Defensoria comparou o caso com o que aconteceu com o ex-deputado Rubens Paiva, retratado no filme Ainda Estou Aqui; Sul-mato-grossense teria sido morto e enterrado como indigente
A Justiça concedeu a declaração de ausência de Gerson Geraldo da Silva, desaparecido desde 1995, após ser escoltado para transferência entre presídios em Mato Grosso do Sul. Com a declaração, a filha do desaparecido tem acesso a devida documentação do pai assassinado.
A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul destaca a relevância do caso e compara a situação a outros episódios de desaparecimentos forçados no Brasil, como o do ex-deputado federal Rubens Paiva, retratado no filme “Ainda Estou Aqui”.
Segundo consta no processo, a filha do homem requereu a declaração de audência do pai, alegando que a última notícia dele foi em julho de 1995, quando o homem encaminhou uma carta para sua mãe pedindo auxílio, pois estava preso no Estabelecimento Penal de Paranaíba, mas que seria transferido para a cidade de Aparecida do Taboado.
Carta foi o último contato de Gerson com a família, em 1995Na carta, ele também pedia que a família encaminhasse remédios, pois estava doente e não estava conseguindo tratamento pois a Polícia Civil estava em greve. Também pedia cobertas, pois fazia frio na cela e ele acreditava ser o motivo de estar ficando doente.
Na ocasião, ele já havia cumprido um ano e quatro meses da pena de 12 anos a qual foi condenado, e afirmava que poderia ser transferido para Aparecida do Taboado e pediu ajuda para a família conseguir um atestado de vaga.
Passado um período do envio da carta, a filha ficou sabendo, através de conhecidos, que seu pai foi assassinado durante a escolta para transferência entre os presídios, sendo enterrado como indigente no cemitério de Paranaíba.
Desde então, como nunca houve esclarecimentos acerca do fato, também não havia registro de óbito.
Declaração de ausência
A Defensoria Pública deu início ao processo para declaração de ausência em 2021, conduzido pelo defensor público Giuliano Stefan Ramalho de Sena Rosa, titular da 1ª Defensoria Pública de Cassilândia.
A declaração de ausência é um processo judicial que reconhece que uma pessoa desapareceu e não há indícios de seu falecimento. Esse processo permite a proteção dos bens e interesses do ausente.
"Durante as diligências, não foram encontrados registros de sua passagem por outros estabelecimentos penais, tampouco certidão de óbito. No entanto, havia nos autos documentos sobre o processo criminal que levou à sua condenação e prisão em 1994", disse a Defensoria, em nota.
Gerson estava preso por homicídio. Em 1994, ele deu uma facada em um colega de trabalho, em uma carvoaria.
O Ministério Público manifestou-se favorável à declaração de ausência, destacando a inexistência de qualquer indício sobre a localização do homem.
Com base nos elementos apresentados, a juíza Flávia Simone Cavalcante, da 2ª Vara de Cassiândia, reconheceu a ausência e nomeou a filha, que poderá organizar as documentações legais a partir de agora.
“A declaração de ausência impõe que o Estado de Mato Grosso do Sul dedique esforços para determinar o paradeiro da vítima e realize a investigação penal dos fatos, a fim de identificar e julgar os responsáveis pelo desaparecimento”, declarou o defensor público Giuliano Rosa.
Condenação por homicídio
Segundo consta no processo, no dia 29 de janeiro de 1994, Gerson e a vítima trabalhavam juntos na mesma carvoaria e não tinham discutido.
O colega estava trabalhando com uma outra pessoa, ambos em cima do forno, quando Gerson também subiu no forno e, em tom de brincadeira, perguntou para o homem se o outro era seu secretário.
O homem respondeu que não havia secretário e que estavam apenas tentando encher os fornos com lenha para fazer fogo e desceu.
Nesse momento, Gerson esfaqueou o rapaz que ainda estava em cima do forno e fugiu do local. O homem chegou a ser socorrido, mas morreu no hospital de Cassilândia.
Ele foi condenado a 12 anos de prisão e já havia cumprido 1 anos e 4 meses quando desapareceu.
Ainda estou aqui
O drama brasileiro Ainda Estou Aqui é baseado no livro autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva, que conta a história de sua mãe, a advogada e ativista pelos direitos humanos Eunice Paiva, durante a ditadura militar no Brasil. O papel de Eunice Paiva, falecida em 2018, foi interpretado por Fernanda Torres.
O enredo aborda a luta pela democracia, a resistência à opressão, a força da mulher, a busca por desaparecidos políticos e a importância da memória, a partir do desaparecimento, em 1971, do ex-deputado federal Rubens Paiva (com atuação de Selton Mello), marido de Eunice Paiva.
O político brasileiro, que teve seus direitos políticos cassados em 1964, com o golpe militar, foi torturado e assassinado, no Rio de Janeiro. Seu corpo nunca foi encontrado.
Em 1996, foi emitido o atestado de óbito de Rubens Paiva. Em 2025, a certidão de óbito foi corrigida para constar que sua morte foi causada por agentes do Estado durante a ditadura militar.