você deixar tudo nas costas do poder público, você não consegue. Primeiro, porque tem empresas que ganham certames e licitações e não fazem o que deveriam fazer. Quando se fala que é prefeitura, aumentam o preço. As empresas querem reajuste toda hora, aditivo, reequilíbrio, porque elas ainda não estão sabendo que o Brasil passa por momentos muito diferentes do que os de antigamente.
É o futuro mesmo da administração pública envolver o privado e delegar?
Não se administra sem a ajuda da parceria público-privada, eles têm de ver que a cidade é deles. Temos de acabar com essa história de jogar tudo nas costas do prefeito, não dá. A prefeitura é assalariada, todo mês caem os mesmos recursos das mesmas fontes. Agora, quando começa a cair, qual é o meio que você tem? Eu não posso cortar o serviço público, não é assim, nós temos pessoas que dependem do setor público, como o IPTU, por exemplo, e você tem de atender nas Emeis, você tem de dar saúde de qualidade, tem de atender, tem de fazer tudo para os adimplentes como também para os inadimplentes, e aí diminui cada vez mais o recurso.
Em relação às obras realizadas, talvez a mais emblemática da atual gestão seja a do Reviva. Como ela impactará a cidade e como vai refletir na próxima década?
Antes de eu começar a obra do Reviva, eu ouvi os outros gestores. Eu, antes de entrar aqui, fiz uma reunião com os ex-prefeitos Juvêncio [César da Fonseca], Levy Dias, Nelsinho [Trad, atual senador] e André [Puccinelli] e falei para eles: “Olha, vocês têm mais experiência do que eu. Onde vocês acertaram e onde vocês erraram?”. Eu passei um dia inteiro, uma manhã inteira, com meus secretários, com eles em uma fazenda, em uma conferência. Eu anotei tudo que eles falaram, está tudo guardadinho. Eu uso até hoje. Só que teve uma [frase], tanto do André quanto do Nelsinho, que foi: “Nós não tivemos coragem de mexer no centro”.
E o senhor aceitou o desafio?
Porque eu orei antes e recebi essa palavra. Primeira de “Crônicas”, capítulo 28, verso 20. “Seja forte e corajoso, mãos ao trabalho, não tenha medo nem desanime, pois Deus, o senhor, o meu Deus, está com você. Ele não o deixará nem o abandonará, até que se termine toda a construção”. O que é uma reforma é uma transformação, o que é uma transformação é uma mudança. O ser humano não se sente confortável com mudança. Mas o objetivo é melhorar a qualidade de vida do centro da cidade de Campo Grande e nós vamos melhorar.
A obra vai levar mais coisas também, vai resolver outras pendências do entorno?
A reforma não é no centro, o centro é o coração, vai bombear sangue para todas as regiões da cidade. O centro da nossa cidade não tinha iluminação, não tinha segurança pública, tinha de ser feita alguma coisa. Vai lá no centro hoje, olha qualquer poste e você vai ver 30, 40 fios interligados e puxados; dentro dos comércios, tudo rachado, tudo quebrado. Ali, o que me preocupou muito é na 14 de Julho, entre a Maracaju e a Cândido Mariano. Ou vão aparecer grandes lojas e a hora que eles verem, como algumas já viram, que a gente tem notícia de que já começaram a comprar, vai se transformar ali o que se transformou o centro de Curitiba, de São Paulo, de Campos do Jordão, de Gramado, porque essa é a finalidade. Retirada dos postes, embutimento de fio, a troca da canalização.
Como o senhor pensa Campo Grande para os próximos dez anos?
O que eu tenho feito, primeiro, mobilidade e transporte coletivo. Corredores de ônibus. “Mas vai acabar meu estacionamento”. Gente, Campo Grande cresceu. É intolerável a pessoa pegar do Trevo Imbirussu até a Afonso Pena, na Bandeirantes, e levar 21 minutos de ônibus. Com o corredor, ele vai levar 12 minutos. A cidade tem de pensar na cidade. A cidade cresceu, as pessoas têm de começar a entender que elas não vão mais encontrar estacionamento na frente do lugar onde elas iam como era antigamente, e não adianta ela ficar dando volta. Ernesto Geisel é outro. Por isso estávamos fazendo ali com ciclovia, para daqui 1,5 milhão de habitantes. Eu não posso fazer obras da cidade para uma ou duas pessoas. Foi o que eu falei para os comerciantes da 14 de Julho: vocês estão perdendo consumidores para os shoppings, vocês não viram ainda. As pessoas saem daqui para ir aos shoppings e eu estou trazendo um shopping para vocês. Toda a cidade está pagando.
O que o senhor quer deixar de legado? Como quer ser lembrado?
De fazer as obras como o Pedrossian fez. Quando eu comecei a Ernesto Geisel, eles me chamaram de louco. Quando eu disse que ia fazer ciclovia e área de pedestre, foi a mesma coisa de quando o Pedro [Pedrossian] disse que ia fazer o Parque dos Poderes, o Parque das Nações Indígenas. O grande legado é parar de fazer a cidade crescer horizontalmente, não tem equipamento público para levar a todos esses lugares. Tem espaços vazios dentro da cidade, dentro da área urbana que tem de ser ocupada. A pessoa pobre pode morar no centro da cidade, por que não pode? Outra coisa importantíssima, eu estou revitalizando os parques para as pessoas. Nós pegamos nove parques fechados pelo Ministério Público Estadual e estamos devolvendo. É que eu não faço estardalhaço, não tenho um totem na cidade. As pessoas falam: “O senhor não fez nada”. Eu não tenho uma placa de “Essa obra foi inaugurada” fincada no chão.
O que o senhor gostaria de dizer para as pessoas que vivem aqui?
Eu sempre cuidei de seres humanos, o sofrimento deles é o meu sofrimento, a preocupação deles é a minha preocupação, mas o maior trabalho que eu tenho sentido é de mostrar para eles que eles são capazes e não devem depender de gestões. Eu não tenho dúvida nenhuma de que Campo Grande é uma terra que tem uma promessa de Deus aqui. É uma cidade que atrai a paz. Que tem as floradas do ipê justamente no seu aniversário. Ela guarda a água dela toda de janeiro, fevereiro, março até agosto, para falar para você: “Eu estou aqui, olhe para mim, eu não te abandonei, está seco, mas eu estou te molhando”.