Longe de pretendermos elevar a discussão ao grau de contenda, já que esta, a tempo e modo será, pelo que se avizinha, delineada judicialmente, mas com o único espírito de expor outra opinião sobre o assunto, com vistas a descortiná-lo para os leitores desse conceituado jornal, temos a dizer que recebemos com relativa reserva a veemência do bem escrito artigo publicado neste jornal, na edição que circulou em 24.05.2010, denominado "A vitória de Pirro", de autoria do ilustre Procurador Federal Aécio Pereira Júnior, onde este sustenta que a vitória do setor produtivo no STF em relação ao FUNRURAL, através do precedente estampado no RE n. 363.852/MG, é relativa, na medida em que o art. 1º da Lei n. 8520, de 1992, declarado inconstitucional pelo Excelso Pretório, apenas substituiu a base de cálculo que antes recaía sobre folha de salários e passou a incidir sobre receita bruta da comercialização da produção rural, logo, sustentou o articulista, "todos os produtores rurais pessoas físicas seriam imediatamente intimadas para retomar o pagamento da contribuição social incidente sobre a folha de salários e, também, efetuar o pagamento do período não prescrito devidamente corrigido, o que lhes trará muito mais ônus do que bônus".
Não nos parece que essa conclusão a respeito do tema é a mais adequada, com a devida vênia do articulista, um estudioso do direito que muito respeitamos.
A modificação da base de cálculo das contribuições sociais do empregador rural foi motivada, inegavelmente, pelo maior retorno financeiro, dada a histórica informalidade das relações de trabalho desenvolvidas no meio rural e a mecanização da produção agrícola.
A opção política do governante de 1992, embora flagrantemente inconstitucional, surtiu os efeitos almejados, afinal debalde a discussão judicial travada desde então, com acúmulo de derrotas nos tribunais federais, somente em 2010 o STF conseguiu proferir a primeira decisão reconhecendo a inconstitucionalidade da mudança da base de cálculo, vale dizer, durante 18 anos a classe produtora se viu obrigada a recolher aos cofres públicos federais tributo incompatível com a Carta Magna.
O art. 1º da Lei 8.540, de 1992, ao criar "nova" base de cálculo da contribuição social a cargo do empregador rural, o fez a fim de substituir a folha de salários, de modo que é insustentável a defesa de uma base de cálculo opcional (ex. ou A ou B).
A palavra substituir tem origem no latim "substituere", que significa tirar para pôr outro em seu lugar; ocupar o lugar ou a função de; sobrepor-se a.
Não nos esqueçamos de que o art. 6º, da Lei 8540, de 1992, expressamente, revogou as disposições em contrário, portanto, a redação anterior do art. 25 da Lei 8212/91 perdeu a sua vigência.
Não há falar em efeito repristinatório na espécie, por dois motivos: (i) a decisão do STF é um excelente precedente para o setor produtivo, mas não possui efeito "erga omnes" e nem tem o condão de provocar a expulsão da norma que depende de resolução do Senado Federal, após a manifestação da Corte Suprema em ADI ou ADC (art. 52, inc. X, CF/88); e, (ii) nos termos do art. 2º, § 3º, da Lei de Introdução do Código Civil, "Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência". A regra é a da não repristinação.
O professor Tárek Moysés Moussallem, a respeito da declaração de inconstitucionalidade e a (im)possibilidade de "repristinação" da lei anterior, escreveu com muita propriedade, que: "... além de a repristinação ser uma figura problemática no universo jurídico, como já explanado (em verdade não há repristinação), ela é, para aqueles que proclamam a sua existência, um fenômeno legislativo, e não judicial como à primeira vista pode parecer". "... o acórdão que "declara" a inconstitucionalidade em ação direta não é mera declaração. Mais uma vez está-se diante de ato de fala deôntico (veredicto e exercitivo) que estabelece um novo estado legal de coisas. O acórdão em ação direta constitui a inconstitucionalidade, não a declara simplesmente".
Também Michel Temer adverte que a repristinação "...é inadmitida em nome do princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais..." e prossegue: "O permanente fluxo e refluxo de legislação geraria dificuldades insuperáveis ao aplicador da lei, circunstância não desejada pelo constituinte".
A propósito, o próprio STF quando do julgamento do Recurso Extraordinário 363.852 onde se declarou a inconstitucionalidade da lei 8.540/92 deixou assentado que tal se operava "...até que legislação nova, arrimada na EC 20/98, venha a instituir a contribuição" em franco distanciamento da repristinação.
Esse posicionamento não é estranho à União, que em caso similar ao presente, onde o STF declarou a inconstitucionalidade do § 2º do art. 25 da Lei 8870, de 1994, tentou restabelecer a exação sobre a folha de salários com base na lei revogada (art. 22, I, da Lei 8212/91) e encontrou óbice no Superior Tribunal de Justiça, verbis:
"TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. LEI 8.212/91: REPRISTINAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 8.870/94. EMPRESA AGROINDUSTRIAL.
1 – As empresas agroindustriais, com a revogação do art. 22, I, da Lei 8.212/91, passaram a contribuir para a Previdência, com percentual de 2,5% incidente sobre o valor estimado da produção.
2 – Declarada a inconstitucionalidade da norma revogadora (§ 2º do art. 25 da Lei 8.870/94), não pode ser cobrada a contribuição com respaldo na norma antecedente do art. 22, I, da Lei 8.212/91)".
Como tudo que envolve a tributação, a ação de tributar do Estado, as vitórias dos contribuintes são obtidas ao custo de longínquas e sacrificadas batalhas judiciais, mas alcançá-las sempre valerá o esforço. Não serão por isso "vitória de Pirro". Não é possível tributar o setor produtivo rural com base na lei revogada, seja em função da inexistência da tributação alternativa ou em face da impossibilidade de se permitir o efeito repristinatório.
Ary Raghiant Neto e Vladimir Rossi Lourenço, advogados