O Ministério Público de Mato Grosso do Sul abriu, nesta terça-feira (21), um procedimento para investigar a morte de abelhas em Brasilândia, município localizado no leste do Estado e 365 quilômetros distante da Capital sul-mato-grossense.
A principal suspeita é de que a morte dos insetos tenha sido causada pelo uso indevido de agrotóxicos por parte da Usina Caeté, empresa de Açúcar, Etanol e Bioenergia, que possui uma plantação de cana a menos de 200 metros do apiário onde o denunciante constatou a morte das colmeias.
No relatório, enviado no dia 7 de novembro do ano passado ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), está anexada a ocorrência registrada pelo produtor Amilton Vichete, responsável pelas colmeias. Segundo ele, na visita anterior, realizada em outubro de 2022, as colmeias se encontravam em bom estado sanitário. No entanto, ao retornar ao local no dia 4 de novembro, se deparou com todas as suas vinte colmeias mortas.
O apicultor menciona ainda que viu uma aeronave sobrevoando o local, e relatou que suspeita que a mortalidade tenha sido causada por intoxicação por agrotóxico.
Durante inspeção, foi confirmado que as vinte colméias estavam mortas, e todas as abelhas vivas encontradas nas proximidades eram de fora, e estavam apenas tentando "saquear" as caixas, que continham mel. O inspetor mencionou ainda que "não foi possível coletar amostras devido ao estado das abelhas mortas", e confirmou a suspeita de intoxicação por agrotóxico.
O que diz a Usina
Em resposta, a Usina Caeté afirmou que "desconhecia da existência das colmeias do denunciante", e pediu que o proprietário das abelhas comprove que comunicou a empresa que que instalaria um apiário no local.
"Nesse sentido, cabe ao denunciante Sr. Amilton Vichete comprovar que quando se instalou naquele local, que o fez de boa-fé e que comunicou sobre a existência do apiário à peticionante que já desenvolvia há mais de uma década o cultivo de cana naquele local, bem como se ele possui a posse da área em questão ou mesmo a existência de contrato para desenvolver sua atividade de apicultor", diz texto.
Sobre a alegação de aplicação de defensivos agrícolas de forma irregular, a empresa afirma que seguiu as prescrições legais e regulamentares, e que a Iagro havia sido informada sobre o procedimento através de um e-mail, que foi anexado ao texto.
"A Usina Caeté S.A., também comprova que realizou a comunicação oficial com o órgão da IAGRO sobre a realização de aplicação aérea de defensivos agrícolas, enviando e-mail ao respectivo órgão, com previsão de aplicação a ocorrer entre as datas de 18/10 a 28/10/2022".
A Usina culpa o apicultor, e afirma que ele "se instalau no local sem observar as boas práticas lá consolidadas na apicultura,
ou seja, não informou para as culturas vizinhas sobre a instalacão de suas colmeias, o que acabou por provavelmente incidir em
sua própria responsabilidade na estincão de seu apiário".
Agora, cabe ao Ministério Público de Mato Grosso do Sul investigar o caso, e apontar se houve ou não irregularidade no uso do agrotóxico.
Abelhas estão desaparecendo
Uma pesquisa realizada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo (Fapesp), divulgada em 2019, apontou que o efeito dos agrotóxicos em abelhas encurtou em até 50% o tempo de vida dos insetos. Além disso, uma substância fungicida considerada inofensiva para abelhas mudou o comportamento das operárias, deixando-as letárgicas, o que compromete o funcionamento de toda a colônia.
O objetivo do estudo era justamente entender o porquê de diversas espécies de abelha estarem desaparecendo ao redor do mundo.
"No Brasil, o fenômeno tem sido observado pelo menos desde 2005 e está diretamente ligado ao uso de agrotóxicos", afirmou o professor Osmar Malaspina, pesquisador do Centro de Estudos de Insetos Sociais do Instituto de Biociências da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).
Segundo Malaspina, que participou da pesquisa, na maior parte dos casos, as colmeias desaparecem de 24 a 48 horas, o que é um indicativo de contaminação por inseticida.
“Não existe nenhuma doença capaz de matar uma colmeia inteira em 24 horas. Só inseticidas podem provocar isso”, afirmou.
“Fizemos um levantamento no estado de São Paulo nos últimos três anos, mandamos fazer análises dos produtos e das abelhas mortas para ver se tinha resíduo desses produtos e comprovamos que, nesses casos de mortalidade em massa, a grande maioria foi provocada por inseticidas”, informou o professor.
Os ingredientes ativos investigados na nova pesquisa foram a clotianidina, inseticida usado para controle de pragas nas culturas de algodão, feijão, milho e soja, e o fungicida piraclostrobina, aplicado nas folhas da maioria das culturas de grãos, frutas, legumes e vegetais.
Os testes de toxicidade de agrotóxicos foram realizados em concentrações realistas, como as encontradas residualmente no pólen das flores. Os pesquisadores disseram que os agrotóxicos em grandes concentrações dizimariam colmeias quase imediatamente, mas ressaltaram que o objetivo do estudo é descobrir a ação residual dos agrotóxicos sobre as abelhas, mesmo em concentrações muito baixas e teoricamente não letais.
Resultados
No caso das larvas de abelhas alimentadas com dieta contaminada pelo inseticida clotianidina em baixíssima concentração, os insetos apresentaram tempo de vida drasticamente menor, de até 50%. Já entre as larvas alimentadas com a dieta contaminada pelo fungicida piraclostrobina, quando adultas, as operárias sofreram mudança em seu comportamento, tornando-se mais lentas.
“Se você colocou uma dose baixa desse fungicida e ele teoricamente é inofensivo, a abelha vai ingerir aquela dose, mas não vai morrer, como morreria se fosse o inseticida. Mas isso não significa que não esteja prejudicando a colônia, isso já é suficiente para mudar o comportamento dela”, disse o pesquisador.
As operárias jovens fazem inspeções diárias na colmeia, o que faz com que percorram certa distância e se movimentem bastante dentro da colônia. Nos testes, verificou-se que, no caso das abelhas contaminadas tanto pelo fungicida sozinho ou associado ao inseticida, a distância percorrida e a velocidade foram muito menores.
“Então a abelha, por exemplo, se perde no campo, não acha mais o caminho da colônia, e a velocidade que ela voa e a distância são muito menores. Ela não vai coletar alimento direito, vai se perder e, após um período, a colônia acaba sofrendo um colapso e morrendo. Eles [fungicidas] foram feitos para matar fungos, mas acabam matando as abelhas também”, lamentou Malaspina.
Os efeitos do fungicida pode ser, segundo os pesquisadores, um dos fatores que contribuem para a extinção em massa de abelhas.
Impactos econômicos
Há um impacto econômico previsto, porque, além de afetar a produção de mel, grande parte da agricultura depende do trabalho de polinização realizado pelas abelhas. A dificuldade na polinização de diversas culturas traz perdas não só para a produção de alimentos e commodities, mas para a biodiversidade.
O professor ressalta que algumas culturas que são afetadas de forma drástica pela falta de polinização das abelhas.
“Tem culturas que são extremamente dependentes das abelhas, como o melão e a maçã. Se você não tem abelha, não tem melão, nem maçã. Outras culturas, como a laranja, são parcialmente dependentes. Se tiver abelha, aumenta a produção de laranja em até 40%, são valores extraordinários.”
“Na cultura de soja, você aumenta até 10% [a produção]. Imagina o tamanho desse país, a quantidade de soja que é produzida no Brasil. Você aumenta a produção em até 10% sem desmatar um hectare de terra, simplesmente com uso dos serviços ambientas prestados pelas abelhas”, estimou Malaspina.
Ele destaca que, no Brasil, as monoculturas de soja, milho e cana dependem do uso intensivo de inseticidas. A contaminação das colônias de abelhas ocorre quando, por exemplo, os agricultores não respeitam uma margem de segurança mínima – são recomendados 250 metros – na aplicação de defensivos agrícolas entre as lavouras e as áreas florestais que as margeiam. explica.
“Tem gente que aplica produtos químicos até o limite da floresta", apontou.