Ele é advogado, economista, já viveu por anos no Rio de Janeiro mas voltou ao país de origem, Portugal, para se candidatar a deputado pelo Parlamento. Conseguiu realizar seu sonho e atualmente é deputado pelo círculo de fora da Europa, ou seja, representa no Parlamento os portugueses que residem nos quatro continentes fora da Europa. Em visita a Campo Grande, Carlos Páscoa recebeu o Correio do Estado e, na entrevista, fala sobre a nova lei de nacionalidade, sobre as comunidades luso-descendentes e das eleições do dia 4 de outubro.
CORREIO PERGUNTA
O senhor pertence a um partido que dá apoio às comunidades portuguesas instaladas mundo afora. Em que consiste este trabalho? Como ele é feito e por que?
CARLOS PÁSCOA - Bem, Portugal tem nos continentes, na Ilha da Madeira e nos Açores uma população aproximada de 10 milhões de habitantes. E tem, vivendo fora de Portugal, população da ordem de 5 milhões de portugueses - entre portugueses e luso-descendentes, mas pessoas com documentação portuguesa. Porque o sistema de nacionalidade em Portugal é por sangue, independente de onde nascer, desde que tenha o sangue português, tem direito à nacionalidade de origem. Portanto, estes 10 milhões de portugueses do continente e das ilhas, somados aos 5 milhões que vivem fora, elegem 230 deputados para o Parlamento português que é unicameral. Destes 230, 226 são eleitos por Portugal e ilhas e 4 são eleitos pelas comunidades portuguesas - dois pelas da Europa e dois pelas fora da Europa. Eu sou um destes dois deputados eleitos por fora da Europa. O meu partido (PSD) elege os dois candidatos por fora da Europa. E qual é nossa função? É visitar estas comunidades, ver quais são suas necessidades, ver o que podemos fazer para melhorar a vida delas a nível de serviços, de nacionalidade, de apoio social, de integração da nossa comunidade com as comunidades locais. E isso é uma coisa que eu preservo muito e faço com muita frequência. Enfim, nos dedicamos a fazer no Parlamento leis que facilitem a vida dos portugueses que moram fora de Portugal.
Qual a importância dos luso-descendentes na perpetuação da cultura portuguesa fora do país de origem? Há algum trabalho sendo feito neste sentido?
Minha principal preocupação, enquanto deputado das comunidades, é exatamente a perpetuação das comunidades pelo trabalho, pela integração dos luso-descendentes. A imigração, particularmente para a América do Sul, diminuiu muito nos últimos 40 anos - teve um pique agora, nos últimos três anos, mas nada comparado com o que existiu no passado. Eu entendo que a evolução dos costumes, a manutenção dos costumes, das tradições, das coisas de Portugal, das associações terá que ser pelos luso-descendentes. E foi pensando nisso exatamente, entre outras iniciativas, que apresentei na Assembleia da República um projeto de lei para a atribuição de nacionalidade de origem aos netos de portugueses nascidos no exterior e cujos pais não tenham pedido esta nacionalidade. Como a lei é por sangue, seria obrigatoriamente cedida pelo pai, mas acontece que até 1994, no Brasil por exemplo, era proibida a dupla nacionalidade. Então, muitos filhos de portugueses não pediam a nacionalidade porque tinham medo de perder a nacionalidade brasileira. Mas aí, muitos faleceram e seus filhos, na realidade netos de portugueses, estavam impedidos de obter esta nacionalidade de origem, que é a única permitida como dupla no Brasil. Em função disso entrei com esta iniciativa para corrigir esta lacuna. E foram sete anos de trabalho duro no Parlamento, apresentei este projeto de lei por três vezes; as duas primeiras, como dizemos lá em Portugal, foram chumbadas, mas nesta última legislatura tive a oportunidade de ter aprovação no final de maio.
O senhor pode nos explicar como é o procedimento, agora, com a aprovação da lei? Ela já foi sancionada?
Ela foi apenas aprovada em maio na Assembleia da República, em votação final global e já foi também promulgada pelo Presidente da República e publicada no Diário Oficial, que lá se chama Diário da República. Falta somente a regulamentação, que tem que ser feita pelo Ministério da Justiça. E eu, como estava terminando a legislatura, pedi ao ministério que aguardasse as eleições para quando voltássemos ao Parlamento pudéssemos fazer esta regulamentação em conjunto porque eu gostaria que aquilo que eu propus como iniciativa na lei não fosse desvirtuado, depois, no regulamento. Então temos este acordo e eu acredito que no máximo até o fim do primeiro trimestre de 2016 a regulamentação estará finalizada. O que será necessário? É preciso que a pessoa comprove que é neto de português, ou seja, conseguir uma certidão de nascimento do seu avô e dar entrada no consulado com seus documentos normais, comprovando que tem alguma afinidade com a comunidade - ou que é sócio de um clube, ou que participa de alguma atividade, enfim, tem que ter alguma ligação para que não seja alguma coisa meramente gratuita.
Netos de portugueses que já obtiveram a cidadania por naturalização terão a conversão para a cidadania originária automaticamente ou terão que solicitar ou fazer todo o processo novamente?
Isso só será definido na regulamentação, é o próprio Ministério da Justiça quem vai definir isso, é preciso aguardar para ter a resposta para esta dúvida, que é recorrente, mas eu não posso responder porque não é minha atribuição inicial a regulamentação e, sim, do Ministério da Justiça.
Ficou mais fácil para o brasileiro ou brasileira casado com cidadão ou cidadã português obter a nacionalidade portuguesa?
Não ficou mais fácil. O que se passa é o seguinte: a mesma lei diz que qualquer português ou portuguesa, casado com estrangeiro no estrangeiro, este cônjuge estrangeiro tem direito à nacionalidade ao fim de três anos de casamento desde que provada a afinidade com a comunidade. Isso está dando entendimento a uma série de interpretações, as mais diversas possíveis, o que também não está regulamentado. E o que eu propus aos conservadores em Lisboa e aos registros centrais, foi que, de comum acordo, pudéssemos fazer um regulamento para definir o que era afinidade. Já tivemos um primeiro encontro a meu pedido na Assembleia da República e ficamos acertados que, logo após as eleições, iríamos então bater o martelo nesta definição. Por que? Porque sem estar definida as pessoas não sabem quais documentos apresentar. Aí, chega em Lisboa, é negado e as pessoas não sabem o porquê, porque não tem uma explicação. Então, a partir do momento que tivermos esta regulamentação, que eu quero fazer, mesmo que seja informal, todos saberão o que precisam e têm condições de apresentar aquelas exigências, justamente para facilitar a vida de todos.
O pedido de cidadania pode ser feito por meio de qualquer consulado? Em Campo Grande é possível fazê-lo?
Uma das iniciativas que nós tivemos muito importante nesta legislatura, nos últimos 4 anos, é algo chamado “permanências consulares”. O que é isso? É a vinda de um funcionário do Consulado Geral de São Paulo ao Consulado de Campo Grande, com uma máquina portátil, que pratica todos os atos que são praticados dentro do Consulado de São Paulo. A partir do momento que isso acontece, as pessoas poderão dar entrada em seu processo aqui em Campo Grande e será exatamente o mesmo que estar dando entrada em São Paulo.
E qual é a periodicidade desta permanência?
Eu acho que estão sendo feitas mensalmente. As pessoas têm que telefonar para o consulado aqui de Campo Grande e agendar.
De que se trata o projeto junto ao governo brasileiro da retenção de 25% do valor das aposentadorias para os reformados que quiserem ir viver em Portugal?
Este é um assunto que considero urgentíssimo para resolver, porque neste momento existe uma quantidade enorme de pessoas portuguesas, luso-descendentes e mesmo só brasileiros que querem passar a sua aposentadoria em Portugal, em função da qualidade de vida, do custo de vida mais baixo, dos atrativos que temos lá. E existe um acordo entre Portugal e Brasil de que há uma equidade, uma similaridade de tributação. Mas no caso dos aposentados, por exemplo, quem ganha até R$ 29 mil por ano no Brasil e tenha mais de 65 anos, esta pessoa é isenta de Imposto de Renda. Mas se ele for morar em Portugal e pedir a transferência, a sua aposentadoria para lá, a cada mês retém 25% do valor que remetem. Aí, esta equidade deixou de existir. Eu estes dias estive falando com um deputado federal do Rio de Janeiro, que integra um grupo de amizade Brasil-Portugal, para que em conjunto possamos, com os deputados de Portugal junto com os deputados do Brasil preparar uma iniciativa de maneira que o Governo reconheça que há uma equidade que tem que ser mantida, que não se cobre este valor e que na verdade é um tratamento diferenciado.
O senhor é candidato do PSD para integrar a lista de Fora da Europa para as eleições legislativas de 4 de outubro próximo. Quais são os principais pontos de sua plataforma junto à comunidade luso-descendente brasileira?
Basicamente o que eu relatei aqui é muito do que está em nossa plataforma, mas ainda existem outros itens importantes como o alargamento destas permanências consulares para podermos ter mais equipamentos, para atendermos mais comunidades. Por exemplo, em Cuiabá ainda não é atendido e precisa ser, eles têm que ir à Brasília para tratar de seus documentos e eu acho isso nos dias de hoje absolutamente inadequado e fora de propósito. Além disso, temos uma proposta para aqueles que tenham investimentos em Portugal, seja que tipo de investimentos forem e que por conta disso paguem impostos em Portugal. É para que tenham direito ao atendimento do Serviço Nacional de Saúde tal qual os residentes em Portugal. Por que? Porque eu entendo que quem paga imposto tem que ter uma retribuição em serviço. Então, não interessa onde você reside. Se mora no Brasil mas paga imposto em Portugal tem direito ao Serviço Nacional de Saúde. Uma outra proposta que queremos adiantar é de que também quem tenha investimento imobiliário possa votar, além de Presidente da República e para o Parlamento, possa votar também para as prefeituras. E vamos apresentar propostas também para as pessoas que queiram investir em termos imobiliários - imóveis, apartamentos, residências em Portugal - que tenham algum benefício fiscal, alguma isenção do imposto equivalente ao IPTU aqui, o Imposto Municipal de Imóveis. Queremos que tenha um período de carência de dez anos para que a pessoa tenha estímulo para investir.
E como será o sistema de votação para a eleição de 4 de outubro?
Os portugueses que estão recenseados no consulado já devem ter recebido uma carta com boletim de voto. Estas pessoas terão que mandar este voto de volta para Portugal até o dia 3 de outubro próximo, porque a eleição é no dia 4 e nesta data os Correios não funcionam. Assim, a estampa no envelope tem que ser até dia 3. Ele tem que pegar este boletim de voto, tem 15 opções (a nossa opção é a terceira e chama-se “Portugal Coligação à Frente) e, além de mandar este boletim de voto conforme vem explicado, tem que mandar um comprovante de eleitor. Este comprovante pode ser cópia do título de eleitor, pode ser cópia da certidão de eleitor, porque se não tiver esta certidão pode pedir por email ou ao consulado de São Paulo ou pode se dirigir ao consulado aqui de Campo Grande para conseguir. E se tiver alguma dificuldade nestas duas variações, ainda pode obter isso direto de um site do Ministério da Administração Interna que se chama www.recenseamento.mai.pt. Entra com a data de nascimento e o nome, aparece a identificação de eleitor, imprime e também serve para mandar como comprativo. O que não pode é não mandar com algum comprovativo de eleitor. Não serve o cartão de cidadão, as pessoas às vezes confundem. Tem que ser o comprovativo de eleitor, do contrário, o voto é nulo. O restante das instruções vêm junto com o boletim. Só é preciso ter atenção na data do dia 3 e enviar por correio simples. Em várias cidades há a greve dos Correios, mas muitas pessoas já receberam. No caso de não receberem por conta da greve, não há o que fazer.
PERFIL
CARLOS PÁSCOA
Nascido em Portugal, na cidade de Figueira da Foz. Viveu muitos anos no Rio de Janeiro e desde 2005 retornou a Portugal para assumir uma vaga no Parlamento português, eleito pelas comunidades de fora da Europa. Está terminando o terceiro mandato e propondo-se a renovar um quarto. Formado em Economia e Direito. Antes de 2005 sempre militou na área privada. Foi para a área política a partir de 2005. Casado, tem três filhos.