Os filhos de João Eudes não quiseram aprender as técnicas da fabricação e conserto de calçados, mas o sapateiro encontrou uma alternativa para evitar o fim da profissão presente na família há duas gerações. Ele vai "exportar" os conhecimentos para o outro lado do mundo, por meio de um jovem japonês de 18 anos, fascinado com a ideia de reparar danos sem precisar substituir.
"O sapato rala um pouquinho e eles já estão jogando fora", relata Kentaro Yamada, afirmando nunca ter visto um sapateiro na cidade de Nagoia, onde nasceu e morou até o ano passado.
Em Campo Grande, o primeiro contato do garoto com solas e palmilhas ocorreu na sapataria do tio dele, antes de começar a auxiliar João. "Olhei a fisionomia do rapaz querendo trabalhar em sapataria e pensei 'tem alguma coisa estranha'", brinca o sapateiro referindo-se a pouca idade e ao estilo "moderno" do garoto, com brinco na orelha e corte de cabelo atual.
A preocupação de João era a repetição "da mesma história" em que os garotos abandonam o posto depois de pouco tempo de trabalho. "Já vieram vários guris trabalhar comigo, mas depois de uma semana, 15 dias, eles iam embora porque é uma profissão que suja a gente totalmente", lembra o sapateiro, que depois de tanto tempo de prática aprendeu a diferenciar o perfil dos ajudantes. "Se tá mexendo com você e daqui a pouco começa a se limpar, você já vê que não vai ficar mais".
APRENDIZADO
Aos 51 anos, João conta ter aprendido as técnicas quando ainda era criança e morava com os tios em Maracaju, mas o sonho era ser mecânico. "Naquela época eu era obrigado a aprender. Era tudo diferente! Eles largavam a guampa de tereré e eu trazia na mão deles". Depois de 31 anos na mesma função ele diz ter se apaixonado. É uma arte, sem dúvida! Você pega desde o começo do couro e transforma em uma bota".
Além da satisfação com a própria obra, outro incetivo é o elogio do cliente. "É uma sensação muito boa, eles olham, admiram aquela arte e a gente fica orgulhoso, mas isso está se tornando uma raridade".
E é justamente por estar se extinguindo a profissão, que João não incentivou os filhos a seguirem. "Não fiquei chateado em momento algum. Essa profissão está ficando extinta, aos poucos está desaparecendo. Já não tem mais essa arte".
A afirmação do sapateiro é rebatida de imediato por Kentaro. "Não vai acabar assim não porque eu não vou deixar acabar. Falei para o seo João, que se ele fechar aqui eu vou pegar tudo isso pra mim e ele disse 'pode pegar'".
Sobre os motivos que fizeram Kentaro se atrair pela profissão ele diz: "gostei da bagunça mesmo! Não gosto de serviço 'na linha', gosto de serviço tudo doido e dos clientes que ficam felizes quando o sapato fica bonito".
Ele intercala a cadeira da sapataria com os tatames, já que também é lutador. O objetivo dele é ficar no Brasil por mais três anos e depois retornar ao país de origem. "Acho que dá pra ganhar dinheiro porque japonês gosta de economizar".