Foram 7 anos movimentando a cena alternativa com batalhas de rimas, leitura de poesias e sendo um espaço de pluralidade e inclusão
Para quem curte rolê alternativo, a dica para essa sexta-feira (8), é "colar" na despedida do Laricas Cultural. Artistas da cena de Campo Grande marcam presença em um momento de encontro de amigos com gostinho de saudade.
"Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro" - Belchior
A produtora cultural Luanna Peralta em conversa com o Correio do Estado adiantou que a despedida irá gerar muita emoção e também felicidade. "O encerramento de um ciclo, entender que fechar um ciclo não é um fracasso. É apenas um novo recomeço de coisas que podem surgir na vida da gente, né?", disse Luanna.
Foram 7 anos que a produtora cultural descreve como "luta e resistência". Já que tudo teve início no Vagão da Lu que era localizado nas proximidades da Morada dos Bais.
O vagão em questão foi o único que conseguiu funcionar de um planejamento antigo para quando a Orla Morena foi projetada. No entanto, os outros sofreram depredação, foram ocupados por usuários de drogas até serem retirados.
"Em uma cidade e um Estado onde cultura e arte não são prioridades. Andamos Muito tempo sozinhos dependendo sempre dos nossos clientes e apoiadores" destacou Luanna e complementou:
"Estou muito feliz e, ao mesmo tempo, triste, são vários sentimentos. Mas espero que seja uma noite tranquila, agradável, emocionante, que eu chore muito".
Apresentações
O Projeto KZULO que nasceu na época do Vagão da Lu fará sua última apresentação e encerra atividades. Além deles movimentam a noite Berbella Mortis, Cia Apoema, Ariadne, Silveira, Isa Ramos, Dovalle
O jornalista e comediante Daniel Lacraia rememorou o significado do espaço. Leia na íntegra:
"O Laricas Cultural, desde o tempo do vagão, sempre foi um espaço de integração. Da periferia com o centro, da arte com o público e das pessoas com as múltiplas expressões artísticas desenvolvidas em Campo Grande. Sempre foi um espaço que se abriu para o novo. Como toda arte e artista, o local experimentou e apresentou para a cidade uma cena cultural efervescente, uma cena que em muitos lugares não teria espaço e que viu no Laricas Cultural uma possibilidade de aprendizado e crescimento pessoal. Em despedidas, se olha o que se perde. Porém, no caso do Laricas Cultural, temos que enxergar o que ganhamos. Laricas possibilitou Campo Grande olhar para o passado, presente e sonhar com o futuro. Campo Grande tem arte e artista. Campo Grande tem uma gente que mesmo com o sentimento de não reconhecimento ainda tenta, sonha e reflete sobre si e sobre o seu espaço. Campo Grande sempre terá o Laricas como referência de que é possível se questionar e é permitido transgredir. Laricas acolheu e entregou transgressores. Laricas entrega à cidade uma Campo Grande diferente daquela que se viu no dia de sua inauguração", contou.
Resistência Cultural
No dia 10 de setembro, o espaço Laricas Cultural, na Antônio Maria Coelho, foi alvo de uma batida policial devido ao som alto que terminou com a proprietária, de 37 anos, algemada e encaminhada para a delegacia junto com clientes.
Frequentadores afirmam que viaturas cercaram o espaço e que agiram de forma truculenta, fazendo deboches, colocando clientes contra a parede e até mesmo a revista em mulheres sem a presença de uma policial mulher.
“Todos os clientes que estavam do lado de fora e de dentro foram revistados. Os policiais pularam o muro e eu me senti como se fosse um dos piores traficantes. Foi horrível. Vi minha amiga sendo derrubada duas vezes no chão até prenderem ela”, relembra o cozinheiro, Théo Pitzschk.
“Sem mulheres na abordagem, me levaram algemada pro camburão e me deixaram por 1h lá dentro, enquanto abordavam e retiravam todas as pessoas do local, passando por dentro da minha casa (eu moro no Laricas desde a pandemia). Fui levada para a delegacia e segui algemada por mais de três horas ao lado de homens detidos sem algemas”, diz trecho da nota publicada nas redes sociais.
Por sua vez, a Polícia Militar de Mato Grosso do Sul afirma que realiza centenas de abordagens e efetua prisões cotidianamente em situações semelhantes a que ocorreu no Laricas Cultural.
“A guarnição da PMMS deslocou até ao local em apoio a Força Tática, realizando abordagem em dois cidadãos que estavam em frente ao estabelecimento. Eles demonstraram nervosismo ao ver as viaturas e tentaram se desvencilhar da equipe policial. Ao realizar a abordagem em ambos fora encontrada a quantia de 3,30 gramas de substância análoga a maconha. Os cidadãos foram apresentados na Delegacia de Pronto Atendimento para os procedimentos cabíveis, sem a necessidade de uso de algemas e sem lesões corporais”, diz a nota da PMMS.
Cenário cultural de Campo Grande entra em discussão
Ao Correio do Estado, o pesquisador, professor e doutorando, João P. Abdo explica como a Lei do Silêncio afeta os espaços culturais. Em 2018, ele realizou uma pesquisa sobre uma série de ações abruptas do Poder Público em relação aos espaços independentes de cultura que realizavam atividades envolvendo emissões sonoras em Campo Grande.
“A percepção que se generalizou foi uma aparente falta de sentido de aplicação da Lei do Silêncio, que havia sofrido restrições e se tornado ainda mais intolerante. Isso fez com que a ação fiscalizatória pressionasse, interditasse e fechasse uma série de estabelecimentos que não atendiam às demandas legais”, esclarece.
Para o pesquisador, o que chama atenção é a forma como se dá essa ação dos agentes públicos, como no caso do Laricas Cultural.
“Há uma forte carga de subjetividade na ação fiscalizatória, que age de forma seletiva a depender do tipo de manifestação cultural. Havendo maior pressão sobre os locais alternativos, frequentados pelo público LGBTQIPA+, artistas, estudantes e outros grupos que chamamos minorias sociais”, avalia.
Cabe destacar que a Lei do Silêncio é uma das pautas em debate na Câmara Municipal de Campo Grande. O presidente da Comissão de Cultura, vereador Ronilço Guerreiro, pondera que a cultura precisa ser respeitada e trabalhada sem violência.
“Campo Grande não pode ser uma cidade que dorme cedo demais. As pessoas têm o direito à cultura, de se divertirem, respeitando o espaço de todos. Vamos lutar para colocar mais recursos na cultura. Não se pode tratar a cultura como caso de polícia, ela deve ser tratada com carinho e respeito. No lugar onde não tem atrativos culturais, a violência vira espetáculo”, afirma o vereador.
Já para o produtor cultural, Kenzo Minata, o debate é influenciado por posicionamentos políticos. Manter um estabelecimento cultural em pé é um verdadeiro trabalho de resistência.
“Sofri isso com Resista! Com uma fiscalização opressiva, uma burocracia inviável de conseguir alvarás. Tive eventos da Brava fechados pelo estado, mesmo com todos os alvarás necessários. Tudo que é considerado contra cultura do MS, que foge das raízes agrosertanejas, enfrenta preconceito e uma injusta perseguição. Tanto por parte conservadora dos cidadãos, quanto pelos órgãos fiscalizadores”, observa o produtor cultural.
Nas redes sociais diversas pessoas, incluindo políticos, produtores culturais, artistas nacionais e regionais, saíram em defesa da proprietária que está há anos no cenário cultural campo-grandense.
Serviço
Rua: Antônio Maria Coelho, 663
Horário: 17h30 às 23h / Entrada colaborativa: R$ 10 reais
** Colaborou Suelen Morales
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