Com a popu l ação mu nd i a l chega ndo próximo dos 7 bilhões de habitantes, estamos longe de resolver um dos maiores problemas que acompanham a humanidade desde seus primórdios: a fome. Os conflitos decorrentes da má distribuição de alimentos ocasionam tragédias que se repetem diariamente. O fato ocorrido no Haiti é resultado de uma combinação nefasta de desacertos políticos com um evento da natureza. Os dois fenômenos, um social e o outro natural, provocaram uma catástrofe e atraíram os olhares assustados de todo o mundo. Os escombros que “sepultaram” milhares de pessoas apenas nivelaram parte de sua população na linha mínima da miséria, quase chega ndo a i nsustentabi l idade da existência humana. O que está sendo avaliado, talvez não seja a resistência humana em sua totalidade e sim, a capacidade de cooperação internacional daqui pra frente. Quando a Dra. Zilda Arns, ao terminar seu discurso foi soterrada pelo concreto, nascia ali, naquele momento, a áurea de quem lutou contra a fome dos outros, principalmente das crianças. Sua iniciativa salvadora de vidas, com o soro caseiro, a multimistura, pomadas e outras medidas caseiras e baratas, cumpriram o papel que o poder público não dava conta de atender. Um meio eficiente e econômico de garantir vida a crianças fadadas à morte prematura. Como a ideia central é a utilização de recursos disponíveis nas comunidades para a “fabricação” desses produtos, e de voluntários pa ra su a e xecução, n ão houve nu nca a possibilidade de dar ao programa um sentido paternalista ou assistencialista. Iniciativas como essas, dependem de alguns fatores para que dêem certo, entre eles, uma boa ideia, simples, utilizando recursos locais, motivação de seus colaboradores e esclarecimentos dos participantes. A fome sempre existe em consequência de tragédias. Sejam elas decorrentes de conflitos étnicos, religiosos, nacionalistas, raciais, fenômenos naturais ou outros que envolvam também a omissão. Os conflitos diretamente provocados pelos homens, são enfrentados com armas. Os conflitos internos – nossas doenças –, ou ainda, os ferimentos, nós curamos com remédios. Então temos esses três conflitos presentes no mundo e que estão muito bem representados no Haiti. Essa mistura têm sido letal aos mais pobres. A indústria farmacêutica, de armas e a de produção de alimentos, embora com atividades diferentes, têm finalidades iguais. Precisam de compradores para seus produtos. As falhas primordiais dos governos nas garantias básicas de condições dignas de vida aos seus governados favorecem o caos social. A obra que Zi lda Arns e tantos outros herói s a nôn i mos – re l i g iosos ou n ão – fazem, aos poucos, é uma revolução lenta e silenciosa nas estruturas de vida dos povos. Essas ações preenchem a brecha dei xada pelo poder público. Na outra ponta, e com ma i s vorac id ade, o cr i me orga n i z ado e milícias vão recrutando os marginalizados e transformando-os em seus colaboradores. Só que nesse sistema não há voluntários, tudo faz parte de uma negociação, onde, repito, os mais pobres acabam “pagando”. Algumas vezes com a própria vida. A fome que temos é diversa. O que poderia “matar” essa fome está, em um momento emergencial, na solidariedade humana. Em médio prazo, podemos encontrar soluções através da educação e dos reflexos positivos que ela produz. Isso tudo levará muito tempo, mas necessita de um começo. A população continua aumentando e as tecnologias dispon íveis apontam para um crescimento de produtividade em todos os setores. Os recursos naturais disponíveis estão se esgotando, embora grande parte do consumo humano, principalmente nos países desenvolvidos, vá além de suprir necessidades básicas. O consumo se dá, em grande parte, para suprir vaidades. O preço pago por isso começa a ser percebido, em forma de inundações em grandes cidades, desabamentos, ar irrespirável e outras dificuldades para se viver. O tempo que precisamos para saciar nossas fomes será sempre infinito, pois infinitas são as necessidades que “criamos”. Como já cantou o poeta “... eu devia estar contente por ter conseguido tudo o que eu quis, mas confesso abestalhado que eu estou decepcionado, porque foi tão fácil conseguir e agora eu me pergunto e daí, eu tenho uma porção de coisas grandes pra conquistar e eu não posso ficar aí parado...”. Temos fome de quê?.